Ambos
VĂŁo pela estrada, Ă margem dos caminhos
Arenosos, compridos, salutares,
Por onde, a noite, os lĂmpidos luares
DĂŁo Ă s verduras leves tons de arminhos.Nuvens alegres como os alvos linhos
Cortam a doce compridĂŁo dos ares,
Dentre as canções e os tropos singulares
Dos inefáveis, meigos passarinhos.Do céu feliz na branda curvidade,
A luz expande a inteira alacridade,
O mais supremo e encantador afago.E com o olhar vibrante de desejos
VĂŁo decifrando os trĂŞmulos arpejos,
E as reticĂŞncias que produz o vago.
Sonetos sobre Caminhos
110 resultadosPresença
SĂł saberei de ti pelos teus olhos,
que falam mais que a tua fala pouca.
Doce memĂłria (irei buscar-te sempre)
encilhada a essa Ă©gua dos minutos,onde os ponteiros trotam meus desejos,
avivando a paisagem na lembrança
vinda de ti, e em mim reconstruĂda.
Essa presença, em passos e pegadas,passeia no meu corpo, agora estrada,
caminho teu; submisso, eis meu segredo.
Que abrigar teus pés, possa, novamente,o meu sereno peito fatigado.
Este que anseia teu corpo presente
olho no olho na véspera do gozo.
Soneto De Vinicius Dedicado A Neruda
Quantos caminhos nĂŁo fizemos juntos
Neruda, meu irmĂŁo, meu companheiro…
Mas este encontro sĂşbito, entre muitos
NĂŁo foi ele o mais belo e verdadeiro?Canto maior, canto menor – dois cantos
Fazem-se agora ouvir sob o cruzeiro
E em seu recesso as cĂłleras e os prantos
Do homem chileno e do homem brasileiroE o seu amor – o amor que hoje encontramos…
Por isso, ao se tocarem nossos ramos
Celebro-te ainda além, cantor geralPorque como eu, bicho pesado, voas
Mas mais alto e melhor do céu entoas
Teu furioso canto material!
Disputa em FamĂlia
I
Sai das nuvens, levanta a fronte e escuta
O que dizem teus filhos rebelados,
Velho Jeová de longa barba hirsuta,
Solitário em teus Céus acastelados:« — Cessou o império enfim da força bruta!
NĂŁo sofreremos mais, emancipados,
O tirano, de mĂŁo tenaz e astuta,
Que mil anos nos trouxe arrebanhados!Enquanto tu dormias impassĂvel,
Topámos no caminho a liberdade
Que nos sorriu com gesto indefinĂvel…Já provámos os frutos da verdade…
Ă“ Deus grande, Ăł Deus forte, Ăł Deus terrĂvel.
NĂŁo passas d’uma vĂŁ banalidade! — »II
Mas o velho tirano solitário,
De coração austero e endurecido,
Que um dia, de enjoado ou distraido,
Deixou matar seu filho no Calvário,Sorriu com rir estranho, ouvindo o vário
Tumultuoso coro e alarido
Do povo insipiente, que, atrevido,
Erguia a voz em grita ao seu sacrário:« — Vanitas vanitatum! (disse). É certo
Que o homem vão medita mil mudanças,
Sem achar mais do que erro e desacerto.Muito antes de nascerem vossos pais
D’um barro vil,
Esfinge
Sou filha da charneca erma e selvagem.
Os giestais, por entre os rosmaninhos,
Abrindo os olhos d’oiro, p’los caminhos,
Desta minh’alma ardente sĂŁo a imagem.Embalo em mim um sonho vĂŁo, miragem:
Que tu e eu, em beijos e carinhos,
Eu a Charneca e tu o Sol, sozinhos,
Fôssemos um pedaço de paisagem!E à noite, à hora doce da ansiedade
Ouviria da boca do luar
O De Profundis triste da saudade…E Ă tua espera, enquanto o mundo dorme,
Ficaria, olhos quietos, a cismar…
Esfinge olhando a planĂcie enorme…
Toada Para Solo De Ocarina
Fio tênue do céu em claridade
tece esse manto gris meu agasalho
colhido pelos muros da cidade:
mucosa verde musgo que se espalhacomo tapete denso em chĂŁo de jade
Meus pés de crivo cravam esse atalho
riscando seu grafite no mar que arde
o fogo-de-santelmo em céu talhadoNesse caminho caio em minha sina
caio no mar que lava essa lavoura
num barco Ă©brio que sempre desafinaE colho o sal da noite a lua moura
crescente luz de foice me assassina
e me morro no haxixe com Rimbaud
Que Hei De Fazer ?
