Amor Pacífico e Fecundo
Não quero amor
que não saiba dominar-se,
desse, como vinho espumante,
que parte o copo e se entorna,
perdido num instante.Dá-me esse amor fresco e puro
como a tua chuva,
que abençoa a terra sequiosa,
e enche as talhas do lar.
Amor que penetre até ao centro da vida,
e dali se estenda como seiva invisível,
até aos ramos da árvore da existência,
e faça nascer
as flores e os frutos.
Dá-me esse amor
que conserva tranquilo o coração,
na plenitude da paz!Tradução de Manuel Simões
Poemas sobre Fruto
98 resultadosA Arte de Ser Amada
Eu sou líquida mas recolhida
no íntimo estanho de uma jarra
e em tua boca um clavicórdio
quer recordar-me que sou áriaaérea vária porém sentada
perfil que os flamingos voaram.
Pelos canteiros eu conto os gerânios
de uns tantos anos que nos separam.Teu amor de planta submarina
procura um húmido lugar.
Sabiamente preencho a piscina
que te dê o hábito de afogar.Do que não viste a minha idade
te inquieta como a ciência
do mundo ser muito velho
três vezes por mim rodeado
sem saber da tua existência.Pensas-me a ilha e me sitias
de violinos por todos os lados
e em tua pele o que eu respiro
é um ar de frutos sossegados.
Alegria
Já ouço gritos ao longe
Já diz a voz do amor
A alegria do corpo
O esquecimento da dorJá os ventos recolheram
Já o verão se nos oferece
Quantos frutos quantas fontes
Mais o sol que nos aqueceJá colho jasmins e nardos
Já tenho colares de rosas
E danço no meio da estrada
As danças prodigiosasJá os sorrisos se dão
Já se dão as voltas todas
Ó certeza das certezas
Ó alegria das bodas
Que não Arrefeça em Nós
Que não arrefeça em nós
nem a luz nem o fogo
e que a fome entardecida
pela penumbra da fadiga dos olhos
nunca renuncie ao sabor dos frutos
ou à febre da sede dos lábios.
Assim se faça tudo, amor,
à medida do que se ama,
que o corpo prostrado pelo êxtase
não conhece tréguas nem assombro.
Desenha-me na paz dos azulejos
com o meu perfil de ave anoitecida
e inaugura no meu peito
a festa circular dos dedos
tatuando ilhas em redor do coração.
Esquiva, demoras-te no verso
o instante de lume de uma revelação
e quando voltas é sempre
com uma promessa de partida
e quando partes é sempre
com um anúncio de caos, de temor
na clara água do olhar. Deixo-te agora
amar, indefesa, para resgate da alma.
Gritar
Aqui a acção simplifica-se
Derrubei a paisagem inexplicável da mentira
Derrubei os gestos sem luz e os dias impotentes
Lancei por terra os propósitos lidos e ouvidos
Ponho-me a gritar
Todos falavam demasiado baixo falavam e
[escreviam
Demasiado baixoFiz retroceder os limites do grito
A acção simplifica-se
Porque eu arrebato à morte essa visão da vida
Que lhe destinava um lugar perante mimCom um grito
Tantas coisas desapareceram
Que nunca mais voltará a desaparecer
Nada do que merece viverEstou perfeitamente seguro agora que o Verão
Canta debaixo das portas frias
Sob armaduras opostas
Ardem no meu coração as estações
As estações dos homens os seus astros
Trémulos de tão semelhantes seremE o meu grito nu sobe um degrau
Da escadaria imensa da alegriaE esse fogo nu que me pesa
Torna a minha força suave e duraEis aqui a amadurecer um fruto
Ardendo de frio orvalhado de suor
Eis aqui o lugar generoso
Onde só dormem os que sonham
O tempo está bom gritemos com mais força
Para que os sonhadores durmam melhor
Envoltos em palavras
Que põem o bom tempo nos meus olhosEstou seguro de que a todo o momento
Filha e avó dos meus amores
Da minha esperança
A felicidade jorra do meu gritoPara a mais alta busca
Um grito de que o meu seja o eco.
Intimidade
No coração da mina mais secreta,
No interior do fruto mais distante,
Na vibração da nota mais discreta,
No búzio mais convolto e ressoante,Na camada mais densa da pintura,
Na veia que no corpo mais nos sonde,
Na palavra que diga mais brandura,
Na raiz que mais desce, mais esconde,No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade.
Conheço esse Sentimento
Conheço esse sentimento
que é como a cerejeira
quando está carregada de frutos:
excessivo peso para os ramos da alma.Conheço esse sentimento
que é o da orla da praia
lambida pela espuma da maré:
quando o mar se retira
as conchas são pequenas saudades
que doem no coração da areia.Conheço esse sentimento
que é o dos cabelos do salgueiro
revoltos pelas mãos ágeis da tempestade:
na hora quieta do amanhecer
pendem-lhe tristemente os braços
vazios do amado corpo do vento.Conheço esse sentimento
que passa nos teus olhos e nos meus
quando de mãos dadas
ouvimos o Requiem de Mozart
ou visitamos a nave de Alcobaça.Pedro e Inês
a praia e a maré
o salgueiro e o vento
a verdade e o sonho
o amor e a morte
o pó das cerejeiras
tu.
e eu.
