Mestre
Mestre, meu mestre querido,
Coração do meu corpo intelectual e inteiro!
Vida da origem da minha inspiração!
Mestre, que é feito de ti nesta forma de vida?Não cuidaste se morrerias, se viverias, nem de ti nem de nada,
Alma abstracta e visual até aos ossos.
Atenção maravilhosa ao mundo exterior sempre múltiplo,
Refúgio das saudades de todos os deuses antigos,
Espírito humano da terra materna,
Flor acima do dilúvio da inteligência subjectiva…Mestre, meu mestre!
Na angústia sensacionalista de todos os dias sentidos,
Na mágoa quotidiana das matemáticas de ser,
Eu, escrevo de tudo como um pó de todos os ventos,
Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de mim!Meu mestre e meu guia!
A quem nenhuma coisa feriu, nem doeu, nem perturbou,
Seguro como um sol fazendo o seu dia involuntariamente,
Natural como um dia mostrando tudo,
Meu mestre, meu coração não aprendeu a tua serenidade.
Meu coração não aprendeu nada.
Meu coração não é nada,
Meu coração está perdido.Mestre, só seria como tu se tivesse sido tu.
Poemas sobre Vales
80 resultadosQueria que os Portugueses
Queria que os portugueses
tivessem senso de humor
e não vissem como génio
todo aquele que é doutorsobretudo se é o próprio
que se afirma como tal
só porque sabendo ler
o que lê entende maltodos os que são formados
deviam ter que fazer
exame de analfabeto
para provar que sem lerteriam sido capazes
de constituir cultura
por tudo que a vida ensina
e mais do que livro durae tem certeza de sol
mesmo que a noite se instale
visto que ser-se o que se é
muito mais que saber valeaté para aproveitar-se
das dúvidas da razão
que a si própria se devia
olhar pura opiniãoque hoje é uma manhã outra
e talvez depois terceira
sendo que o mundo sucede
sempre de nova maneiraalfabetizar cuidado
não me ponham tudo em culto
dos que não citar francês
consideram puro insultose a nação analfabeta
derrubou filosofia
e no jeito aristotélico
o que certo pareciadeixem-na ser o que seja
em todo o tempo futuro
talvez encontre sozinha
o mais além que procuro.
No Corpo
De que vale tentar reconstruir com palavras
O que o verão levou
Entre nuvens e risos
Junto com o jornal velho pelos aresO sonho na boca, o incêndio na cama,
o apelo da noite
Agora são apenas esta
contração (este clarão)
do maxilar dentro do rosto.A poesia é o presente.
Manhã de Inverno
Coroada de névoas, surge a aurora
Por detrás das montanhas do oriente;
Vê-se um resto de sono e de preguiça,
Nos olhos da fantástica indolente.Névoas enchem de um lado e de outro os morros
Tristes como sinceras sepulturas,
Essas que têm por simples ornamento
Puras capelas, lágrimas mais puras.A custo rompe o sol; a custo invade
O espaço todo branco; e a luz brilhante
Fulge através do espesso nevoeiro,
Como através de um véu fulge o diamante.Vento frio, mas brando, agita as folhas
Das laranjeiras úmidas da chuva;
Erma de flores, curva a planta o colo,
E o chão recebe o pranto da viúva.Gelo não cobre o dorso das montanhas,
Nem enche as folhas trêmulas a neve;
Galhardo moço, o inverno deste clima
Na verde palma a sua história escreve.Pouco a pouco, dissipam-se no espaço
As névoas da manhã; já pelos montes
Vão subindo as que encheram todo o vale;
Já se vão descobrindo os horizontes.Sobe de todo o pano; eis aparece
Da natureza o esplêndido cenário;
Fé
As orações dos homens
Subam eternamente aos teus ouvidos;
Eternamente aos teus ouvidos soem
Os cânticos da terra.No turvo mar da vida,
Onde aos parcéis do crime a alma naufraga,
A derradeira bússola nos seja,
Senhor, tua palavra.A melhor segurança
Da nossa íntima paz, Senhor, é esta;
Esta a luz que há de abrir à estância eterna
O fulgido caminho.Ah ! feliz o que pode,
No extremo adeus às cousas deste mundo,
Quando a alma, despida de vaidade,
Vê quanto vale a terra;Quando das glórias frias
Que o tempo dá e o mesmo tempo some,
Despida já, — os olhos moribundos
Volta às eternas glórias;Feliz o que nos lábios,
No coração, na mente põe teu nome,
E só por ele cuida entrar cantando
No seio do infinito.
