Sonetos sobre CĂ©u

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Sonetos de céu escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Soneto II

A D. Manuel de Lencastre.

Na tenebrosa noite o caminhante,
Quando o ar se engrossa e o mundo todo atroa,
O tronco busca donde se coroa
Da fugitiva Dafne o brando amante.

Ali nĂŁo teme o raio fulminante,
Por mais que na vizinha ĂĄrvore soa,
E seu louvor por onde vai pregoa
Tanto que a cerração c’o sol levante.

Trabalha o CĂ©u em minha fim, trabalha
A terra em minha fim, com fĂșria imensa
Cada hora espero pela derradeira.

Onde me acolherei que alguém me valha?
A vĂłs, a quem nĂŁo quer fazer ofensa
O CĂ©u, nem pode a terra, inda que queira.

VĂŁo-Se De Todo Os Pardacentos Nimbos

VĂŁo-se de todo os pardacentos nimbos…
Chovem da luz as nĂ­tidas faĂ­scas
E no esplendor de irradiaçÔes mouriscas,
Abrem-se as flores em gentis corimbos.

Muito mais lestas do que amigos fimbos,
Do Azul cortando as bordaduras priscas,
Pombas do mato esvoaçando, ariscas,
Do céu se perdem nos profundos limbos.

A natureza pulsa como a forja…
PĂĄssaros vibram no clarim da gorja,
As retumbantes, fortes clarinadas.

A grande artĂ©ria dos assombros pula…
E do oxigĂȘnio, a força que regula
Enche os pulmÔes a largas baforadas.

A Musa Venal

Musa do meu amor, Ăł principesca amante,
Quando o inverno chegar, com seus ventos irados
Pelos longos serÔes, de frio tiritante,
Com que hås-de acalentar os pésitos gelados?

Tencionas aquecer o colo deslumbrante
Com os raios de luz pelos vidros filtrados?
Tendo a casa vazia e a bolsa agonizante
o ouro vais roubar aos céus iluminados?

Precisas, para obter o triste pĂŁo diĂĄrio,
Fazer de sacristĂŁo e de turibulĂĄrio,
Entoar um Te-Deum, sem crença nem favor,

Ou, como um saltimbanco esfomeado, mostrar
As tuas perfeiçÔes, atravĂ©s d’um olhar
Onde ocultas, a rir, o natural pudor!

Tradução de Delfim Guimarães

Esterilidade

Ao vĂȘ-la caminhar em trajos vaporosos,
Parece que desliza em voluptuosa dança,
Como aqueles rĂ©pteis da Índia, majestosos,
Que um faquir faz mover em torno d’uma lança.

Como um vasto areal, ou como um céu ardente,
Como as vagas do mar em seu fragor insano,
— Assim ela caminha, a passo, indiferente,
InsensĂ­vel Ă  dor, ao sofrimento humano.

Seus olhos tĂȘem a luz dos cristais rebrilhantes,
E o seu todo estranho onde, a par, se lobriga
O anjo inviolado e a muda esfinge antiga,

Onde tudo Ă© fulgor, ouro, metais, diamantes
VĂȘ-se resplandecer a fria majestade
Da mulher infecunda — essa inutilidade!

Tradução de Delfim Guimarães

Fermosos Olhos Que Na Idade Nossa

Fermosos olhos que na idade nossa
mostrais do CĂ©u certissimos sinais,
se quereis conhecer quanto possais,
olhai me a mim, que sou feitura vossa.

Vereis que de viver me desapossa
aquele riso com que a vida dais;
vereis como de Amor nĂŁo quero mais,
por mais que o tempo corra e o dano possa.

E se dentro nest’alma ver quiserdes,
como num claro espelho, ali vereis
também a vossa, angélica e serena.

Mas eu cuido que sĂł por nĂŁo me verdes,
ver vos em mim, Senhora, nĂŁo quereis:
tanto gosto levais de minha pena!

Regina Martyrum

LĂ­rio do CĂ©u, sagrada criatura,
Mãe das crianças e dos pecadores,
Alma divina como a luz e as flores
Das virgens castas a mais casta e pura;

Do Azul imenso, d’essa imensa altura
Para onde voam nossas grandes dores,
Desce os teus olhos cheios de fulgores
Sobre os meus olhos cheios de amargura!

Na dor sem termo pela negra estrada
Vou caminhando a sĂłs, desatinada,
– Ai! pobre cega sem amparo ou guia! –

SĂȘ tu a mĂŁo que me conduza ao porto…
Ó doce mãe da luz e do conforto,
Ilumina o terror d’esta agonia!

MarĂ­lia De Dirceu

Soneto 5

Ao templo do Destino fui levado:
Sobre o altar num cofre se firmava,
Em cujo seio cada qual buscava,
Tremendo, anĂșncio do futuro estado.

