Sou um guardador de rebanhos
Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.Pensar numa flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei da verdade e sou feliz.
Poemas sobre Fruto
98 resultadosA Solidão é Sempre Fundamento da Liberdade
A solidão é sempre fundamento
da liberdade. Mas também do espaço
por onde se desenvolve o alargar do tempo
à volta da atenção estrita do acto.
Húmus, e alma, é a solidão. E vento,
quando da imóvel solenidade clama
o mudo susto do grito, ainda suspenso
do nome que vai ser sua prisão pensada.
A menos que esse nome seja estremecimento
— fruto de solidão compenetrada
que, por dentro da sombra, nomeia o movimento
de cada corpo entrando por sua luz sagrada.
Tédio
Tenho as recordações d’um velho milenário!
Um grande contador, um prodigioso armário,
Cheiinho, a abarrotar, de cartas memoriais,
Bilhetinhos de amor, recibos, madrigais,
Mais segredos não tem do que eu na mente abrigo.
Meu cer’bro faz lembrar descomunal jazigo;
Nem a vala comum encerra tanto morto!— Eu sou um cemitério estranho, sem conforto,
Onde vermes aos mil — remorsos doloridos,
Atacam de pref’rência os meus mortos queridos.
Eu sou um toucador, com rosas desbotadas,
Onde jazem no chão as modas despresadas,
E onde, sós, tristemente, os quadros de Boucher
Fuem o doce olor d’um frasco de Gellé.Nada pode igualar os dias tormentosos
Em que, sob a pressão de invernos rigorosos,
O Tédio, fruto inf’liz da incuriosidade,
Alcança as proporções da Imortalidade.— Desde hoje, não és mais, ó matéria vivente,
Do que granito envolto em terror inconsciente.
A emergir d’um Saarah movediço, brumoso!
Velha esfinge que dorme um sono misterioso,
Esquecida, ignorada, e cuja face fria
Só brilha quando o Sol dá a boa-noite ao dia!Tradução de Delfim Guimarães
As Palavras de Adeus
A realidade é maior que a verdade meu amor
somos mais do que o sol e do que o mar e
em nenhuma metáfora cabemos
mesmo quando dizemos eu
sou a música tu és o luarcom cadeias de ferro nos unimos
em nosso nome jurámos
pelas cascas dos frutos bebemos
de mel silvestre nos alimentámosmas de fora sempre ficou
algo que nos próprios sentimentos já não coube
e um gosto que indicou algo
que a boca já dizer não soubeentre as coisas as palavras e a sua mudez
paira a irrealidade de
que nos fizemos
nem uma só vez foram verdade as
palavras de adeus que nos dissemos
Amor Sem Fruto, Amor Sem Esperança
Amor sem fruto, amor sem esperança
É mais nobre, mais puro,
Que o que, domando a ríspida esquivança,
Jaz dos agrados nas prisões seguro.
Meu leal coração, constante e forte,
Vendo a teu lado acesos,
Flérida ingrata, os ódios, os desprezos,
O rigor, a tristeza, a raiva, a morte,
Forjando contra mim, por ordem tua,
Mil setas venenosas,
Em prémio destas lágrimas saudosas,
Inda assim continua
A abrasar-se em teus olhos… Vis amantes,
Corações inconstantes,
De sórdidas paixões envenenados,
Vós, a cujos ardores,
A cujos desbocados
Infames apetites
A Virtude, a Razão não põe limites,
Suspirai por ilícitos favores,
Cevai-vos em torpíssimos desejos,
Tratai, tratai de louco um amor casto,
Que eu nos grilhões que arrasto;
Tão limpos como o Sol, darei mil beijos.
Peçonhenta aliança,
Vergonhoso prazer, de vós não curo;
De ti, sim, porque és puro,
Amor sem fruto, amor sem esperança.
Nocturno a Duas Vozes
— Que posso eu fazer
senão beber-te os olhos
enquanto a noite
não cessa de crescer?— Repara como sou jovem,
como nada em mim
encontrou o seu cume,
como nenhuma ave
poisou ainda nos meus ramos,
e amo-te,
bosque, mar, constelação.— Não tenhas medo:
nenhum rumor,
mesmo o do teu coração,
anunciará a morte;
a morte
vem sempre doutra maneira,
alheia
aos longos, brancos
corredores da madrugada.— Não é de medo
que tremem os meus lábios,
tremo por um fruto de lume
e solidão
que é todo o oiro dos teus olhos,
toda a luz
que meus dedos têm
para colher na noite.— Vê como brilha
a estrela da manhã,
como a terra
é só um cheiro de eucaliptos,
e um rumor de água
vem no vento.— Tu és a água, a terra, o vento,
a estrela da manhã és tu ainda.— Cala-te, as palavras doem.
Como dói um barco,
como dói um pássaro
ferido
no limiar do dia.
