Renascimento
A Alma nĂŁo fica inteiramente morta!
Vagas Ressurreições do Sentimento
Abrem já, devagar, porta por porta,
Os palácios reais do Encantamento!Morrer! Findar! Desfalecer! que importa
Para o secreto e fundo movimento
Que a alma transporta, sublimiza e exorta,
Ao grande Bem do grande Pensamento!Chamas novas e belas vĂŁo raiando,
VĂŁo se acendendo os lĂmpidos altares
E as almas vĂŁo sorrindo e vĂŁo orando…E pela curva dos longĂnquos ares
Ei-las que vĂŞm, como o imprevisto bando
Dos albatrozes dos estranhos mares…
Sonetos sobre Ar
156 resultadosAmor Vivo
Amar! mas d’um amor que tenha vida…
NĂŁo sejam sempre tĂmidos harpejos,
NĂŁo sejam sĂł delirios e desejos
D’uma douda cabeça escandecida…Amor que vive e brilhe! luz fundida
Que penetre o meu ser — e não só beijos
Dados no ar — delĂrios e desejos —
Mas amor… dos amores que tĂŞm vida…Sim, vivo e quente! e já a luz do dia
Não virá dissipa-lo nos meus braços
Como nĂ©voa da vaga fantasia…Nem murchará do sol á chama erguida…
Pois que podem os astros dos espaços
Contra dĂ©beis amores… se tĂŞm vida?
Abnegação
Chovam lĂrios e rosas no teu colo!
Chovam hinos de glĂłria na tua alma!
Hinos de glória e adoração e calma,
Meu amor, minha pomba e meu consolo!Dê-te estrelas o céu, flores o solo,
Cantos e aroma o ar e sombra a palmar.
E quando surge a lua e o mar se acalma,
Sonhos sem fim seu preguiçoso rolo!E nem sequer te lembres de que eu choro…
Esquece atĂ©, esquece, que te adoro…
E ao passares por mim, sem que me olhes,Possam das minhas lágrimas cruéis
Nascer sob os teus pés flores fiéis,
Que pises distraĂda ou rindo esfolhes!
Estar Assim, Assente na Saudade
Estar assim, assente na saudade,
com todo o peso repousando em si,
a prende Ă luz da sua antiguidade
parando na de aqui.Concentra-se na sua densidade.
A tarde, Ă volta, ilustra no perfil
uma penumbra de profundidade
de onde o azul aviva a luz de Abril.E a juventude adensa-se na tarde.
Agrava, ao lume duma paz antiga,
o modelado meditar. O ar deestar ao centro de um amor que diga
quanto está perto da sua eternidade
este toque de luz na rapariga.
Sonho Branco
De linho e rosas brancas vais vestido,
Sonho virgem que cantas no meu peito!…
És do Luar o claro deus eleito,
Das estrelas purĂssimas nascido.Por caminho aromal, enflorescido,
Alvo, sereno, lĂmpido, direito,
Segues radiante, no esplendor perfeito,
No perfeito esplendor indefinido…As aves sonorizam-te o caminho…
E as vestes frescas, do mais puro linho
E as rosas brancas dĂŁo-te um ar nevado…No entanto, Ă“ Sonho branco de quermesse!
Nessa alegria em que tu vais, parece
Que vais infantilmente amortalhado!
Fraqueza
Espero-te… E sei bem que eu sĂł que te espero…
Aqui me tens… Constante e eterna Ă© a expectativa!
Por que hei de ser assim sempre ingĂŞnuo e sincero
por mais que experiĂŞncia eu tenha, e a vida eu viva?Chegarás… e terás uma resposta esquiva
ao que te perguntar… E eu que tanto te quero
renderei novamente a minha alma cativa,
enquanto sorrirás feliz… e eu desespero…Há um imenso poder nessa tua humildade,
e esse teu ar de mansa ternura e meiguice
estraçalha aos teus pĂ©s toda a minha vontade…Que fazer? Hei de sempre perdoar o que fazes…
E se choras, nem sei… Esquecendo o que disse
sou eu que enxugo o pranto e ainda proponho as pazes!
RemissĂŁo
Tua memĂłria, pasto de poesia,
tua poesia, pasto dos vulgares,
vĂŁo se engastando numa coisa fria
a que tu chamas: vida, e seus pesares.Mas, pesares de quĂŞ? perguntaria,
se esse travo de angĂşstia nos cantares,
se o que dorme na base da elegia
vai correndo e secando pelos ares,e nada resta, mesmo, do que escreves
e te forçou ao exĂlio das palavras,
senĂŁo contentamento de escrever,enquanto o tempo, em suas formas breves
ou longas, que sutil interpretavas,
se evapora no fundo do teu ser?
