Poemas sobre Sono

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Poemas de sono escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

O Sol Ă© Grande

O sol é grande, caem co’a calma as aves,
do tempo em tal sazĂŁo, que sĂłi ser fria;
esta água que d’alto cai acordar-m’-ia
do sono nĂŁo, mas de cuidados graves.

Ă“ cousas, todas vĂŁs, todas mudaves,
qual é tal coração qu’em vós confia?
Passam os tempos vai dia trás dia,
incertos muito mais que ao vento as naves.

Eu vira já aqui sombras, vira flores,
vi tantas águas, vi tanta verdura,
as aves todas cantavam d’amores.

Tudo Ă© seco e mudo; e, de mestura,
também mudando-m’eu fiz doutras cores:
e tudo o mais renova, isto Ă© sem cura!

Entardecer

Sol-posto ungindo o mar: incensos de ouro!

Recolhe funda a tarde em sonho e mágoa.
Surdina fluida: anda o silêncio a orar –
E há crepúsculos de asas e, na água,
O céu é mármore extático a cismar!

E nas faces marmĂłreas dos rochedos
Esboçam-se perfis,
– Cintilações,
Penumbra de segredos!

Ó painéis de nuvens sobre a terra,
Ogivas delirantes
Na água refractando…
Encheis de sombra o mar de espumas rasas,
Iniciando
A hora pânica das asas!

E, Ă  meia luz da tarde,
Na areia requeimada,
SĂŁo vultos sonolentos
As proas dos navios…

Ó tristeza dos balões
Iluminando,
Na água prateada,
Os pegos e baixios…

Dormentes constelações
Que, em fundos lacustres
E musgosos,
Pondes reverberações
Em nossos olhos ansiosos.

Ó tardes de aquático esplendor,
Descendo em meu olhar!

Num sonho de regresso,
Numa ânsia de voltar,
Em mim todo me esqueço
E fico-me a cismar.

A tarde Ă© toda um sonho moribundo.
É já olor da cor que amorteceu.

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A SofreguidĂŁo de um Instante

Tudo renegarei menos o afecto,
e trago um ceptro e uma coroa,
o primeiro de ferro, a segunda de urze,
para ser o rei efémero
desse amor Ăşnico e breve
que se dilui em partidas
e se fragmenta em perguntas
iguais Ă s das amantes
que a claridade atordoa e converte.
Deixa-me reinar em ti
o tempo apenas de um relâmpago
a incendiar a erva seca dos cumes.
E se tiver que montar guarda,
que seja em redor do teu sono,
num êxtase de lábios sobre a relva,
num delĂ­rio de beijos sobre o ventre,
num assombro de dedos sob a roupa.
Eu estava morto e nĂŁo sabia, sabes,
que há um tempo dentro deste tempo
para renascermos com os corais
e sermos eternos na sofreguidĂŁo de um instante.

O Dia Segue o Curso Itinerante

I

Assim te amei, amada, assim te amei
de amor tĂŁo grande e puro que secou
no peito meu o rio que corria
submisso e atento para os braços teus.
Nos ermos vales agora percorro
os gestos esquecidos, densas brumas
do rio que fui, o rio que fomos,
largas águas seguindo o mar da noite.
Assim te amei o amor maior que pude.
E, mais ainda, a minha vida foi
uma desfeita nau vagando a esmo
o mar do tempo, o mar janeiro, o mar
que perdi. E agora, de ti disperso,
nos desertos de mim, sem fim, caminho.

II

E vou por outras águas procurando
o manso pouco, o malvo campo onde
apascentar o rebanho de mágoas,
o carro de afectos que mantenho
guardados no denso peito, tangidos
pelo vento no dorso do horizonte.
Largos desertos! abrandai a pena
sem fim que me domina! Alvos lĂ­rios,
rosas, boninas, nardos e outras flores!
Vinde ao menos cobrir-me a branda fronte
de pĂşrpura, de orvalho e calmaria.
Eis que me vou por este vasto mar
de afagos e carĂ­cias inconstantes,

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Algumas Proposições com Crianças