Teus Olhos
Teus olhos são a pátria do relâmpago e da lágrima,
silêncio que fala,
tempestades sem vento, mar sem ondas,
pássaros presos, douradas feras adormecidas,
topázios ímpios como a verdade,
outono numa clareira de bosque onde a luz canta no ombro
duma árvore e são pássaros todas as folhas,
praia que a manhã encontra constelada de olhos,
cesta de frutos de fogo,
mentira que alimenta,
espelhos deste mundo, portas do além,
pulsação tranquila do mar ao meio-dia,
universo que estremece,
paisagem solitária.Tradução de Luis Pignatelli
No Fim do Verão
No fim do verão as crianças voltam,
correm no molhe, correm no vento.
Tive medo que não voltassem.
Porque as crianças às vezes não
regressam. Não se sabe porquê
mas também elas
morrem.
Elas, frutos solares:
laranjas romãs
dióspiros. Sumarentas
no outono. A que vive dentro de mim
também voltou; continua a correr
nos meus dias. Sinto os seus olhos
rirem; seus olhos
pequenos brilhar como pregos
cromados. Sinto os seus dedos
cantar com a chuva.
A criança voltou. Corre no vento.
A Tua Boca Adormeceu
A tua boca adormeceu
parece um cais muito antigo
à volta da minha boca.Mas as palavras querem voltar à terra
ao fogo do silêncio que sustém as pontes
perdidas na sua própria sombra.E há um cão de pedra como um fruto
que nos cobre com o seu uivo
enquanto pássaros de ouro com mãos de marfim
transplantam as árvores transparentes
para o ponto mais fundo do mar.As lágrimas que não chorei
arrependidas
fazem transbordar a eterna agonia do mar
como um lençol fúnebre
com que tivesse alguém coberto o rosto metafórico
dos cinco continentes que em nós existem.Assim é ao mesmo tempo
que sou eu e não o sou
aquele relógio das horas de ouro
que além flutua.
A um Amigo
Fiel ao costume antigo,
Trago ao meu jovem amigo
Versos próprios deste dia.
E que de os ver tão singelos,
Tão simples como eu, não ria:
Qualquer os fará mais belos,
Ninguém tão d’alma os faria.Que sobre a flor de seus anos
Soprem tarde os desenganos;
Que em torno os bafeje amor,
Amor da esposa querida,
Prolongando a doce vida
Fruto que suceda à flor.Recebe este voto, amigo,
Que eu, fiel ao uso antigo,
Quis trazer-te neste dia
Em poucos versos singelos.
Qualquer os fará mais belos,
Ninguém tão d’alma os faria.
Quanto Morre um Homem
Quando eu um dia decisivamente voltar a face
daquelas coisas que só de perfil contemplei
quem procurará nelas as linhas do teu rosto?
Quem dará o teu nome a todas as ruas
que encontrar no coração e na cidade?
Quem te porá como fruto nas árvores ou como paisagem
no brilho de olhos lavados nas quatro estações?
Quando toda a alegria for clandestina
alguém te dobrará em cada esquina?
Lamentação dos Filhos
Do infinito nascemos
para um termo preciso.
De infindas, as penas,
de vago, o aviso.Nados mornos, frágeis,
de entre dois gemidos.
Quando a morte, a eterna?
Quando o Conhecido?Que isto já nos cansa,
a nós, os malformados,
desde a distante infância
frutos destinados.Somos os que a vida
fez limite amargo.
De infindas, só as penas,
de vago, o aviso vago.
Mistério
Teu corpo veio a mim. Donde viera?
Que flor? Que fruto? Pétala indecisa…
Rima suave: Outono ou Primavera?
Teu corpo veio como vem a brisa…Rosa de Maio, encastoada em luto:
O dos meus olhos e o do meu cabelo.
Um quarto para as onze! E esse minuto
Ai! nunca, nunca mais pude esquecê-lo!Viu-se, primeiro, o rosto e o ombro, depois.
E a mão subiu das ancas para o peito…
— Quem és? Sou teu… (Quando um e um são dois,
Dois podem ser um só cristal perfeito!)Um quarto para as onze! Caiu neve?
Abri os olhos! Era quase dia…
Ou bater de asas, cada vez mais leve,
De pássaro na sombra que fugia?
Verão
Eu te chamo tumulto
e virei sobre ti
ao fogo dos frutos
na hora em que a polpa da tarde
fende
e pelo campo escorrem farelos de ouro
à luz azul da bruma.Para ti alço
com a rigidez de um bico,
garras, córneas, penas descendo
em teu tremor,
instante todo de corpo a não ser
mais que carcassa, maré, esvaimento.E quando, inerte
— casca ou pele, gretado
o teu querer não for mais que apetência
ou saudade,
o sangue a escorrer ainda
escondendo os talos da grama mais pequena,
há-de permanecer aos olhos que o não vêem
íntimo sinal de união
entre a fêmea e o macho
— o que penetra
e quanto, deixando penetrar
inaugura.