Por certo havia rastros e pegadas
pelos caminhos onde me perdi,
e colhi rosas brancas e encarnadas
que se despetalaram por aĂ.Quantos tudos julguei, que foram nadas,
quanto amor batizei que nĂŁo senti,
– atĂ© o momento em que as encruzilhadas
se desencruzilharam – rumo a ti.Que hei de fazer? Farei tudo que possa
para que aceites a felicidade
que depende de ti para ser nossa…Pode ser tudo estranho e paradoxal;
julgas que foste a Ăşltima, e em verdade
foste a primeira e Ăşnica afinal.
Em Busca Da Beleza II
Nem defini-la, nem achá-la, a ela –
A Beleza. No mundo nĂŁo existe.
Ai de quem coma alma inda mais triste
Nos seres transitĂłrios quer colhĂŞ-la!Acanhe-se a alma porque nĂŁo conquiste
Mais que o banal de cada cousa bela,
Ou saiba que ao ardor de querer havĂŞ-la –
Ă€ Perfeição – sĂł a desgraça assiste.SĂł quem da vida bebeu todo o vinho,
Dum trago ou não, mas sendo até o fundo,
Sabe (mas sem remédio) o bom caminho;Conhece o tédio extremo da desgraça
Que olha estupidamente o nauseabundo
Cristal inútil da vazia taça.
Amaritudo
SĂł por ti, astro ainda e sempre oculto,
Sombra do Amor e sonho da Verdade,
Divago eu pelo mundo e em ansiedade
Meu próprio coração em mim sepulto.De templo em templo, em vão, levo o meu culto,
Levo as flores d’uma Ăntima piedade.
Vejo os votos da minha mocidade
Receberem somente escárnio e insulto.Ă€ beira do caminho me assentei…
Escutarei passar o agreste vento,
Exclamando: assim passe quando amei! —Oh minh’alma, que creste na virtude!
O que será velhice e desalento,
Se isto se chama aurora e juventude?
VisĂŁo Guiadora
Ă“ alma silenciosa e compassiva
Que conversas com os Anjos da Tristeza,
Ó delicada e lânguida beleza
Nas cadeias das lágrimas cativa.Frágil, nervosa timidez lasciva,
Graça magoada, doce sutileza
De sombra e luz e da delicadeza
Dolorosa de mĂşsica aflitiva.Alma de acerbo, amargurado exĂlio,
Perdida pelos cĂ©us num vago idĂlio
Com as almas e visões dos desolados.Ó tu que és boa e porque és boa és bela,
Da Fé e da Esperança eterna estrela
Todo o caminho dos desamparados.
A Morte, esse Lugar-Comum
É trivial a morte e há muito se sabe
fazer – e muito a tempo! – o trivial.
Se nĂŁo fui eu quem veio no jornal,
foi uma tosse a menos na cidade…A caminho do verme, uma beldade
— não dirias assim, Gomes Leal? —
vai ser coberta pela mesma cal
que tapa a mais intensa fealdade.Um crocitar de corvo fica bem
neste anúncio de morte para alguém
que nĂŁo vĂŞ n’alheia sorte a prĂłpria sorte…Mas por que nĂŁo dizer, com maior nojo,
que um menino saiu do imenso bojo
de sua mĂŁe, para esperar a morte?…
Mancebos! De Mil Louros Triunfantes
Mancebos! De mil louros triunfantes
Adornai o Moisés da mocidade,
O Anjo que nos guia da verdade
Pelos doces caminhos sempre ovantes.Coroai de grinaldas verdejantes
Quem rompeu para a Pátria nova idade,
Guiando pelas leis sĂŁs da amizade
Os moços do progresso sempre amantes.Vê, Brasil, este filho que o teu nome
Sobre o mapa dos povos ilustrados
Descreve qual o forte de VendĂ´me.Conhece que os Andradas e os Machados,
Que inda vivem nas asas do renome
Não morrem nestes céus abençoados;
Aquele Claro Sol
Aquele claro sol, que me mostrava
o caminho do céu mais chão, mais certo,
e com seu novo raio, ao longe, e ao perto,
toda a sombra mortal m’afugentava,deixou a prisĂŁo triste, em que cá estava.
Eu fiquei cego, e sĂł, c’o passo incerto,
perdido peregrino no deserto
a que faltou a guia que o levava.Assi c’o esprito triste, o juĂzo escuro,
suas santas pisadas vou buscando
por vales, e por campos, e por montes.Em toda parte a vejo, e a figuro.
Ela me toma a mĂŁo e vai guiando,
e meus olhos a seguem, feitos fontes.
