Poemas sobre Sol de Machado de Assis

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Poemas de sol de Machado de Assis. Leia este e outros poemas de Machado de Assis em Poetris.

Noivado

VĂŞs, querida, o horizonte ardendo em chamas?
Além desses outeiros
Vai descambando o sol, e Ă  terra envia
Os raios derradeiros;
A tarde, como noiva que enrubesce,
Traz no rosto um véu mole e transparente;
No fundo azul a estrela do poente
Já tímida aparece.

Como um bafo suavĂ­ssimo da noite,
Vem sussurrando o vento
As árvores agita e imprime às folhas
O beijo sonolento.
A flor ajeita o cálix: cedo espera
O orvalho, e entanto exala o doce aroma;
Do leito do oriente a noite assoma
Como uma sombra austera.

Vem tu, agora, Ăł filha de meus sonhos,
Vem, minha flor querida;
Vem contemplar o céu, página santa
Que amor a ler convida;
Da tua solidĂŁo rompe as cadeias;
Desce do teu sombrio e mudo asilo;
Encontrarás aqui o amor tranqĂĽilo…
Que esperas? que receias?

Olha o templo de Deus, pomposo e grande;
Lá do horizonte oposto
A lua, como lâmpada, já surge
A alumiar teu rosto;
Os cĂ­rios vĂŁo arder no altar sagrado,
Estrelinhas do céu que um anjo acende;

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ManhĂŁ de Inverno

Coroada de névoas, surge a aurora
Por detrás das montanhas do oriente;
Vê-se um resto de sono e de preguiça,
Nos olhos da fantástica indolente.

NĂ©voas enchem de um lado e de outro os morros
Tristes como sinceras sepulturas,
Essas que tĂŞm por simples ornamento
Puras capelas, lágrimas mais puras.

A custo rompe o sol; a custo invade
O espaço todo branco; e a luz brilhante
Fulge através do espesso nevoeiro,
Como através de um véu fulge o diamante.

Vento frio, mas brando, agita as folhas
Das laranjeiras Ăşmidas da chuva;
Erma de flores, curva a planta o colo,
E o chĂŁo recebe o pranto da viĂşva.

Gelo nĂŁo cobre o dorso das montanhas,
Nem enche as folhas trĂŞmulas a neve;
Galhardo moço, o inverno deste clima
Na verde palma a sua histĂłria escreve.

Pouco a pouco, dissipam-se no espaço
As névoas da manhã; já pelos montes
VĂŁo subindo as que encheram todo o vale;
Já se vão descobrindo os horizontes.

Sobe de todo o pano; eis aparece
Da natureza o esplêndido cenário;

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RuĂ­nas

Cobrem plantas sem flor crestados muros;
Range a porta anciĂŁ; o chĂŁo de pedra
Gemer parece aos pés do inquieto vate.
RuĂ­na Ă© tudo: a casa, a escada, o horto,
Sítios caros da infância.
Austera moça
Junto ao velho portĂŁo o vate aguarda;
Pendem-lhe as tranças soltas
Por sobre as roxas vestes.
Risos nĂŁo tem, e em seu magoado gesto
Transluz nĂŁo sei que dor oculta aos olhos;
— Dor que à face não vem, — medrosa e casta,
Íntima e funda; — e dos cerrados cílios
Se uma discreta muda
Lágrima cai, não murcha a flor do rosto;
Melancolia tácita e serena,
Que os ecos nĂŁo acorda em seus queixumes,
Respira aquele rosto. A mĂŁo lhe estende
O abatido poeta. Ei-los percorrem
Com tardo passo os relembrados sĂ­tios,
Ermos depois que a mĂŁo da fria morte
Tantas almas colhera. Desmaiavam,
Nos serros do poente,
As rosas do crepĂşsculo.
“Quem és? pergunta o vate; o sol que foge
No teu lânguido olhar um raio deixa;
— Raio quebrado e frio; — o vento agita
Tímido e frouxo as tuas longas tranças.

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A Caridade

Ela tinha no rosto uma expressĂŁo tĂŁo calma
Como o sono inocente e primeiro de uma alma
Donde nĂŁo se afastou ainda o olhar de Deus;
Uma serena graça, uma graça dos céus* *,
Era-lhe o casto, o brando, o delicado andar,
E nas asas da brisa iam-lhe a ondear
Sobre o gracioso colo as delicadas tranças.