Tiro um papel e lio – cĂ©u sagrado,
Com quanta causa o coração pulsava!
Este duro decreto escrito estava
Com negra tinta pela mĂŁo do fado:

“Adore Polidoro a bela Ormia,
sem dela conseguir a recompensa,
nem quebrar-lhe os grilhĂ”es a tirania.”

Dar mãos Amor mo arranca, e sem detença,
TrĂȘs vezes o levando Ă  boca impia,
Jurou cumprir à risca a tal sentença.

Menino e Moço

Tombou da haste a flor da minha infancia alada,
Murchou na jarra de oiro o pudico jasmim:
Voou aos altos céus Sta Aguia, linda fada,
Que d’antes estendia as azas sobre mim.

Julguei que fosse eterna a luz d’essa alvorada,
E que era sempre dia, e nunca tinha fim
Essa vizĂŁo de luar que vivia encantada,
N’um castello de prata embutido a marfim!

Mas, hoje, as aguias de oiro, aguias da minha infancia,
Que me enchiam de lua o coração, outrora,
Partiram e no céu evolam-se, a distancia!

Debalde clamo e choro, erguendo aos céus meus ais:
Voltam na aza do vento os ais que a alma chora;
Ellas, porĂ©m, Senhor! ellas nĂŁo voltam mais…

A um Crucifixo

Hå mil anos, bom Cristo, ergueste os magros braços
E clamaste da cruz: hĂĄ Deus! e olhaste, Ăł crente,
O horizonte futuro e viste, em tua mente,
Um alvor ideal banhar esses espaços!

Por que morreu sem eco, o eco de teus passos,
E de tua palavra (Ăł Verbo!) o som fremente?
Morreste… ah! dorme em paz! nĂŁo volvas, que descrente
Arrojaras de novo Ă  campa os membros lassos…

Agora, como entĂŁo, na mesma terra erma,
A mesma humanidade Ă© sempre a mesma enferma,
Sob o mesmo ermo cĂ©u, frio como um sudĂĄrio…

E agora, como entĂŁo, viras o mundo exangue,
E ouviras perguntar — de que serviu o sangue
Com que regaste, ó Cristo, as urzes do Calvário? —

Jovens Filhos Da PĂĄtria, Em Vossos Peitos

Jovens filhos da pĂĄtria, em vossos peitos
DepÔe a påtria seu porvir de glória:
Revolve sonhos de imortal de imortal memĂłria,
Adejando inquieta em vossos leitos.

De vĂłs espera sublimados feitos,
P’ra ornar de palmas a futura histĂłria;
Espera em vĂłs, como espera em DĂłria,
DĂłria tĂŁo jovem, como vĂłs, nos pleitos.

Atletas do porvir, marchai seguros
Da liberdade Ă  festa sacrossanta,
A levantar-lhe mais altivos muros.

Marchai: – que aos livres nem o cĂ©u suplanta,
E o Ă­ndio do Brasil, sem elmos duros,
No olhar sĂČmente os dĂ©spotas espanta.

Sem Esperança

Ó cñndidos fantasmas da Esperança,
Meigos espectros do meu vĂŁo Destino,
Volvei a mim nas leves ondas do Hino
Sacramental de Bem-aventurança.

Nas veredas da vida a alma nĂŁo cansa
De vos buscar pelo Vergel divino
Do céu sempre estrelado e diamantino
Onde toda a alma no PerdĂŁo descansa.

Na volĂșpia da dor que me transporta,
Que este meu ser transfunde nos Espaços,
Sinto-te longe, ó Esperança morta.

E em vĂŁo alongo os vacilantes passos
À procura febril da tua porta,
Da ventura celeste dos teus braços.

Sem Causa, Juntamente Choro e Rio

Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente choro e rio,
O mundo todo abarco, e nada aperto.

É tudo quanto sinto um desconcerto:
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio;
Agora desvario, agora acerto.

Estando em terra, chego ao céu voando;
Num’ hora acho mil anos, e Ă© de jeito
Que em mil anos nĂŁo posso achar um’ hora.

Se me pergunta alguém porque assim ando,
Respondo que não sei; porém suspeito
Que sĂł porque vos vi, minha Senhora.

MarĂ­lia De Dirceu

Soneto 4

Ainda que de Laura esteja ausente,
HĂĄ de a chama durar no peito amante;
Que existe retratado o seu semblante,
Se nĂŁo nos olhos meus, na minha mente.

Mil vezes finjo vĂȘ-la, e eternamente
Abraço a sombra vã; só neste instante
Conheço que ela estå de mim distante,
Que tudo Ă© ilusĂŁo que esta alma sente.

Talvez que ao bem de a ver amor resista;
Porque minha paixão, que aos céus é grata
Por inocente assim melhor persista;

Pois quando só na idéia ma retrata,
Debuxa os dotes com que prende a vista,
Esconde as obras com que ofende, ingrata.

