Sonetos sobre Calma de Florbela Espanca

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Sonetos de calma de Florbela Espanca. Leia este e outros sonetos de Florbela Espanca em Poetris.

A Noite Desce

Como pálpebras roxas que tombassem
Sobre uns olhos cansados, carinhosas,
A noite desce… Ah! doces mĂŁos piedosas
Que os meus olhos tristĂ­ssimos fechassem!

Assim mĂŁos de bondade me beijassem!
Assim me adormecessem! Caridosas
Em braçados de lírios, de mimosas,
No crepĂşsculo que desce me enterrassem!

A noite em sombra e fumo se desfaz…
Perfume de baunilha ou de lilás,
A noite põe embriagada, louca!

E a noite vai descendo, sempre calma…
Meu doce Amor tu beijas a minh’alma
Beijando nesta hora a minha boca!

A Flor Do Sonho

A Flor do Sonho, alvĂ­ssima, divina,
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnĂłlia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruĂ­na.

Pende em meu seio a haste branda e fina
E nĂŁo posso entender como Ă© que, enfim,
Essa tĂŁo rara flor abriu assim! …
Milagre… fantasia… ou, talvez, sina…

Ă“ flor que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles sĂŁo tristes pelo amor de ti?!…

Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a asa da minh’alma
E nunca, nunca mais eu me entendi…

O Meu Desejo

Vejo-te só a ti no azul dos céus,
Olhando a nuvem de oiro que flutua…
Ó minha perfeição que criou Deus
E que num dia lindo me fez sua!

Nos vultos que diviso pela rua,
Que cruzam os seus passos com os meus…
Minha boca tem fome sĂł da tua!
Meus olhos tĂŞm sede sĂł dos teus!

Sombra da tua sombra, doce e calma,
Sou a grande quimera da tua alma
E, sem viver, ando a viver contigo…

Deixa-me andar assim no teu caminho
Por toda a vida, amor, devagarinho,
AtĂ© a Morte me levar consigo…

Alma Perdida

Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!

Tu Ă©s, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente …
Talvez sejas a alma, a alma doente
Dalguém que quis amar e nunca amou!

Toda a noite choraste … e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!

Contaste tanta coisa Ă  noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh’alma
Que chorasse perdida em tua voz! …

Noitinha

A noite sobre nĂłs se debruçou…
Minha alma ajoelha, põe as mãos e ora!
O luar, pelas colinas, nesta hora,
É água dum gomil que se entornou…

Não sei quem tanta pérola espalhou!
Murmura alguĂ©m pelas quebradas fora…
Flores do campo, humildes, mesmo agora.
A noite, os olhos brandos, lhes fechou…

Fumo beijando o colmo dos casais…
Serenidade idĂ­lica de fontes,
E a voz dos rouxinĂłis nos salgueirais…

Tranquilidade… calma… anoitecer…
Num ĂŞxtase, eu escuto pelos montes
O coração das pedras a bater…

Sombra

De olheiras roxas, roxas, quase pretas,
De olhos lĂ­mpidos, doces, languescentes,
Lagos em calma, pálidos, dormentes
Onde se debruçassem violetas…

De mĂŁos esguias, finas hastes quietas,
Que o vento nĂŁo baloiça em noites quentes…
Nocturno de Chopin… risos dolentes…
Versos tristes em sonhos de Poetas…

Beijo doce de aromas perturbantes…
Rosal bendito que dá rosas… Dantes
Esta era Eu e Eu era a Idolatrada!…

Ah, cinzas mortas! Ah, luz que se apaga!
Vou sendo, em ti, agora, a sombra vaga
D’alguĂ©m que dobra a curva duma estrada…

Lágrimas Ocultas

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida…

E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago…
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim…

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

RĂşstica

Ser a moça mais linda do povoado.
Pisar, sempre contente, o mesmo trilho,
Ver descer sobre o ninho aconchegado
A bênção do Senhor em cada filho.

Um vestido de chita bem lavado,
Cheirando a alfazema e a tomilho…
– Com o luar matar a sede ao gado,
Dar Ă s pombas o sol num grĂŁo de milho…

Ser pura como a água da cisterna,
Ter confiança numa vida eterna
Quando descer Ă  “terra da verdade”…

Deus, dai-me esta calma, esta pobreza!
Dou por elas meu trono de Princesa,
E todos os meus Reinos de Ansiedade.

Ă“dio?

Ă“dio por Ele? NĂŁo… Se o amei tanto,
Se tanto bem lhe quis no meu passado,
Se o encontrei depois de o ter sonhado,
Se Ă  vida assim roubei todo o encanto,

Que importa se mentiu? E se hoje o pranto
Turva o meu triste olhar, marmorizado,
Olhar de monja, trágico, gelado
Com um soturno e enorme Campo Santo!

Nunca mais o amar já é bastante!
Quero senti-lo doutra, bem distante,
Como se fora meu, calma e serena!

Ă“dio seria em mim saudade infinda,
Mágoa de o ter perdido, amor ainda!
Ă“dio por Ele? NĂŁo… nĂŁo vale a pena…

Frémito do Meu Corpo a Procurar-te

Frémito do meu corpo a procurar-te,
Febre das minhas mĂŁos na tua pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doído anseio dos meus braços a abraçar-te,

Olhos buscando os teus por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte!

E vejo-te tĂŁo longe! Sinto tua alma
Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que nĂŁo me amas…

E o meu coração que tu não sentes,
Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas…