Minh’alma EstĂĄ Agora Penetrando
Minh’alma estĂĄ agora penetrando
Lå na etérea plaga, cristalina!
Que mĂșsica meu Deus febril, divina
Nos pĂĄramos azuis vai retumbando!AlĂ©m, d’ĂĄureo dossel se estĂĄ rasgando
Custosa, de primor, esmeraldina
DiĂĄfana, sutil, longa cortina
Enquanto céus se vão duplando!Em grande pedestal marmorizado
De Paiva se divisa o busto enorme
Soberbo como o sol, de luz croadoDe um lado o porvir — Antheu disforme
Dos lĂĄbios faz soltar pujante brado
Hosanas! nĂŁo morreu! apenas dorme.
Sonetos sobre Céu
360 resultadosVós, Crédulos Mortais, Alucinados
Vós, crédulos mortais, alucinados
de sonhos, de quimeras, de aparĂȘncias
colheis por uso erradas consequĂȘncias
dos acontecimentos desastrados.Se à perdição correis precipitados
por cegas, por fogosas, impaciĂȘncias,
indo a cair, gritais que sĂŁo violĂȘncias
de inexoråveis céus, de negros fados.Se um celeste poder tirano e duro
Ă s vezes extorquisse as liberdades,
que prestava, ó Razão, teu lume puro?Não forçam coraçÔes as divindades,
fado amigo nĂŁo hĂĄ nem fado escuro:
fados são as paixÔes, são as vontades.
Alucinação
Ă solidĂŁo do Mar, Ăł amargor das vagas,
Ondas em convulsÔes, ondas em rebeldia,
Desespero do Mar, furiosa ventania,
Boca em fel dos tritĂ”es engasgada de pragas.Velhas chagas do sol, ensangĂŒentadas chagas
De ocasos purpurais de atroz melancolia,
Luas tristes, fatais, da atra mudez sombria
Da trĂĄgica ruĂna em vastidĂ”es pressagas.Para onde tudo vai, para onde tudo voa,
Sumido, confundido, esboroado, Ă -toa,
No caos tremendo e nu dos tempo a rolar?Que Nirvana genial hĂĄ de engolir tudo isto –
– Mundos de Inferno e CĂ©u, de Judas e de cristo,
Luas, chagas do sol e turbilhÔes do Mar?!
Musa Infeliz
Todo o cuidado nestas rimas ponho;
Musa, peço-te, pois, que me remetas
Versos que tenham rĂștilas facetas,
E nĂŁo revelem trovador bisonho.Meia noite bateu. Sai risonho…
Brilhava – oh, musa, nĂŁo me comprometas! –
O mais belo de todos os planetas
N’um cĂ©u que parecia um cĂ©u de sonho.O mais belo de todos os prazeres
Gozei, Ă doce luz dos olhos pretos
Da mais bela de todas as mulheres!Pobres quartetos! mĂseros tercetos!…
Musa, musa infeliz, dar-me nĂŁo queres.
O mais belo de todos os sonetos!…
Horas De Sombra
Horas de sombra, de silĂȘncio amigo
Quando hĂĄ em tudo o encanto da humildade
E que o anjo branco e belo da saudade
Roga por nĂłs o seu perfil antigo.Horas que o coração nĂŁo vĂȘ perigo
De gozar, de sentir com liberdade…
Horas da asa imortal da Eternidade
Aberta sobre tumular jazigo.Horas da compaixĂŁo e da clemĂȘncia,
Dos segredos sagrados da existĂȘncia,
De sombras de perdão sempre benditas.Horas fecundas, de mistério casto,
Quando dos céus desce, profundo e vasto,
O repouso das almas infinitas.
Metempsicose
Agora, jĂĄ que apodreceu a argila
Do teu corpo divino e sacrossanto;
Que embalsamaram de magoado pranto
A tua carne, na mudez tranqĂŒila,Agora, que nos CĂ©us, talvez, se asila
Aquela graça e luminoso encanto
De virginal e pĂĄlido amaranto
Entre a Harmonia que nos Céus desfila.Que da morte o estupor macabro e feio
Congelou as magnĂłlias do teu seio,
Por entre catalĂ©pticas visĂ”es…Surge, Bela das Belas, na Beleza
Do transcendentalismo da Pureza,
Nas brancas, imortais RessurreiçÔes!
Quando nĂŁo te Vejo Perco o Siso
Formosura do Céu a nós descida,
Que nenhum coração deixas isento,
Satisfazendo a todo pensamento,
Sem que sejas de algum bem entendida;Qual lĂngua pode haver tĂŁo atrevida,
Que tenha de louvar-te atrevimento,
Pois a parte melhor do entendimento,
No menos que em ti hĂĄ se vĂȘ perdida?Se em teu valor contemplo a menor parte,
Vendo que abre na terra um paraĂso,
Logo o engenho me falta, o espĂrito mĂngua.Mas o que mais me impede inda louvar-te,
Ă que quando te vejo perco a lĂngua,
E quando nĂŁo te vejo perco o siso.