Levava pela mão duas gentis crianças.

Ia caminho. A um lado ouve magoado pranto.
Parou. E na ansiedade ainda o mesmo encanto
Descia-lhe às feições. Procurou. Na calçada
Ă€ chuva, ao ar, ao sol, despida, abandonada
A infância lacrimosa, a infância desvalida,
Pedia leito e pĂŁo, amparo, amor, guarida.

E tu, Ăł Caridade, Ăł virgem do Senhor,
No amoroso seio as crianças tomaste,
E entre beijos – só teus — o pranto lhes secaste
Dando-lhes leito e pĂŁo, guarida e amor.

Ăšltima Folha

Musa, desce do alto da montanha
Onde aspiraste o aroma da poesia,
E deixa ao eco dos sagrados ermos
A Ăşltima harmonia.

Dos teus cabelos de ouro, que beijavam
Na amena tarde as virações perdidas,
Deixa cair ao chĂŁo as alvas rosas
E as alvas margaridas.

VĂŞs? NĂŁo Ă© noite, nĂŁo, este ar sombrio
Que nos esconde o céu. Inda no poente
Não quebra os raios pálidos e frios
O sol resplandecente.

Vês? Lá ao fundo o vale árido e seco
Abre-se, como um leito mortuário;
Espera-te o silĂŞncio da planĂ­cie,
Como um frio sudário.

Desce. Virá um dia em que mais bela,
Mais alegre, mais cheia de harmonias,
Voltes a procurar a voz cadente
Dos teus primeiros dias.

Então coroarás a ingênua fronte
Das flores da manhã, — e ao monte agreste,
Como a noiva fantástica dos ermos,
Irás, musa celeste!

EntĂŁo, nas horas solenes
Em que o mĂ­stico himeneu
Une em abraço divino
Verde a terra, azul o céu;

Quando, já finda a tormenta
Que a natureza enlutou,

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Os Semeadores

VĂłs os que hoje colheis, por esses campos largos,
O doce fruto e a flor,
Acaso esquecereis os ásperos e amargos
Tempos do semeador?

Rude era o chĂŁo; agreste e longo aquele dia;
Contudo, esses herĂłis
Souberam resistir na afanosa porfia
Aos temporais e aos sĂłis.

Poucos; mas a vontade os poucos multiplica,
E a fé, e as orações
Fizeram transformar a terra pobre em rica
E os centos em milhões.

Nem somente o labor, mas o perigo, a fome,
O frio, a descalcĂŞs,
O morrer cada dia uma morte sem nome,
O morrĂŞ-la, talvez,

Entre bárbaras mãos, como se fora crime,
Como se fora réu
Quem lhe ensinara aquela ação pura e sublime
De as levantar ao céu!

Ă“ Paulos do sertĂŁo! Que dia e que batalha!
Venceste-a; e podeis
Entre as dobras dormir da secular mortalha;
Vivereis, vivereis!

As Rosas

Rosas que desabrochais,
Como os primeiros amores,
Aos suaves resplendores
Matinais;

Em vĂŁo ostentais, em vĂŁo,
A vossa graça suprema;
De pouco vale; Ă© o diadema
Da ilusĂŁo.

Em vĂŁo encheis de aroma o ar da tarde;
Em vĂŁo abris o seio Ăşmido e fresco
Do sol nascente aos beijos amorosos;
Em vĂŁo ornais a fronte Ă  meiga virgem;
Em vĂŁo, como penhor de puro afeto,
Como um elo das almas,
Passais do seio amante ao seio amante;
Lá bate a hora infausta
Em que é força morrer; as folhas lindas
Perdem o viço da manhã primeira,
As graças e o perfume.
Rosas que sois então? – Restos perdidos,
Folhas mortas que o tempo esquece, e espalha
Brisa do inverno ou mĂŁo indiferente.

Tal Ă© o vosso destino,
Ă“ filhas da natureza;
Em que vos pese Ă  beleza,
Pereceis;
Mas, nĂŁo… Se a mĂŁo de um poeta
Vos cultiva agora, Ăł rosas,
Mais vivas, mais jubilosas,
Floresceis.