Hino à Morte
Tenho às vezes sentido o chocar dos teus ossos
E o vento da tua asa os meus lábios roçar;
Mas da tua presença o rasto de destroços
Nunca de susto fez meu coração parar.Nunca, espanto ou receio, ao meu ânimo trouxe
Esse aspecto de horror com que tudo apavoras,
Nas tuas mãos erguendo a inexorável Fouce
E a ampulheta em que vais pulverizando as horas.Sei que andas, como sombra, a seguir os meus
[passos,
Tão próxima de mim que te respiro o alento,
— Prestes como uma noiva a estreitar-me em teus
[braços,
E a arrastar-me contigo ao teu leito sangrento…Que importa? Do teu seio a noite que amedronta,
Para mim não é mais que o refluxo da Vida,
Noite da noite, donde esplêndida desponta
A aurora espiritual da Terra Prometida.A Alma volta à Luz; sai desse hiato de sombra,
Como o insecto da larva. A Morte que me aterra,
Essa que tanta vez o meu ânimo assombra,
Não és tu, com a paz do teu oásis te terra!Quantas vezes,
Poemas sobre Sofrimento de António Feijó
3 resultadosHino à Dor
Sorri com mais doçura a boca de quem sofre,
Embora amargue o fel que os seus lábios beberam;
É mais ardente o olhar onde, como um aljofre,
A Dor se condensou e as lágrimas correram.Soa, como se um beijo ou uma carícia fosse,
A voz que a soluçar na Desgraça aprendeu;
E não há para nós consolação mais doce
Que o regaço de quem muito amou e sofreu.Voz, que jamais vibrou num soluço de mágoa,
Ao nosso coração nunca pode chegar…
Mas o pranto, ao cair duns olhos rasos de água,
Torna mais penetrante e mais profundo o olhar.Lábio, que só bebeu na fonte da Alegria,
É frio, como o olhar de quem nunca chorou;
A Bondade é uma flor que se alimenta e cria
Dos resíduos que a Dor no coração deixou.Em tudo quanto existe o Sofrimento imprime
Uma augusta expressão… mesmo a Suprema Graça,
Dando aos versos do Poeta esse esmalte sublime
Que torna imorredoira a Inspiração que passa.É por isso que a Dor, sem trégua nem guarida,
A Armadura
Desenganos, traições, combates, sofrimentos,
Numa vida já longa acumulados, vão
— Como sobre um paul contínuos sedimentos,
Pouco a pouco envolvendo em cinza o coração.E a cinza com o tempo atinge uma espessura
Que nem os mais cruéis desesperos abalam;
É como tenebrosa, impávida armadura
Ou couraça de bronze em que os golpes resvalam.Impermeável da Inveja à peçonhenta bava,
Nela a Calúnia embota os seus dentes ervados;
Não há braço que possa amolgá-la, nem clava
Que nesse duro arnês se não faça em bocados.E no entanto, através dessas rijas camadas,
Ou rompendo por entre as juntas da armadura,
Escorrem muita vez gotas ensanguentadas
Que o coração verteu dalguma chaga obscura…