Mãe e Filho
Primícias do meu amor!
Meu filhinho do meu seio
Tenro fruto que à luz veio
Como à luz da aurora a flor!Na tua face inocente,
De teu pai a face beijo,
E em teus olhos, filho, vejo
Como Deus é providente;Via em lâmina dourada
O meu rosto todo o dia,
E a minha alma não havia
De a ver nunca retratada?Quando o pai me unia à face
E em seus braços me apertava,
Pomba ou anjo nos faltava
Que ambos juntos abraçasse!Felizmente Deus que o centro
Vê da Terra e vê do abismo,
Que bem sabe no que eu cismo,
Na minha alma um altar viu dentro:Mas com lâmpada sem brilho,
Sem o deus a que era feito…
Bafeja-me um dia o peito,
E eis feito o meu gosto, filho!Como em lágrimas se espalma
Dor íntima e se esvaece
De alma o resto quem pudesse
Vazar todo na tua alma!Mas em ti minha alma habita!
Mas teu riso a vida furta…
A Secreta Viagem
No barco sem ninguém, anónimo e vazio,
ficámos nós os dois, parados, de mão dada…
Como podem só dois governar um navio?
Melhor é desistir e não fazermos nada!Sem um gesto sequer, de súbito esculpidos,
tornamo-nos reais, e de madeira, à proa…
Que figuras de lenda! Olhos vagos, perdidos…
Por entre nossas mãos, o verde mar se escoa…Aparentes senhores de um barco abandonado,
nós olhamos, sem ver, a longínqua miragem…
Aonde iremos ter? — Com frutos e pecado,
se justifica, enflora, a secreta viagem!Agora sei que és tu quem me fora indicada.
O resto passa, passa… alheio aos meus sentidos.
— Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada,
a eternidade é nossa, em madeira esculpidos!
A Bicicleta pela Lua Dentro – Mãe, Mãe
A bicicleta pela lua dentro – mãe, mãe –
ouvi dizer toda a neve.
As árvores crescem nos satélites.
Que hei-de fazer senão sonhar
ao contrário quando novembro empunha –
mãe, mãe – as tellhas dos seus frutos?
As nuvens, aviões, mercúrio.
Novembro – mãe – com as suas praças
descascadas.A neve sobre os frutos – filho, filho.
Janeiro com outono sonha então.
Canta nesse espanto – meu filho – os satélites
sonham pela lua dentro na sua bicicleta.
Ouvi dizer novembro.
As praças estão resplendentes.
As grandes letras descascadas: é novo o alfabeto.
Aviões passam no teu nome –
minha mãe, minha máquina –
mercúrio (ouvi dizer) está cheio de neve.Avança, memória, com a tua bicicleta.
Sonhando, as árvores crescem ao contrário.
Apresento-te novembro: avião
limpo como um alfabeto. E as praças
dão a sua neve descascada.
Mãe, mãe — como janeiro resplende
nos satélites. Filho — é a tua memória.E as letras estão em ti, abertas
pela neve dentro. Como árvores, aviões
sonham ao contrário.
Utopia
Cidade
Sem muros nem ameias
Gente igual por dentro
Gente igual por fora
Onde a folha da palma
Afaga a cantaria
Cidade do homem
Não do lobo mas irmão
Capital da alegriaBraço que dormes
Nos braços do rio
Toma o fruto da terra
E teu a ti o deves
Lança o teu
DesafioHomem que olhas nos olhos
Que não negas
O sorriso a palavra forte e justa
Homem para quem
O nada disto custa
Será que existe
Lá para as margens do oriente
Este rio este rumo esta gaivota
Que outro fumo deverei seguir
Na minha rota?
Mil Escudos
podia jurar que já tive esta nota na
mão gostava mais das de cem (Bocage
sempre era poeta) um de nós nunca
esquecia bigodes e cicatrizes sobreo seu carão moreno assinando o curto
nome pelo banco de Portugal nomeando
nosso Bocage governador por uns dias.a nota de mil amanhã será como a
tangerina (há tanto tempo na terrina
caiu na classe dos frutos secos).vem aí outro dinheiro (aposto: vai
ser azul) guardo esta nota antiga na
caixa da ilusão esta nota é um país
em vias de extinção
Praia do Esquecimento
Fujo da sombra; cerro os olhos: não há nada.
A minha vida nem consente
rumor de gente
na praia desolada.Apenas decisão de esquecimento:
mas só neste momento eu a descubro
como a um fruto rubro
de que, sem já sabê-lo, me sustento.E do Sol amarelo que há no céu
somente sei que me queimou a pele.
Juro: nem dei por ele
quando nasceu.