Canto dos Espíritos sobre as Águas
A alma do homem
É como a água:
Do céu vem,
Ao céu sobe,
E de novo tem
Que descer à terra,
Em mudança eterna.Corre do alto
Rochedo a pino
O veio puro,
Então em belo
Pó de ondas de névoa
Desce à rocha liza,
E acolhido de manso
Vai, tudo velando,
Em baixo murmúrio,
Lá para as profundas.Erguem-se penhascos
De encontro à queda,
— Vai, ‘spúmando em raiva,
Degrau em degrau
Para o abismo.No leito baixo
Desliza ao longo do vale relvado,
E no lago manso
Pascem seu rosto
Os astros todos.Vento é da vaga
O belo amante;
Vento mistura do fundo ao cimo
Ondas ‘spumantes.Alma do Homem,
És bem como a água!
Destino do homem,
És bem como o vento!Tradução de Paulo Quintela
Retrato de D. Leonor de Sá
Criava-se Leonor, crescendo sempre
Em suma perfeição, suma beleza,
E crescendo só nela as outras graças
Por grandes fermosuras repartidas,
Produziam-se dos seus fermosos olhos
Efeitos mil, e extremos diferentes,
Que olhando davam vida, e outras vezes
Olhando cem mil vidas destruíam.
A branca cor do rosto acompanhada
De uma cor natural honesta e pura,
E a cabeça de crespo ouro coberta,
Lembrança do mais alto céu faziam.
Praxíteles nem Fídias não lavraram
De branquíssimo mármore igual corpo;
Nem aquele, que Zuxis entre tantas
Fermosuras deixou por mais perfeito,
Não se igualava a este, antes ficava
Abatido, e julgado em pouco preço;
Que mal pode igualar-se humano engenho
Co’aquilo, em que Deus tal saber nos mostra.
Da boca o suave riso alegra os ares,
Mostrando entre rubis orientais perlas
E sobre tudo, quanto a natureza
Lhe deu perfeito, a graça se avantaja.
No peito ebúrneo as pomas, que em brancura
Levam da neve o justo preço e a palma,
Apartando-se, deixam de açucena
Alvíssima um florido e fresco vale.
Quem pode (sem perder-se) louvar cousa
Onde não chega humano entendimento?
Alma que Foste Minha
Alma que foste minha,
desprendida de meu corpo e de meu espírito,
leque de palma sem raízes, sem tormentas,
que género esta noite te distingue,
que metro te organiza, por que dogmas,
que signos te orientam — rumo a quê?— Mestre, qual é o sexo das almas?
Desmarcada e sem cordas
alma que foste minha
sem cravos e sem espinhos
que trigo milenar te mata a fome
divina
que pirâmide encerra tua essência
nudíssima
que corpo te defende de ti mesma
do espaço
que idade, quantas eras, contra o tempo
alma anárquica
desmarcada e sem cravos
sem precisão de estar
ou de ficar
— Que te vale Bizâncio?
ou de mudar
ou de fazer, ou de ostentar
— Que te vale este verso?
apoética, absurda
como chamar-te alma, de quê, quando,
para quê, alma de morto, para onde?
Musa Consolatrix
Que a mão do tempo e o hálito dos homens
Murchem a flor das ilusões da vida,
Musa consoladora,
É no teu seio amigo e sossegado
Que o poeta respira o suave sono.Não há, não há contigo,
Nem dor aguda, nem sombrios ermos;
Da tua voz os namorados cantos
Enchem, povoam tudo
De íntima paz, de vida e de conforto.Ante esta voz que as dores adormece,
E muda o agudo espinho em flor cheirosa,
Que vales tu, desilusão dos homens?
Tu que podes, ó tempo?
A alma triste do poeta sobrenada
À enchente das angústias;
E, afrontando o rugido da tormenta,
Passa cantando, alcíone divina.Musa consoladora,
Quando da minha fronte de mancebo
A última ilusão cair, bem como
Folha amarela e seca
Que ao chão atira a viração do outono,
Ah! no teu seio amigo
Acolhe-me, — e terá minha alma aflita,
Em vez de algumas ilusões que teve,
A paz, o último bem, último e puro!
Última Folha
Musa, desce do alto da montanha
Onde aspiraste o aroma da poesia,
E deixa ao eco dos sagrados ermos
A última harmonia.Dos teus cabelos de ouro, que beijavam
Na amena tarde as virações perdidas,
Deixa cair ao chão as alvas rosas
E as alvas margaridas.Vês? Não é noite, não, este ar sombrio
Que nos esconde o céu. Inda no poente
Não quebra os raios pálidos e frios
O sol resplandecente.Vês? Lá ao fundo o vale árido e seco
Abre-se, como um leito mortuário;
Espera-te o silêncio da planície,
Como um frio sudário.Desce. Virá um dia em que mais bela,
Mais alegre, mais cheia de harmonias,
Voltes a procurar a voz cadente
Dos teus primeiros dias.Então coroarás a ingênua fronte
Das flores da manhã, — e ao monte agreste,
Como a noiva fantástica dos ermos,
Irás, musa celeste!Então, nas horas solenes
Em que o místico himeneu
Une em abraço divino
Verde a terra, azul o céu;Quando, já finda a tormenta
Que a natureza enlutou,
Poema do Silêncio
Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
– Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo…O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.