New York
Resplandeces e ris, ardes e tumultuas;
Na escalada do céu, galgando em fúria o espaço,
Sobem do teu tear de praças e de ruas
Atlas de ferro, Anteus de pedra e Brontes de aço.Gloriosa! Prometeu revive em teu regaço,
Delira no teu gênio, enche as artérias tuas,
E combure-te a entranha arfante de cansaço,
Na incessante criação de assombros em que estuas.Mas, como as tuas Babéis, debalde o céu recortas,
E pesas sobre o mar, quando o teu vulto assoma,
Como a recordação da Tebas de cem portas:Falta-te o Tempo, – o vago, o religioso aroma
Que se respira no ar de Lutécia e de Roma,
Sempre moço perfume anciĂŁo de idades mortas…
NĂŁo Sei quem em VĂłs Mais Vejo
NĂŁo sei qu’em vĂłs mais vejo; nĂŁo sei que
mais ouço e sinto ao rir vosso e falar;
nĂŁo sei qu’entendo mais, tĂ© no calar,
nem quando vos nĂŁo vejo a alma que vĂŞ;Que lhe aparece em qual parte qu’estĂ©,
olhe o céu, olhe a terra, ou olhe o mar;
e, triste aquele vosso suspirar,
em que tanto mais vai, que direi qu’Ă©?Em verdade nĂŁo sei; nem isto qu’anda
antre nĂłs: ou se Ă© ar, como parece,
se fogo doutra sorte e doutra lei,Em que ando, e de que vivo; nunca abranda;
por ventura que Ă vista resplandece.
Ora o que eu sei tĂŁo mal, como o direi?
Quando Me Ergui Ela Dormia, Nua
Quando me ergui ela dormia, nua
E sorria, em seu sono desmaiada
Tinha a face longĂnqua e iluminada
E alto, sseu sexo sugava a Lua.Toquei-a, ela fremiu, gemeu, na sua
Doce fala, e bateu a mão alçada
No ar, e foi deixá-la de guardada
Sob a nádega fria, forte e cruaTão louca a minha amiga, linda e louca
Minha amiga, em seu branco devaneio
De mim, eu de amor pouco e vida poucaMas que tinha deixado sem receio
Um segredo de carne em sua boca
E uma gota de leite no seu seio
Soneto II
A D. Manuel de Lencastre.
Na tenebrosa noite o caminhante,
Quando o ar se engrossa e o mundo todo atroa,
O tronco busca donde se coroa
Da fugitiva Dafne o brando amante.Ali nĂŁo teme o raio fulminante,
Por mais que na vizinha árvore soa,
E seu louvor por onde vai pregoa
Tanto que a cerração c’o sol levante.Trabalha o CĂ©u em minha fim, trabalha
A terra em minha fim, com fĂşria imensa
Cada hora espero pela derradeira.Onde me acolherei que alguém me valha?
A vĂłs, a quem nĂŁo quer fazer ofensa
O Céu, nem pode a terra, inda que queira.
Antes de Amar-te Eu nada Tinha
Antes de amar-te, amor, eu nada tinha:
vacilei pelas ruas e pelas coisas:
nada contava nem tinha nome:
o mundo era do ar que aguardava.Conheci salões cinzentos,
tĂşneis habitados pela lua,
hangares cruéis que se despediam,
perguntas que teimavam sobre a areia.Tudo estava vazio, morto e mudo,
caĂdo, abandonado e abatido,
tudo era inalienavelmente alheio,tudo era dos outros e de ninguém,
até que a tua beleza e a tua pobreza
encheram o outono de presentes.
Vou de Suspiros Todo este Ar Enchendo
Vou de suspiros todo est’ ar enchendo,
vou a terra de lágrimas regando,
mais água aos rios, mais às fontes dando,
e com meu fogo em tudo fogo acendo.E quando os olhos meus, senhora, estendo
para onde o Amor e vĂłs m’estais chamando,
as altas serras em qu’ os vou quebrando
da vista me tolher s’ estĂŁo doendo.Mas nisto acode Amor, que sempre voa;
eu pelas asas, eu pelo arco o tenho,
té me levar consigo onde desejo.E jurarei, senhora, que vos vejo,
jurarei qu’ essa doce voz me soa.