Errante
Meu coração da cor dos rubros vinhos
Rasga a mortalha do meu peito brando
E vai fugindo, e tonto vai andando
A perder-se nas brumas dos caminhos.Meu coração o mĂstico profeta,
O paladino audaz da desventura,
Que sonha ser um santo e um poeta,
Vai procurar o Paço da Ventura…Meu coração nĂŁo chega lá decerto…
NĂŁo conhece o caminho nem o trilho,
Nem há memĂłria desse sĂtio incerto…Eu tecerei uns sonhos irreais…
Como essa mĂŁe que viu partir o filho,
Como esse filho que nĂŁo voltou mais!
Canção do Mar Aberto
Onde puseram teus olhos
A mágoa do teu olhar?
Na curva larga dos montes
Ou na planura do mar?De dia vivi este anseio;
De noite vem o luar,
Deixa uma estrada de prata
Aberta para eu passar.Caminho por sobre as ondas
NĂŁo paro de caminhar.
O longe é sempre mais longe…
Ai de mim se me cansar!…Morre o meu sonho comigo,
Sem te poder encontrar
O Meu Desejo
Vejo-te só a ti no azul dos céus,
Olhando a nuvem de oiro que flutua…
Ó minha perfeição que criou Deus
E que num dia lindo me fez sua!Nos vultos que diviso pela rua,
Que cruzam os seus passos com os meus…
Minha boca tem fome sĂł da tua!
Meus olhos tĂŞm sede sĂł dos teus!Sombra da tua sombra, doce e calma,
Sou a grande quimera da tua alma
E, sem viver, ando a viver contigo…Deixa-me andar assim no teu caminho
Por toda a vida, amor, devagarinho,
AtĂ© a Morte me levar consigo…
Se me Comovesse o Amor
Se me comovesse o amor como me comove
a morte dos que amei, eu viveria feliz. Observo
as figueiras, a sombra dos muros, o jasmineiro
em que ficou gravada a tua mĂŁo, e deixo o diacaminhar por entre veredas, caminhos perto do rio.
Se me comovessem os teus passos entre os outros,
os que se perdem nas ruas, os que abandonam
a casa e seguem o seu destino, eu saberia reconhecero sinal que ninguém encontra, o medo que ninguém
comove. Vejo-te regressar do deserto, atravessar
os templos, iluminar as varandas, chegar tarde.Por isso nĂŁo me procures, nĂŁo me encontres,
não me deixes, não me conheças. Dá-me apenas
o pĂŁo, a palavra, as coisas possĂveis. De longe.
Ironia De Lágrimas
Junto da Morte Ă© que floresce a Vida!
Andamos rindo junto Ă sepultura.
A boca aberta, escancarada, escura
Da cova Ă© como flor apodrecida.A Morte lembra a estranha Margarida
Do nosso corpo, Fausto sem ventura…
Ela anda em torno a toda a criatura
Numa dança macabra indefinida.Vem revestida em suas negras sedas
E a marteladas lĂşgubrees e tredas
Das ilusões o eterno esquife prega.E adeus caminhos vãos, mundos risonhos,
Lá vem a loba que devora os sonhos,
Faminta, absconsa, imponderada, cega!
Soneto Ao Nosso Encontro
Desenrolam-se as curvas do caminho
Ă proporção que aos poucos avançamos…
Um dia, – e eu vinha entĂŁo triste e sozinho,
– um dia, – vinhas sĂł… nos encontramos…Desde esse dia, juntos, simulamos
duas asas de um mesmo passarinho,
– nesse destino que entrançou dois ramos
que dĂŁo a mesma flor… e o mesmo espinho…Depois de tantas curvas já vencidas
que sejamos ao fim de nossas vidas
na perfeição do amor que nos conduz,– como a folhagem que um sĂł ninho esconde,
ou dois galhos que vĂŞm da mesma fronde
para juntos morrer na mesma cruz!
Realidade
Em ti o meu olhar fez-se alvorada,
E a minha voz fez-se gorjeio de ninho,
E a minha rubra boca apaixonada
Teve a frescura pálida do linho.Embriagou-me o teu beijo como um vinho
Fulvo de Espanha, em taça cinzelada,
E a minha cabeleira desatada
Pôs a teus pés a sombra dum caminho.Minhas pálpebras são cor de verbena,
Eu tenho os olhos garços, sou morena,
E para te encontrar foi que eu nasci…Tens sido vida fora o meu desejo,
E agora, que te falo, que te vejo,
NĂŁo sei se te encontrei, se te perdi…