Eternidade
A minha eternidade neste mundo
Sejam vinte anos só, depois da morte!
O vento, eles passados, que, enfim, corte
A flor que no jardim plantei tão fundo.As minhas cartas leia-as quem quiser!
Torne-se público o meu pensamento!
E a terra a que chamei — minha mulher —
A outros dê seu lábio sumarento!A outros abra as fontes do prazer
E teça o leito em pétalas e lume!
A outros dê seus frutos a comer
E em cada noite a outros dê perfume!O globo tem dois pólos: Ontem e hoje.
Dizemos só: — Meu pai! ou só:— Meu filho!
O resto é baile que não deixa trilho.
Rosto sem carne; fixidez que foge.Venham beijar-me a campa os que me beijam
Agora, frágeis, frívolos e humanos!
Os que me virem, morto, ainda me vejam
Depois da morte, vivo, ainda vinte anos!Nuvem subindo, anis que se evapora…
Assim um dia passe a minha vida!
Mas, antes, que uma lágrima sentida
Traga a certeza de que alguém me chora!Adro!
Mito
Virá o dia em que o jovem deus será um homem,
sem sofrimento, com o morto sorriso do homem
que compreendeu. Também o sol se move longínquo
avermelhando as praias. Virá o dia em que o deus
já não saberá onde eram as praias de outrora.Acorda-se uma manhã em que o Verão morreu,
e nos olhos tumultuam ainda esplendores
como ontem e no ouvido os fragores do sol
feito sangue. A cor do mundo mudou.
A montanha já não toca o céu; as nuvens
já não se amontoam como frutos; na água
já não transparece um seixo. O corpo dum homem
curva-se pensativo onde um deus respirava.O grande sol acabou, e o cheiro da terra
e a rua livre, colorida de gente
que ignorava a morte. Não se morre de Verão.
Se alguém desaparecia, havia o jovem deus
que vivia por todos e ignorava a morte.
Nele a tristeza era uma sombra de nuvens.
O seu passo pasmava a terra.Agora pesa
o cansaço sobre todos os membros do homem,
sem sofrimento: o calmo cansaço da madrugada
que abre um dia de chuva.
Frustração
Foi bonito
O meu sonho de amor.
Floriram em redor
Todos os campos em pousio.
Um sol de Abril brilhou em pleno estio,
Lavado e promissor.
Só que não houve frutos
Dessa primavera.
A vida disse que era
Tarde demais.
E que as paixões tardias
São ironias
Dos deuses desleais.
Ornitologia
Chegado o Outono, o conhecimento concentra-se nas asas
dos pássaros que pousam lentos sobre as cores dos frutos.
Sem sentimentos, as aves entregam-se ao sabor do vento
e deixam que no cérebro cresça a febre negra das urzes.
Aquieta-os a experiência que conservam do espaço
e que todas as tardes os inibe de partir para continentes
mais prósperos e seguros. Sustém-os um atavismo
apenas explicável pelo saber dos signos e o seu desejo
colectivo de suicídio. Porque não escolhem antes
perder-se na tempestade? Talvez visto do ar,
aos seus olhos o mundo se torne mais pesado
e o pensamento se confunda, na memória,
com uma paisagem festiva de piras fúnebres.
E contudo, apesar do carácter cerrado da atmosfera,
o seu peso parece ter-se já deixado de sentir
sobre o discurso. Virados para dentro,
as imagens em que se reflectem são
as de um mundo banhado pela penúmbra.
Afogado na sua razão de ser. Mediúnico.
Imagine-se agora o caçador a entrar
paisagem dentro para abater as peças
de que se compõe o cenário uma a uma:
vista de dentro,
Os Meus Pensamentos são Todos Sensações
Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto.
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.
Natal
Mais uma vez, cá vimos
Festejar o teu novo nascimento,
Nós, que, parece, nos desiludimos
Do teu advento!Cada vez o teu Reino é menos deste mundo!
Mas vimos, com as mãos cheias dos nossos pomos,
Festejar-te, — do fundo
Da miséria que somos.Os que à chegada
Te vimos esperar com palmas, frutos, hinos,
Somos — não uma vez, mas cada —
Teus assassinos.À tua mesa nos sentamos:
Teu sangue e corpo é que nos mata a sede e a fome;
Mas por trinta moedas te entregamos;
E por temor, negamos o teu nome.Sob escárnios e ultrajes,
Ao vulgo te exibimos, que te aclame;
Te rojamos nas lajes;
Te cravejamos numa cruz infane.Depois, a mesma cruz, a erguemos,
Como um farol de salvação,
Sobre as cidades em que ferve extremos
A nossa corrupção.Os que em leilão a arrematamos
Como sagrada peça única,
Somos os que jogamos,
Para comércio, a tua túnica.Tais somos, os que, por costume,
Vimos, mais uma vez,