Não Voltarás
não voltarás
olhando as ruas
na vidraça nua os zimbros
da terra ocremoras secreta nestes barros
tua flauta canta nas montanhas
pedras e trepadeiras se enroscam
perto do teu rosto
e são de
águasabes plantar o odor
dos frutos
tangerina limão
pássaras orvalho
a nervura das manhãs
e o lume dos poemas
quente metalurgia
das palavrascomo ontem (tu eras morta)
prolonga-te nestas mãos
no maio das rotas
de abril
tecidas
A Escola Portuguesa
Eis as crianças vermelhas
Na sua hedionda prisão:
Doirado enxame de abelhas!
O mestre-escola é o zangão.Em duros bancos de pinho
Senta-se a turba sonora
Dos corpos feitos de arminho,
Das almas feitas d’aurora.Soletram versos e prosas
Horríveis; contudo, ao lê-las
Daquelas bocas de rosas
Saem murmúrios de estrela.Contemplam de quando em quando,
E com inveja, Senhor!
As andorinhas passando
Do azul no livre esplendor.Oh, que existência doirada
Lá cima, no azul, na glória,
Sem cartilhas, sem tabuada,
Sem mestre e sem palmatória!E como os dias são longos
Nestas prisões sepulcrais!
Abrem a boca os ditongos,
E as cifras tristes dão ais!Desgraçadas toutinegras,
Que insuportáveis martírios!
João Félix co’as unhas negras,
Mostrando as vogais aos lírios!Como querem que despontem
Os frutos na escola aldeã,
Se o nome do mestre é — Ontem
E o do discíp’lo — Amanhã!Como é que há-de na campina
Surgir o trigal maduro,
Se é o Passado quem ensina
O b a ba ao Futuro!
Peço a Paz
Peço a paz
e o silêncioA paz dos frutos
e a música
de suas sementes
abertas ao ventoPeço a paz
e meus pulsos traçam na chuva
um rosto e um pãoPeço a paz
silenciosamente
a paz a madrugada em cada ovo aberto
aos passos leves da morteA paz peço
a paz apenas
o repouso da luta no barro das mãos
uma língua sensível ao sabor do vinho
a paz clara
a paz quotidiana
dos actos que nos cobrem
de lama e solPeço a paz e o
silêncio
Em Louvor da Miniblusa
Hoje vai a antiga musa
celebrar a nova blusa
que de Norte a Sul se usa
como graça de verão.
Graça que mostra o que esconde
a blusa comum, mas onde
um velho da era do bonde
encontrará mais mensagem
do que na bossa estival
da rola que ao natural
mostra seu colo fatal,
ou quase, pois tanto faz,
se a anatomia me ensina
a tocar a concertina
em busca ao mapa da mina
que ora muda de lugar?
Já nem sei mais o que digo
ao divisar certo umbigo:
penso em flor, cereja, figo,
penso em deixar de pensar,
e em louvar o costureiro
ou costureira — joalheiro
que expõe a qualquer soleiro
esse profundo diamante
exclusivo antes das praias
(Copas, Leblons, Marambaias
e suas areias gaias).
Salve, moda, salve, sol
de sal, de alegre inventiva,
que traz à matéria viva
a prova figurativa!
Pode a indústria de fiação
carpir-se do pouco pano
que o figurino magano
reduz a zero, cada ano.
Que importa?
Metanáutica
Deixa-te ser viável como um bosque
ou jardim ou pomar por onde possa
ir passando a pessoa pela sombra
ou pela flor ou pelo fruto ou pela
singular vocação ambulatória:
deixa-te ser viável como um rio
ou lago ou mar por onde possa ir
passando o navegante ou nadador
pelo afã de chegar ou pelo puro
sentir-se em ti flutuante ou imerso:
deixa-te ser viável como um ar
por onde possa ir passando a asa
que como tal se procure ou encontre
firme ou frágil… Mas bosque ou jardim ou
pomar ou rio ou lago ou mar ou ar,
deixa em ti leccionar-se o transeunte
que viver são instâncias de passar.
Quando um Homem Quiser
Tu que dormes à noite na calçada do relento
numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
és meu irmão, amigo, és meu irmãoE tu que dormes só o pesadelo do ciúme
numa cama de raiva com lençóis feitos de lume
e sofres o Natal da solidão sem um queixume
és meu irmão, amigo, és meu irmãoNatal é em Dezembro
mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
é quando um homem quiser
Natal é quando nasce
uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto
que há no ventre da mulherTu que inventas ternura e brinquedos para dar
tu que inventas bonecas e comboios de luar
e mentes ao teu filho por não os poderes comprar
és meu irmão, amigo, és meu irmãoE tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
és meu irmão, amigo, és meu irmão
Romance
Fruto de solidão
preso à fronde do vento,
lua, tu nos dás
a medida do eterno,
essa altura que jogas
contra o espaço celeste
em nós refere a terra,
que em nossa ânsia integras.
E ao nosso amor integras
tudo o que não sofremos,
tudo o que não tivemos
e apenas pressentimos,
em tua marcha sentimos
tudo o que não teremos
e tudo o que já viveram
corações noutros tempos.
Flanco de solidão,
maçã casta e sensual
presa ao ramo oscilante
entre a alma e o carnal,
em ti, suprema altura,
os olhos vão reunindo
as trilhas do abandono
e alguns ecos da infância.Pata branca de touro
extraviada no azul.