Claro E Escuro
Dentro — os cristais dos tempos fulgurantes,
Músicas, pompas, fartos esplendores,
Luzes, radiando em prismas multicores,
Jarras formosas, lustres coruscantes,Púrpuras ricas, galas flamejantes,
Cintilações e cânticos e flores;
Promiscuamente férvidos odores,
Mórbidos, quentes, finos, penetrantes.Por entre o incenso, em límpida cascata,
Dos siderais turíbulos de prata,
Das sedas raras das mulheres nobres;Clara explosão fantástica de aurora,
Deslumbramentos, nos altares! — Fora,
Uma falange intérmina de pobres.
Passagens sobre Prata
104 resultadosDescalça vai para a fonte
Descalça vai para a fonte
Lianor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.Leva na cabeça o pote,
O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamelote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa e não segura.Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entrançado
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura.
Vai fermosa e não segura.
As Verdadeiras Necessidades não Têm Gostos
Nenhum conselho me parece mais útil para te dar do que este (e que nunca é demais repetir!): limita sempre tudo aos desejos naturais que tu podes satisfazer com pouca ou nenhuma despesa, evitando, contudo, confundir vícios com desejos. Porventura te interessa saber em que tipo de mesa, em que baixela de prata te é servida a refeição, ou se os escravos te servem com bom ritmo e solicitude? A natureza só necessita de uma coisa: a comida. (…) A fome dispensa pretensões, apenas reclama ser saciada, sem cuidar grandemente com quê. O triste prazer da gula vive atormentado na ânsia de continuar com vontade de comer mesmo quando saciado, de buscar o modo como atulhar, e não apenas encher o estômago, de achar maneira de excitar a sede extinta logo à primeira golada! Tem, por isso toda a razão Horácio quando diz que a sede não se interessa pela espécie de copo ou pela elegância da mão que o serve.
Se achas que têm para ti muita importância os cabelos encaracolados do escravo, ou a transparência do copo que te põe à frente, é porque não estás com sede. Entre outros benefícios que devemos à natureza conta-se este,
Os Treze Anos
(Cantilena)
Já tenho treze anos,
que os fiz por Janeiro:
Madrinha, casai-me
com Pedro Gaiteiro.Já sou mulherzinha,
já trago sombreiro,
já bailo ao domingo
com as mais no terreiro.Já não sou Anita,
como era primeiro;
sou a Senhora Ana,
que mora no outeiro.Nos serões já canto,
nas feiras já feiro,
já não me dá beijos
qualquer passageiro.Quando levo as patas,
e as deito ao ribeiro,
olho tudo à roda,
de cima do outeiro.E só se não vejo
ninguém pelo arneiro,
me banho co’as patas
Ao pé do salgueiro.Miro-me nas águas,
rostinho trigueiro,
que mata de amores
a muito vaqueiro.Miro-me, olhos pretos
e um riso fagueiro,
que diz a cantiga
que são cativeiro.Em tudo, madrinha,
já por derradeiro
me vejo mui outra
da que era primeiro.O meu gibão largo,
de arminho e cordeiro,
já o dei à neta
do Brás cabaneiro,dizendo-lhe: «Toma
gibão,
Último Porto
Este o país ideal que em sonhos douro;
Aqui o estro das aves me arrebata,
E em flores, cachos e festões, desata
A Natureza o virginal tesouro;Aqui, perpétuo dia ardente e louro
Fulgura; e, na torrente e na cascata,
A água alardeia toda a sua prata,
E os laranjais e o sol todo o seu ouro…Aqui, de rosas e de luz tecida,
Leve mortalha envolva estes destroços
Do extinto amor, que inda me pesam tanto;E a terra, a mãe comum, no fim da vida,
Para a nudeza me cobrir dos ossos,
Rasgue alguns palmos do seu verde manto.
O Teu Riso
Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas
não me tires o teu riso.Não me tires a rosa,
a flor de espiga que desfias,
a água que de súbito
jorra na tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.A minha luta é dura e regresso
por vezes com os olhos
cansados de terem visto
a terra que não muda,
mas quando o teu riso entra
sobe ao céu à minha procura
e abre-me todas
as portas da vida.Meu amor, na hora
mais obscura desfia
o teu riso, e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso será para as minhas mãos
como uma espada fresca.Perto do mar no outono,
o teu riso deve erguer
a sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero o teu riso como
a flor que eu esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.Ri-te da noite,
A Asfixia do Artista pela Sociedade
Eu tenho medo das «teses» quando se apoderam de um artista jovem, sobretudo nos começos da sua carreira. E sabem o que eu temo? Muito simplesmente que não consiga os objectos da tese. Pensará um simpático crítico, a quem li há pouco e cujo nome agora não vou citar, que toda a obra artística isenta de tese prévia, realizada exclusivamente com um objectivo artístico, e até de assunto inteiramente secundário e não correspondendo a nada de «tendencioso» possa resultar nuns proveitos para o seu objectivo ainda que à primeira vista dê a impressão de satisfazer apenas «uma ociosa curiosidade»? Porventura as nossas pessoas cultas ainda não se deram conta do que pode passar-se no coração e na inteligência dos nossos escritores e artistas jovens? Que confusão de ideias e de sentimentos preconcebidos!