Sobresalto
Quantas horas passava contemplando
Seu pequenino Vulto. Era um Anjinho
Dentro de nossa casa, abençoando…
Era uma FlÎr, um Astro, um Amorzinho.Um dia, em que ele, ao pé de mim, sósinho
Brincava, estes meus olhos inundando
De graça, de inocencia e de carinho,
De tudo o que Ă© celeste, alegre e brando,Vi tremer sua Imagem, de repente,
No ar, como se fÎra Aparição.
E para mim eu disse tristemente:“Pertences a outro mundo, a um cĂ©u mais alto;
PartirĂĄs dentro em breve.” E desde entĂŁo
Eu fiquei num constante sobresalto!
Nada se Pode Comparar Contigo
O ledo passarinho, que gorjeia
D’alma exprimindo a cĂąndida ternura;
O rio transparente, que murmura,
E por entre pedrinhas serpenteia;O Sol, que o céu diåfano passeia,
A Lua, que lhe deve a formosura,
O sorriso da Aurora, alegre e pura,
A rosa, que entre os Zéfiros ondeia;A serena, amorosa Primavera,
O doce autor das glĂłrias que consigo,
A Deusa das paixÔes e de Citera;Quanto digo, meu bem, quanto não digo,
Tudo em tua presença degenera.
Nada se pode comparar contigo.
Noite Escura
Noite escura do amor, em que me deito
com teu corpo de luz, eu assombrado
deste fantasma de repente alado
amplificando a jaula do meu peito.Deixando-o infinito, maculado
de sangue e espuma (Ă© mar este fantasma?
ou pĂĄssaro de mar que em onda espalma
seu corpo que é de luz e céu desfeito).E a noite escura que era o amor se ajunta
em feixes de silĂȘncio e de desmaio
para a festa defuntade ver ressurreiçÔes: tempo em que caio
para em sombras cantar mais docemente
este sol que me pÔe preso e demente.
Soneto Das Alturas
As minhas esquivanças vão no vento
alto do céu, para um lugar sombrio
onde me punge o descontentamento
que no mar nĂŁo desĂĄgua, nem no rio.Ăs mudanças me fio, sempre atento
ao que muda e perece, e ardente e frio,
e novamente ardente Ă© no momento
em que luz o desejo, poldro em cio.Meu corpo nada quer, mas a minh’alma
em fogos de amplidĂŁo deseja tudo
o que ultrapassa o humano entendimento.E embora nada atinja, nĂŁo se acalma
e, sendo alma, transpÔe meu corpo mudo,
e aos céus pede o inefåvel e não o vento.
No Egito
Sob os ardentes sĂłis do fulvo Egito
De areia estuosa, de candente argila,
Dos sonhos da alma o turbilhĂŁo desfila,
Abre as asas no pĂĄramo infinito.O Egito Ă© sempre o amigo, o velho rito
Onde um mistério singular se asila
E onde, talvez mais calma, mais tranqĂŒila
A alma descansa do sofrer prescrito.Sobre as ruĂnas d’ouro do passado,
No céu cavo, remoto, ermo e sagrado,
Torva morte espectral pairou ufana…E no aspecto de tudo em torno, em tudo,
Ărido, pĂ©treo, silencioso, mudo,
Parece morta a prĂłpria dor humana!
Violinos
Pelas bizarras, gĂłticas janelas
De um tempo medieval o sol ondula:
Nunca os vitrais viram visÔes mais belas
Quando, no ocaso, o sol os doura e oscula…Doces, multicores aquarelas
Sobre um saudoso cĂ©u que alĂ©m se azula…
Calma, serena, divinal, entre eras,
A pomba ideal dos Ăngelus arrula…Rezam de joelhos anjos de mĂŁos postas
Através dos vitrais, e nas encostas
Dos montes sobe a claridade ondeando…Ă a lua de Deus, que as curves meigas
Foi ondular pelos vergéis e veigas
MagnĂłlias e lĂrios desfolhando…
Tudo EstĂĄ Caro
A trinta e cinco réis custa a pescada:
O triste bacalhau a quatro e meio:
A dezasseis vinténs corre o centeio:
De verde a trinta réis custa a canada.A sete, e oito tostÔes custa a carrada
Da torta lenha, que do monte veio:
Vende as sardinhas o galego feio
Cinco ao vintém; e seis pela calada.O cujo regatão vai com excesso,
Revendendo as pequenas iguarias,
Que da pobreza sĂŁo todo o regresso.Tudo estĂĄ caro: sĂł em nossos dias,
Graças ao Céu! Temos em bom preço
Os tremoços, o arroz e as Senhorias.