Deixai Que Deste Álbum Na Folha Delicada

Deixai que deste ĂĄlbum na folha delicada
Eu venha difundir meus rudes pensamentos
Deixai que as pobres rimas, uns nadas poeirentos
Eu possa transudar da mente entrenublada!…

Deixai que de minh’alma na fibra espedaçada
Eu busque inda vibrar uns cantos tardos, lentos!…
Bem cedo os vendavais, aspérrimos, cruentos
Ai! Tudo arrojarĂŁo Ă  campa amargurada!

PorĂ©m qu’importa isso! dos mares desta vida
Nos påvidos, estranhos, enormes escarcéus
Se alguma coisa val, Ă©s tu, Ăł luz querida!…

Rasguemos do porvir os ĂĄditos, os vĂ©us!…
Riamos sem cessar, embora em dor sentida!…
Também as nuvens negras conglobam-se nos céus!

Na ConfusĂŁo Do Mais Horrendo Dia

Na confusĂŁo do mais horrendo dia,
Painel da noite em tempestade brava,
O fogo com o ar se embaraçava
Da terra e ĂĄgua o ser se confundia.

Bramava o mar, o vento embravecia
Em noite o dia enfim se equivocava,
E com estrondo horrĂ­vel, que assombrava,
A terra se abalava e estremecia.

LĂĄ desde o alto aos cĂŽncavos rochedos,
CĂĄ desde o centro aos altos obeliscos
Houve temor nas nuvens, e penedos.

Pois dava o Céu ameaçando riscos
Com assombros, com pasmos, e com medos
Relùmpagos, trovÔes, raios, coriscos

O CĂ©u, de Opacas Sombras Abafado

O céu, de opacas sombras abafado,
Tornando mais medonha a noite fea,
Mugindo sobre as rochas, que saltea,
O mar, em crespos montes levantado;

Desfeito em furacÔes o vento irado;
Pelos ares zunindo a solta area;
O pĂĄssaro nocturno, que vozea
No agoireiro cipreste além pousado;

Formam quadro terrĂ­vel, mas aceito,
Mas grato aos olhos meus, grato Ă  fereza
Do ciĂșme e saudade, a que ando afeito.

Quer no horror igualar-me a Natureza;
Porém cansa-se em vão, que no meu peito
HĂĄ mais escuridade, hĂĄ mais tristeza.

A Uma Dama.

VĂȘs esse Sol de luzes coroado,
Em pérolas a Aurora convertida;
VĂȘs a Lua, de estrelas guarnecida;
VĂȘs o CĂ©u, de planetas adornado?

O cĂ©u deixemos: vĂȘs, naquele prado,
A rosa com razĂŁo desvanecida,
A açucena por alva presumida,
O cravo por galĂŁ lisonjeado?

Deixa o prado: vem cĂĄ, minha adorada:
VĂȘs desse mar a esfera cristalina
Em sucessivo aljĂŽfar desatada?

Parece aos olhos ser de prata fina…
VĂȘs tudo isto bem? Pois tudo Ă© nada
À vista do teu rosto, Catarina.

CamÔes, Grande CamÔes, quão Semelhante

CamÔes, grande CamÔes, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co’o sacrĂ­lego gigante;

Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penĂșria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vĂŁos, que em vĂŁo desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.

LudĂ­brio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao CĂ©u, pela certeza
De que sĂł terei paz na sepultura.

Modelo meu tu Ă©s, mas… oh, tristeza!…
Se te imito nos transes da Ventura,
NĂŁo te imito nos dons da Natureza.

Aspiração Suprema

Como os cegos e os nus pede um abrigo
A alma que vive a tiritar de frio.
Lembra um arbusto frĂĄgil e sombrio
Que necessita do bom sol amigo.

Tem ais de dor de trĂȘmulo mendigo
Oscilante, sonĂąmbulo, erradio.
É como um tĂȘnue, cristalino fio
D’estrelas, como etĂ©reo e louro trigo.

E a alma aspira o celestial orvalho,
Aspira o céu, o límpido agasalho,
sonha, deseja e anseia a luz do Oriente…

Tudo ela inflama de um estranho beijo.
E este Anseio, este Sonho, este Desejo
Enche as Esferas soluçantemente.

A. S. Francisco Tomando O Poeta O Habito De Terceyro

Ó magno serafim, que a Deus voaste
Com asas de humildade, e paciĂȘncia,
E absorto jĂĄ nessa divina essĂȘncia
Logras o eterno bem, a que aspiraste:

Pois o caminho aberto nos deixaste,
Para alcançar de Deus tambĂ©m clemĂȘncia
Na ordem singular de penitĂȘncia
Destes Filhos Terceiros, que criaste.

A Filhos, como Pai, olha queridos,
E intercede por nĂłs, Francisco Santo,
Para que te sigamos, e imitemos.

E assim desse teu hĂĄbito vestidos
Na terra blasonemos de bem tanto,
E depois para o CĂ©u juntos voemos.