Há Metafísica Bastante em não Pensar em Nada
Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.Que idéia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
Vem Sentar-te Comigo, Lídia, à Beira do Rio
Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Contra a Sedução
1
Não vos deixeis seduzir!
Regresso não pode haver.
O dia já fecha as portas,
Já sentis o frio da noite:
Não haverá amanhã.2
Não vos deixeis enganar,
E que a vida pouco vale!
Sorvei-a a goles profundos!
Pois não vos pode bastar
Que tenhais de a abandonar!3
Não vos contenteis de esp’ranças,
Que o tempo não é demais!
Aos mortos a podridão!
O maior que há é a vida:
E ela já não está pronta.4
Não vos deixeis seduzir
Ao moirejo e à miséria!
Que pode fazer-vos o medo?
Morreis como os bichos todos,
E depois não há mais nada.
Não Quero Mais que o Dado
Do que quero renego, se o querê-lo
Me pesa na vontade. Nada que haja
Vale que lhe concedamos
Uma atenção que doa.
Meu balde exponho à chuva, por ter água.
Minha vontade, assim, ao mundo exponho,
Recebo o que me é dado,
E o que falta não quero.O que me é dado quero
Depois de dado, grato.Nem quero mais que o dado
Ou que o tido desejo.
Ninguém o Tinha Amado, Afinal
O pastor amoroso perdeu o cajado,
E as ovelhas tresmalharam-se pela encosta,
E de tanto pensar, nem tocou a flauta que trouxe pira tocar.
Ninguém lhe apareceu ou desapareceu.
Nunca mais encontrou o cajado.
Outros, praguejando contra ele, recolheram-lhe as ovelhas.
Ninguém o tinha amado, afinal.
Quando se ergueu da encosta e da verdade falsa, viu tudo:
Os grandes vales cheios dos mesmos verdes de sempre,
As grandes montanhas longe, mais reais que qualquer sentimento,
A realidade toda, com o céu e o ar e os campos que existem,
estão presentes.
(E de novo o ar, que lhe faltara tanto tempo, lhe entrou fresco
nos pulmões)
E sentiu que de novo o ar lhe abria, mas com dor,
uma liberdade
no peito.
Num Dia Excessivamente Nítido
Num dia excessivamente nítido,
Dia em que dava a vontade de ter trabalhado muito
Para nele não trabalhar nada,
Entrevi, como uma estrada por entre as árvores,
O que talvez seja o Grande Segredo,
Aquele Grande Mistério de que os poetas falsos falam.
Vi que não há Natureza,
Que Natureza não existe,
Que há montes, vales, planícies,
Que há árvores, flores, ervas,
Que há rios e pedras,
Mas que não há um todo a que isso pertença,
Que um conjunto real e verdadeiro
É uma doença das nossas idéias.
A Natureza é partes sem um todo.
Isto é talvez o tal mistério de que falam.
Foi isto o que sem pensar nem parar,
Acertei que devia ser a verdade
Que todos andam a achar e que não acham,
E que só eu, porque a não fui achar, achei.
O Sucesso Feliz
o sucesso é ter quem fique feliz com o meu sucesso,
tão simples assim, e é mesmo assim,
vale-me quem me abrace quando estou feliz, e no final das contas é mais por isso que estou feliz,
de que vale ao campeão do mundo ser campeão do mundo se não tiver quem o ame para ser campeão do mundo consigo?,
todas as vitórias são colectivas,
sobretudo as individuais.
Contrariedades
Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.Sentei-me à secretária. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando sempre! E deve a conta na botica!
Mal ganha para sopas…O obstáculo estimula, torna-nos perversos;
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.Que mau humor! Rasguei uma epopéia morta
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais duma redação, das que elogiam tudo,
Me tem fechado a porta.A crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papéis inéditos. A imprensa
Vale um desdém solene.
Preito
É lei do tempo, Senhora,
Que ninguém domine agora
E todos queiram reinar.
Quanto vale nesta hora
Um vassalo bem sujeito,
Leal de homenage e preito
E fácil de governar?Pois o tal sou eu, Senhora:
E aqui juro e firmo agora
Que a um despótico reinar
Me rendo todo nesta hora,
Que a liberdade sujeito…
Não a reis! – outro é meu preito:
Anjos me hão-de governar.