Evocação
Oh Lua voluptuosa e tentadora,
Ao mesmo tempo trĂĄgica e funesta,
Lua em fundo revolto de floresta
E de sonho de vaga embaladora.Langue visĂŁo mortal e sedutora,
Dos Vergéis sederais pålida giesta,
Divindade sutil da morna sesta
Da lasciva paixĂŁo fascinadora.Flor fria, flor algente, flor gelada
Do desconsolo e dos esquecimentos
E do anseio, da febre atormentada.Tu que soluças pelos céus nevoentos
Longo soluço mågico de fada,
DĂĄ-me os teus doces acalentamentos!
Soneto Sonhado
Meu tudo, minha amada e minha amiga,
Eis, compendiada toda num soneto,
A minha profissão de fé e afeto,
Que Ă confissĂŁo, posto aos teus pĂ©s, me obriga.O que n’alma guardei de muito antiga
ExperiĂȘncia foi pena e ansiar inquieto.
Gosto pouco do amor ideal objeto
SĂł, e do amor sĂł carnal nĂŁo gosto miga.O que hĂĄ melhor no amor Ă© a iluminĂąncia.
Mas, ai de nĂłs! nĂŁo vem de nĂłs. Viria
De onde? Dos cĂ©us?… Dos longes da distĂąncia?…NĂŁo te prometo os estos, a alegria,
A assunção… Mas em toda circunstĂąncia
Ser-te-ei sincero como a luz do dia.
Boa Noite
Boa noite, meu amor, – diz boa noite, querida,
vou deitar-me, e sonhar contigo ainda uma vez,
a noite assim azul, cheia de luz, nĂŁo vĂȘs?
Parece que nos chama e a sonhar nos convida…O cĂ©u Ă© aquela folha onde deixei perdida
a histĂłria de um amor, que te contei talvez,
– hoje, nela eu nĂŁo creio, e tu tambĂ©m nĂŁo crĂȘs,
– mas, para que falar nessa histĂłria esquecida?…Boa noite, meu amor… VĂȘ se sonhas tambĂ©m…
“Um castelo encantado… um paĂs muito alĂ©m
e um prĂncipe ao teu lado amoroso e cortĂȘs…”Com o cĂ©u azul assim, talvez dormir consiga,
vou sonhar…vou sonhar contigo, minha querida,
vĂȘ se sonhas tambĂ©m comigo alguma vez!.
Soneto De Maio
Suavemente Maio se insinua
Por entre os vĂ©us de Abril, o mĂȘs cruel
E lava o ar de anil, alegra a rua
Alumbra os astros e aproxima o céu.Até a lua, a casta e branca lua
Esquecido o pudor, baixa o dossel
E em seu leito de plumas fica nua
A destilar seu luminoso mel.Raia a aurora tĂŁo tĂmida e tĂŁo fragil
Que através do seu corpo tranparente
Dir-se-ia poder-se ver o rostoCarregado de inveja e de pressĂĄgio
Dos irmĂŁos Junho e Julho, friamente
Preparando as catĂĄstrofes de Agosto…
Torre de Névoa
Subi ao alto, Ă minha Torre esguia,
Feita de fumo, névoas e luar,
E pus-me, comovida, a conversar
Com os poetas mortos, todo o dia.Contei-lhes os meus sonhos, a alegria
Dos versos que sĂŁo meus, do meu sonhar,
E todos os poetas, a chorar,
Responderam-me entĂŁo: âQue fantasia,Criança doida e crente! NĂłs tambĂ©m
Tivemos ilusÔes, como ninguém,
E tudo nos fugiu, tudo morreu! …âCalaram-se os poetas, tristemente …
E Ă© desde entĂŁo que eu choro amargamente
Na minha Torre esguia junto ao cĂ©u! …
Porto inseguro
A liberdade bate Ă minha porta,
tĂŁo carente de mim, pedindo abrigo.
Quero amparĂĄ-la e penso que consigo
detĂȘ-la, mas seria tĂȘ-la morta.Livre para pairar num cĂ©u sem peias,
na solidĂŁo de um vĂŽo sem destino,
por que perder, nos olhos de ĂĄguia, o tino,
vindo a quem se agrilhoa sem cadeias?Deusa das asas! Seu vagar escapa
a meus sentidos, seu desejo alcança
tudo que a mim se esconde atrĂĄs da capa.VĂĄ embora daqui! Siga seu rumo!
Sou prisioneiro, um órfão da esperança
e arrasto um vĂŽo cego em chĂŁo sem prumo.