Nesta imaginação só me sostenho.
Discreta E FormosĂssima Maria
Discreta e formosĂssima Maria,
Enquanto estamos vendo a qualquer hora,
Em tuas faces a rosada Aurora,
Em teus olhos e boca, o Sol e o dia:Enquanto com gentil descortesia,
O Ar, que fresco AdĂ´nis te namora,
Te espalha a rica trança brilhadora
Quando vem passear-te pela fria.Goza, goza da flor da mocidade,
Que o tempo trata, a toda a ligeireza
E imprime em toda flor sua pisada.Oh nĂŁo aguardes que a madura idade
te converta essa flor, essa beleza,
em terra, em cinza, em pĂł, em sombra, em nada.
As Lágrimas
Exaltemos as lágrimas. Na pele das veias,
bom dia, águas. Gratidão ao rosto, às cores,
ao sulco nos olhos. PorquĂŞ este ardor, este
temor da erva pisada? Adormecem comigo,meigas fábricas de quietude e solidão
no calmo azul branco da sua breve cor.
Que longe se vĂŁo no ar amargo, sob o Ămpeto
delirante de as transformar em leis extintas,ironias ou jĂşbilos. Rolem ou finjam
incansáveis trabalhos ou dores, assim
conspiram em outras portas, outros mistérios.Perco-as entre conversas, o sono, o amor.
Aos olhos desertos sua ausĂŞncia os desgasta.
Louvemos nas lágrimas o seu fulgor vão.
Na ConfusĂŁo Do Mais Horrendo Dia
Na confusĂŁo do mais horrendo dia,
Painel da noite em tempestade brava,
O fogo com o ar se embaraçava
Da terra e água o ser se confundia.Bramava o mar, o vento embravecia
Em noite o dia enfim se equivocava,
E com estrondo horrĂvel, que assombrava,
A terra se abalava e estremecia.Lá desde o alto aos côncavos rochedos,
Cá desde o centro aos altos obeliscos
Houve temor nas nuvens, e penedos.Pois dava o Céu ameaçando riscos
Com assombros, com pasmos, e com medos
Relâmpagos, trovões, raios, coriscos
O Céu, de Opacas Sombras Abafado
O céu, de opacas sombras abafado,
Tornando mais medonha a noite fea,
Mugindo sobre as rochas, que saltea,
O mar, em crespos montes levantado;Desfeito em furacões o vento irado;
Pelos ares zunindo a solta area;
O pássaro nocturno, que vozea
No agoireiro cipreste alĂ©m pousado;Formam quadro terrĂvel, mas aceito,
Mas grato aos olhos meus, grato Ă fereza
Do ciĂşme e saudade, a que ando afeito.Quer no horror igualar-me a Natureza;
Porém cansa-se em vão, que no meu peito
Há mais escuridade, há mais tristeza.
Despondency
Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade…
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram…Deixá-la ir, a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul levantaram…Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
Ă€ morte queda, Ă morte silenciosa…Deixá-la ir, a nota desprendida
D’um canto extremo… e a Ăşltima esperança…
E a vida… e o amor… Deixá-la ir, a vida!
II
MĂŁos de finada, aquelas mĂŁos de neve,
De tons marfĂneos, de ossatura rica,
Pairando no ar, num gesto brando e leve,
Que parece ordenar, mas que suplica.Erguem-se ao longe como se as eleve
Alguém que ante os altares sacrifica:
MĂŁos que consagram, mĂŁos que partem breve,
Mas cuja sombra nos meus olhos fica…MĂŁos de esperança para as almas loucas,
Brumosas mĂŁos que vĂŞm brancas, distantes,
Fechar ao mesmo tempo tantas bocas…Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas,
Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,
Cerrando os olhos das visões defuntas…
Tentara o Amor de Abril
Tentara o amor de Abril tornar mais duro,
Naquele mês de céu azul cortado
Pelas pandorgas cor do assombro, o brado
Que no meu peito armava o meu futuro;Porque de novo, a procurar, procuro,
De bruços na janela, e debruçado
Por sobre as mágoas deste amor calado,
Nas portas tenebrosas, o ar mais puro.Firmando para o Norte, o brando povo
Das andorinhas parte, e fervoroso
Consuma o seu destino. Eu tento armá-loNo céu da alma, e durmo procurando
Essa firmeza no abandono, e calo,
Por pouco tempo embora o como e o quando.