A criança está completamente imersa na infância
a criança não sabe que há-de fazer da infância
a criança coincide com a infância
a criança deixa-se invadir pela infância como pelo sono
deixa cair a cabeça e voga na infância
a criança mergulha na infância como no mar
a infância é o elemento da criança como a água
Ă© o elemento prĂłprio do peixe
a criança não sabe que pertence à terra
a sabedoria da criança é não saber que morre
a criança morre na adolescência
Se foste criança diz-me a cor do teu país
Eu te digo que o meu era da cor do bibe
e tinha o tamanho de um pau de giz
Naquele tempo tudo acontecia pela primeira vez
Ainda hoje trago os cheiros no nariz
Senhor que a minha vida seja permitir a infância
embora nunca mais eu saiba como ela se diz

Hino Ă  Alegria

Tenho-a visto passar, cantando, Ă  minha porta,
E Ă s vezes, bruscamente, invadir o meu lar,
Sentar-se Ă  minha mesa, e a sorrir, meia morta,
Deitar-se no meu leito e o meu sono embalar.

Tumultuosa, nos seus caprichos desenvoltos,
Quase meiga, apesar do seu riso constante,
De olhos a arder, lábios em flor, cabelos soltos,
A um tempo Ă© cortesĂŁ, deusa ingĂ©nua ou bacante…

Quando ela passa, a luz dos seus olhos deslumbra;
Tem como o Sol de Inverno um brilho encantador;
Mas o brilho é fugaz, — cintila na penumbra,
Sem que dele irradie um facho criador.

Quando menos se espera, irrompe de improviso;
Mas foge-nos também com uma presteza igual;
E dela apenas fica um pálido sorriso
Traduzindo o desdém duma ilusão banal.

Onda mansa que sĂł Ă  superfĂ­cie corre,
Toda a alegria Ă© vĂŁ; sĂł a Dor Ă© fecunda!
A Dor é a Inspiração, louro que nunca morre,
Se em nĂłs crava a raiz exaustiva e profunda!

No entanto, eu te saĂşdo e louvo, hora dourada,
Em que a Alegria vem extinguir,

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Cais

TĂ©nue Ă© o cais
no Inverno frio.
TĂ©nue Ă© o voo
do pássaro cinzento.
TĂ©nue Ă© o sono
que adormece o navio.
No vago cais
do balouço da bruma
ténue é a estrela
que um peixe morde.
TĂ©nue Ă© o porto
nos olhos do casario.
Mas o que em fora nos dilui
faz-nos exactos por dentro.

Fica Comigo

MĂŁe,
arqueia os joelhos
para que o crepĂşsculo do medo
possa ceder ao berço
onde repouse.
E nĂŁo me toques. NĂŁo me toques,
nĂŁo me beijes.
Deixa-me permanecer aninhado no vazio
qual bicho de
sono.
NĂŁo me despertes.
MĂŁe, sou um menino de leite.
Apaga o seio.
Fica comigo: a noite
começa.

O Amor, um Dever de Passagem

Fui envenenado pela dor obscura do Futuro.
Eu sabia já que algo se preparava contra o meu corpo.
Agora torço-me de agonia
nos versos deste poema.
Esta é a terra outrora fértil que os meus dedos dilaceram.
Os meus lábios são feitos desta terra,
sĂŁo lama quente.
Vou partir pelo teu rosto para mais longe.
A minha fome Ă© ter-te olhado
e estar cego. Agora eu sei que te abres para o fogo
do relâmpago.
Tenho a convicção dos temporais.
já não sei nem o que digo nem o que isso importa. Guia
dos meus cabelos rasos, da melancolia,
da vida efémera dos gestos.
Nesse dia fui melhor actor do que a minha sinceridade.

A cesura enerva-me no estĂ´mago
Cortei de manhã as pontas dos dedos mas sei já que
elas crescerĂŁo de novo a proteger as unhas.
Talvez a vida seja estranha,
talvez a vida seja simples,
talvez a vida seja outra vida.
A linha branca da Beleza Ă© a minha atitude que se transforma.

A violĂŞncia do sono sobe
sobre o meu conhecimento.