Sob a pressão da sociedade, o jovem poeta sufoca na alma o seu natural anelo de espraiar-se em formas singulares; receia que condenem a sua «ociosa curiosidade»; reprime essas formas que lhe brotam do fundo da alma; nega-lhes vida e atenção e arranca de dentro, entre espamos, o tema que à sociedade agrada, que é grato à opinião liberal e social. Mas que erro tão horrivelmente cândido e ingénuo,
Contra a Morte e o Amor não Há Quem Tenha Valia
Era ainda o mês de abril,
de maio antes um dia,
quando lírios e rosas
mostram mais sua alegria;
pela noite mais serena
que fazer o céu podia,
quando Flérida, a formosa
infanta, já se partia,
ela na horta do pai
para as árvores dizia:
“Ficai, adeus, minhas flores,
em que glória ver soía.
Vou-me a terras estrangeiras,
a que ventura me guia.
Se meu pai me for buscar,
que grande bem me queria,
digam-lhe que amor me leva,
e que eu sem culpa o seguia;
que tanto por mim porfiava
que venceu sua porfia.
Triste, não sei aonde vou,
e a mim ninguém o dizia!”
Eis que fala Dom Duardos:
“Não choreis, minha alegria,
que nos reinos de Inglaterra
mais claras águas havia,
e mais formosos jardins,
e vossos, senhora, um dia:
tereis trezentas donzelas
de alta genealogia,
de prata são os palácios
para vossa senhoria;
de esmeraldas e jacintos,
de ouro fino da Turquia,
com letreiros esmaltados
que minha vida à porfia
vão contando,
Caminho da Manhã
Vais pela estrada que é de terra amarela e quase sem nenhuma sombra. As cigarras cantarão o silêncio de bronze. À tua direita irá primeiro um muro caiado que desenha a curva da estrada. Depois encontrarás as figueiras transparentes e enroladas; mas os seus ramos não dão nenhuma sombra. E assim irás sempre em frente com a pesada mão do Sol pousada nos teus ombros, mas conduzida por uma luz levíssima e fresca. Até chegares às muralhas antigas da cidade que estão em ruínas. Passa debaixo da porta e vai pelas pequenas ruas estreitas, direitas e brancas, até encontrares em frente do mar uma grande praça quadrada e clara que tem no centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar até ao mercado que fica depois de uma alta parede amarela. Aí deves parar e olhar um instante para o largo pois ali o visível se vê até ao fim. E olha bem o branco, o puro branco, o branco da cal onde a luz cai a direito. Também ali entre a cidade e a água não encontrarás nenhuma sombra; abriga-te por isso no sopro corrido e fresco do mar. Entra no mercado e vira à tua direita e ao terceiro homem que encontrares em frente da terceira banca de pedra compra peixes.
A felicidade, à custa de lágrimas alheias, é uma traição aos nossos gozos: é um licor saboroso em taça de prata, com fezes no fundo, fezes que afinal somos obrigados a tragar.
Esplêndida
Ei-la! Como vai bela! Os esplendores
Do lúbrico Versailles do Rei-Sol!
Aumenta-os com retoques sedutores.
É como o refulgir dum arrebol
Em sedas multicores.Deita-se com langor no azul celeste
Do seu landau forrado de cetim;
E os seus negros corcéis que a espuma veste,
Sobem a trote a rua do Alecrim,
Velozes como a peste.É fidalga e soberba. As incensadas
Dubarry, Montespan e Maintenon
Se a vissem ficariam ofuscadas
Tem a altivez magnética e o bem-tom
Das cortes depravadas.É clara como os pós à marechala,
E as mãos, que o Jock Club embalsamou,
Entre peles de tigres as regala;
De tigres que por ela apunhalou,
Um amante, em Bengala.É ducalmente esplêndida! A carruagem
Vai agora subindo devagar;
Ela, no brilhantismo da equipagem,
Ela, de olhos cerrados, a cismar
Atrai como a voragem!Os lacaios vão firmes na almofada;
E a doce brisa dá-lhes de través
Nas capas de borracha esbranquiçada,
Nos chapéus com reseta, e nas librés
De forma aprimorada.E eu vou acompanhando-a,
Prova Documental
Já assumi a solidão dos outros
já provei do enigma insolúvel
já calcei as botas do morto
já tive segredo e foi de água abaixo.Já fugi ao encontro marcado
já fui banido, já disse adeus
já fui soldado, já fui rapsodo
já tive inocência e foi de água abaixo.Já fui esperto, já fui afoito
já puxei faca, já toquei pífaro
já fui vaiado depois da briga
já tive saudade e foi de água abaixo.Já fui árcade, já fui arcaico
já fui pateta, já fui patético
já perdi no jogo e na vida
já tive amor e foi de água abaixo.Já tive pressa, já sentei praça
já tive ouro, já tive prata
já tive lenda, já tive fazenda
já tive paz e foi de água abaixo.Já tive herdade, já fui deserdado
já tive episódio, já tive epitáfio
já levei o andor de Nosso Senhor
já tive esperança e foi de água abaixo.Já tive mando, já corri mundo
já fui a Roma e não quis ver o Papa
já fui pra cama com Ana Bolena
já tive infância e foi de água abaixo.