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O Único Mistério do Universo é o Mais e não o Menos

No dia brancamente nublado entristeço quase a medo
E ponho-me a meditar nos problemas que finjo…

Se o homem fosse, como deveria ser,
NĂŁo um animal doente, mas o mais perfeito dos animais,
Animal directo e nĂŁo indirecto,
Devia ser outra a sua forma de encontrar um sentido Ă s coisas,
Outra e verdadeira.
Devia haver adquirido um sentido do «conjunto»;
Um sentido, como ver e ouvir, do «total» das coisas
E não, como temos, um pensamento do «conjunto»;
E não, como temos, uma ideia do «total» das coisas.
E assim – verĂ­amos – nĂŁo terĂ­amos noção de conjunto ou de total,
Porque o sentido de «total» ou de «conjunto» não seria de um «total» ou de um «conjunto»
Mas da verdadeira Natureza talvez nem todo nem partes.

O único mistério do Universo é o mais e não o menos.
Percebemos demais as coisas – eis o erro e a dĂşvida.
O que existe transcende para baixo o que julgamos que existe.
A Realidade Ă© apenas real e nĂŁo pensada.
O Universo nĂŁo Ă© uma ideia minha.
A minha ideia do Universo Ă© que Ă© uma ideia minha.

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Exausto

Eu quero uma licença de dormir,
perdĂŁo pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o profundo sono das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raĂ­zes.

Inquérito

Pergunta às árvores da rua
que notĂ­cia tĂŞm desse dia
filtrado em betume da noite;
se por acaso pressentiram
nas aragens conversadeiras,
ágil correio do universo,
um calar mais informativo
que toda grave confissĂŁo.

Pergunta aos pássaros, cativos
do sol e do espaço, que viram
ou bicaram de mais estranho,
seja na pele das estradas
seja entre volumes suspensos
nas prateleiras do ar, ou mesmo
sobre a palma da mĂŁo de velhos
profissionais de solidĂŁo.

Pergunta Ă s coisas, impregnadas
de sono que precede a vida
e a consuma, sem que a vigĂ­lia
intermédia as liberte e faça
conhecedoras de si mesmas,
que prisma, que diamante fluido
concentra mil fogos humanos
onde era ruga e cinza e nĂŁo.

Pergunta aos hortos que segredo
de clepsidra, areia e carocha
se foi desenrolando, lento,
no calado rumo do infante
a divagar por entre sĂ­mbolos
de sĂ­mbolos outros, primeiros,
e tĂŁo acessĂ­veis aos pobres
como a breve casca do pĂŁo.

Pergunta ao que, nĂŁo sendo, resta
perfilado Ă  porta do tempo,

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Litania do Natal

A noite fora longa, escura, fria.
Ai noites de Natal que dáveis luz,
Que sombra dessa luz nos alumia?
Vim a mim dum mau sono, e disse: «Meu Jesus…»
Sem bem saber, sequer, porque o dizia.

E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»

Na cama em que jazia,
De joelhos me pus
E as mĂŁos erguia.
Comigo repetia: «Meu Jesus…»
Que entĂŁo me recordei do santo dia.

E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»

Ai dias de Natal a transbordar de luz,
Onde a vossa alegria?
Todo o dia eu gemia: «Meu Jesus…»
E a tarde descaiu, lenta e sombria.

E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»

De novo a noite, longa, escura, fria,
Sobre a terra caiu, como um capuz
Que a engolia.
Deitando-me de novo, eu disse: «Meu Jesus…»

E assim, mais uma vez, Jesus nascia.

Entre o Sono e Sonho

Entre o sono e sonho,
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.

Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.

Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.

E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre —
Esse rio sem fim.

Bom Ă© Sorrires

Bom Ă© sorrires, olhar
em mim: nĂŁo vĂŞs
o inimigo, o rival
jamais.
Na caça, não serás
a presa; não serás,
no jogo, a prenda.
Partilharemos, sem meias
medidas,
a espera, o arroubo, o gesto,
o salto, o pouso e o sono
e o gosto desse rir
dentro e fora do tempo
sempre que nova
mente
acordares

Ode aos Natais Esquecidos

Eu vinha, pé ante pé, em busca da pequena porta
que dava acesso aos mistérios da noite,
daquela noite em particular, por ser a mais terna
de todas as noites que a minha memĂłria
era capaz de guardar, com letras e sons,
no seu bojo de coisas imateriais e imperecĂ­veis.
Tinha comigo os cĂŁes e os retratos dos mortos,
a lembrança de outras noites e de outros dias,
os brinquedos cansados da solidĂŁo dos quartos,
os cadernos invadidos pĂŞlos saberes inĂşteis.
E todos me diziam que era ainda muito cedo,
porque a meia-noite morava já dentro do sono,
no territĂłrio dos anjos e dos outros seres alados,
hora inatingĂ­vel a clamar pela nossa paciĂŞncia,
meninos hirtos de olhos fixos na claridade
enganadora de uma árvore sem nome.

Depois, o meu pai morreu e as minhas ilusões também.
Tudo se tornou gélido, esquivo e distante
como a tristeza de um fantasma confrontado
com a beleza da vida para sempre perdida.
Deixaram de me dar presentes e de dizer
que era o Menino Jesus que os trazia
para premiar a minha grandeza de alma,

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Vi Jesus Cristo Descer Ă  Terra

Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer Ă  terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda Ă  roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mĂŁe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que nĂŁo era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estĂşpida,

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Agora me Sinto Alegre e Inspirado

Agora me sinto alegre e inspirado em chão clássico;
Mundo de outrora e de hoje mais alto e atraente me
fala.
Aqui sigo eu o conselho, folheio as obras dos velhos
Com mĂŁo diligente, cada dia com novo prazer.
Mas, noites fora, Amor me mantém noutra ocupação;
Se apenas meio me instruo, dobrada Ă© minha ventura.
E acaso nĂŁo Ă© instruir-me, quando as formas dos seios
Adoráveis espio e a mão pelas ancas passeio?
Compreendo então bem o mármore; penso e comparo,
Vejo com olhar tacteante, tacteio com mĂŁo que vĂŞ.
E se a Amada me rouba algumas horas do dia,
Em recompensa me dá as horas todas da noite.
Nem sempre beijos trocamos; falamos sensatos;
Se o sono a assalta, fico eu deitado a pensar muitas
coisas.
Vezes sem conto eu tenho também poetado em seus
braços
E baixo contado, com mĂŁo dedilhante, a medida
hexamétrica
No seu dorso. Em sono adorável respira,
E o seu hálito o peito me acende até à raiz.
O Amor atiça a candeia entretanto e pensa nos tempos
Em que aos Triúnviros seus o mesmo serviço prestava.

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A Vida Ă© Feno

Esse sono, em que cego vás passando,
Essa vida mortal, em que confias,
Já nas asas do tempo vai voando
Porque da vida instantes sĂŁo os dias:
Já que o tempo da vida vai correndo,
A flor da formosura descaindo,
Do sol o resplendor desfalecendo,
E a luz do desengano vem ferindo:
Quando tudo da vida vai morrendo,
E tudo enfim a morte desunindo;
Oh! Considera em tĂŁo penosa sorte,
Que a vida Ă© feno, sendo raio a morte!

MĂŁe, Eu Estou tĂŁo Cansado

MĂŁe, eu estou tĂŁo cansado e sinto nos ossos
o chamamento da água, o chamamento sibilino
que se confunde com o ranger das portas das casas
onde jamais voltarei: venha veloz o sono capaz
de me resgatar e que dentro dele se perfilem
as sombras e os gestos, exército dos meus medos
mais secretos, temores enrodilhados na roupa hĂşmida
das camas. MĂŁe, a luz nĂŁo se demora no meu quarto,
morre nas corolas das flores que trouxeste
para o riso nĂŁo murchar, e eu fico doente sĂł de olhar
os muros onde a hera Ă© espiral de espanto, raiz
de uma enfermidade latente. NĂŁo voltarei
Ă s actas do desespero, que sĂŁo sombrias e magras
como os corpos dos amantes que definham sobre a
[areia
na fúria da maré, com uma gramática de murmúrios
escondida na solidĂŁo branca das dunas, mĂŁe.