A inimigo que foge, ponte de prata.
Preso Político
1
Quiseram pôr-me inteiro numa ficha.
O dia e a noite são iguais por dentro.
Não há papel que conte a minha vida
mais que estes versos de punhal à cinta.
A barba cresce, e cresce a voz armada
descendo pelos muros tão tranquila;
tão tranquila que já nem desespera
de ser apenas voz, não uma guerra.Quiseram pôr-me inteiro numa ficha.
Não há papel que conte a minha vida.
Mais que estes versos, esta mão estendida
por sobre os muros só de medo e pedra.2
Quando saíres, amigo, não me esqueças.
Fico à espera da tua novidade.
Olha bem que farás da liberdade:
quando saíres, amigo, não me esqueças.Quero mais fazimento que promessas.
São de prata os enganos da cidade
com que outros sujeitam a vontade.
Não me esqueças, amigo, não me esqueças.1966
Bela
Bela,
como na pedra fresca
da fonte, a água
abre um vasto relâmpago de espuma,
assim é o sorriso do teu rosto,
bela.Bela,
de finas mãos e delicados pés
como um cavalinho de prata,
caminhando, flor do mundo,
assim te vejo,
bela.Bela,
com um ninho de cobre enrolado
na cabeça, um ninho
da cor do mel sombrio
onde o meu coração arde e repousa,
bela.Bela,
não te cabem os olhos na cara,
não te cabem os olhos na terra.
Há países, há rios
nos teus olhos,
a minha pátria está nos teus olhos,
eu caminho por eles,
eles dão luz ao mundo
por onde quer que eu vá,
bela.Bela,
os teus seios são como dois pães feitos
de terra cereal e lua de ouro,
bela.Bela,
a tua cintura
moldou-a o meu braço como um rio quando
passou mil anos por teu doce corpo,
bela.Bela,
não há nada como as tuas coxas,
Marília De Dirceu
Soneto 2
Num fértil campo de soberbo Douro,
Dormindo sobre a relva, descansava,
Quando vi que a Fortuna me mostrava
Com alegre semblante o seu tesouro.De uma parte, um montão de prata e ouro
Com pedras de valor o chão curvava;
Aqui um cetro, ali um trono estava,
Pendiam coroas mil de grama e louro.– Acabou – diz-me então – a desventura:
De quantos bens te exponho qual te agrada,
Pois benigna os concedo, vai, procura.Escolhi, acordei, e não vi nada:
Comigo assentei logo que a ventura
Nunca chega a passar de ser sonhada.
A laranja de manhã é ouro, à tarde é prata e à noite mata.
Menino e Moço
Tombou da haste a flor da minha infancia alada,
Murchou na jarra de oiro o pudico jasmim:
Voou aos altos céus Sta Aguia, linda fada,
Que d’antes estendia as azas sobre mim.Julguei que fosse eterna a luz d’essa alvorada,
E que era sempre dia, e nunca tinha fim
Essa vizão de luar que vivia encantada,
N’um castello de prata embutido a marfim!Mas, hoje, as aguias de oiro, aguias da minha infancia,
Que me enchiam de lua o coração, outrora,
Partiram e no céu evolam-se, a distancia!Debalde clamo e choro, erguendo aos céus meus ais:
Voltam na aza do vento os ais que a alma chora;
Ellas, porém, Senhor! ellas não voltam mais…
A mulher boa é prata que soa.
A Uma Dama.
Vês esse Sol de luzes coroado,
Em pérolas a Aurora convertida;
Vês a Lua, de estrelas guarnecida;
Vês o Céu, de planetas adornado?O céu deixemos: vês, naquele prado,
A rosa com razão desvanecida,
A açucena por alva presumida,
O cravo por galã lisonjeado?Deixa o prado: vem cá, minha adorada:
Vês desse mar a esfera cristalina
Em sucessivo aljôfar desatada?Parece aos olhos ser de prata fina…
Vês tudo isto bem? Pois tudo é nada
À vista do teu rosto, Catarina.