Aos Vencidos
Quando é que emfim virá o claro dia,
– O dia glorioso e suspirado! –
Que não corra mais sangue, esperdiçado
Á luz do Sol que os mundos alumia?! –Que os vencidos não vejam a agonia
Do seu tecto de colmo incendiado,
E se ouça retumbar o monte e o prado,
Ao tropel da velloz cavallaria?!Quando é que isto será? – Quando na vida,
Virá ella, a doce hora promettida,
Hora cheia d’amor, e desejada!…Em que fataes Cains, fartos da guerra,
Nosso sangue não beba mais a terra…
– E nem mesmo a Justiça use d’Espada?!
Sonetos sobre Dia
386 resultadosBarrow-On-Furness III
Corre, raio de rio, e leva ao mar
A minha indiferença subjetiva!
Qual “leva ao mar”! Tua presença esquiva
Que tem comigo e com o meu pensar?Lesma de sorte! Vivo a cavalgar
A sombra de um jumento. A vida viva
Vive a dar nomes ao que não se ativa,
Morre a pôr etiquetas ao grande ar…Escancarado Furness, mais três dias
Te, aturarei, pobre engenheiro preso
A sucessibilíssimas vistorias…Depois, ir-me-ei embora, eu e o desprezo
(E tu irás do mesmo modo que ias),
Qualquer, na gare, de cigarro aceso…
Soneto Da Hora Final
Será assim, amiga: um certo dia
Estando nós a contemplar o poente
Sentiremos no rosto, de repente,
O beijo leve de uma aragem fria.Tu me olharás silenciosamente
E eu te olharei também, com nostalgia
E partiremos, tontos de poesia
Para a porta de trevas, aberta em frente.Ao transpor as fronteiras do segredo
Eu, calmo, te direi: – Não tenhas medo
E tu, tranqüila, me dirás: – Sê forte.E como dois antigos namorados
Noturnamente tristes e enlaçados
Nós entraremos nos jardins da morte.
Como é que a Solidão Hei-de Ir Medindo?
Como é que a solidão hei-de ir medindo?
desse-me os golpes de uso inda esta dor
um a um sua nudez a sobrepor
que o ritmo sem nome a foi vestindomas sofro agora o tempo nu saindo
numa levada sem nenhum teor
gasto caudal do meu rio interior
nem chora o peito por mais gritos vindoQuando é que é novo ano na amargura
quando volto a chegar-me à desventura
que me faz falta em ocos dias vis.ah quando é que arde escura em cores febris
à testa do ano como a vi na altura
do agosto em chamas funda cicatriz?Tradução de Vasco Graça Moura
Foi Um Dia De Inúteis Agonias
Foi um dia de inúteis agonias.
Dia de sol, inundado de sol!…
Fulgiam nuas as espadas frias…
Dia de sol, inundado de sol!…Foi um dia de falsas alegrias.
Dália a esfolhar-se, – o seu mole sorriso…
Voltavam ranchos das romarias.
Dália a esfolhar-se, – o seu mole sorriso…Dia impressível mais que os outros dias.
Tão lúcido… Tão pálido… Tão lúcido!…
Difuso de teoremas, de teorias…O dia fútil mais que os outros dias!
Minuete de discretas ironias…
Tão lúcido… Tão pálido… Tão lúcido!…
Dai À Obra De Marta Um Pouco De Maria
Dai à obra de Marta um pouco de Maria,
Dai um beijo de sol ao descuidado arbusto;
Vereis neste florir o tronco ereto e adusto,
E mais gosto achareis naquela e mais valia.A doce mãe não perde o seu papel augusto,
Nem o lar conjugal a perfeita harmonia.
Viverão dous aonde um até ‘qui vivia,
E o trabalho haverá menos difícil custo.Urge a vida encarar sem a mole apatia,
Ó mulher! Urge pôr no gracioso busto,
Sob o tépido seio, um coração robusto.Nem erma escuridão, nem mal-aceso dia.
Basta um jorro de sol ao descuidado arbusto,
Basta à obra de Marta um pouco de Maria.
Princípio de Amores com Marília
Um rácimo ferral engrinaldado
Com rosas carmesins no seu regaço,
Tinha Marília um dia, e o pé, c’um laço,
De fita verde mar lhe tinha atado.Eu, de seus magos olhos já tocado,
Junto dela cheguei com leve passo,
E furtando-lhe o cacho, dele faço
Néctar que a Jove, igual, nunca foi dadoEm taça de cristal, co’as mesmas rosas,
E do mesmo listão toda enfeitada,
O licor lhe fui pôr nas mãos mimosas.Marília se sorriu, bebeu, corada,
O sagrado elixir e as deleitosas
Primícias deu d’Amor, por Baco instada.
Do Primeiro Regresso
Escuta, meu Amor, quando eu voltar
De tão longe, e avistar de novo o Tejo,
O meu Restelo que em saudades vejo
Como outra nova Índia a conquistar;Quando a minha alma inquieta sossegar
Este voo indomável, num adejo,
E o amor e o céu e Deus, vivos num beijo,
Iluminarem todo o nosso lar;Quando, meu Santo Amor, voltar o dia
Do primeiro regresso, e a aleluia
Madrugar tua alma anoitecida…Hás-de embalar-me sobre o teu regaço
Arrolar, encantar o meu cansaço…
E então será o meu regresso à Vida!
Cheguei Tarde
Cheguei tarde, bem sei…E após minha chegada
foi que eu vi, afinal, que tu tinhas partido…
Mas teu vulto, distante, em sombras já perdido,
divisar ainda pude, ao longe, pela estrada…Seguia-te outro vulto, – o alguém desconhecido
que primeiro encontraste em tua caminhada…
Partiste! …E eras feliz, porque partiste amada,
e eu fiquei, entretanto, infeliz e esquecido…Já não te vejo mais… Vai distante talvez…
E ainda hoje tenho o olhar na estrada, sem ninguém,
por onde tu partiste, um dia, certa vez…Fiquei…Curtindo a dor de um destino atrasado…
– Sorrindo, por te ver feliz…Junto de alguém,
– chorando, por não ter mais cedo te encontrado!…
Quando Se Vir Com Água O Fogo Arder
Quando se vir com água o fogo arder,
e misturar co dia a noite escura,
e a terra se vir naquela altura
em que se vem os Céus prevalecer;o Amor por razão mandado ser,
e a todos ser igual nossa ventura,
com tal mudança, vossa formosura
então a poderei deixar de ver.Porém não sendo vista esta mudança
no mundo (como claro está não ver-se),
não se espere de mim deixar de ver-vos.Que basta estar em vós minha esperança,
o ganho de minha alma, e o perder-se,
para não deixar nunca de querer-vos.
Elegia para Santa Rosa
Aurora chega, e permaneces fria
noite, imobilizado, cego e mudo
às coisas das manhãs que amanhecias:
cavalete, jornal, café no bule.O mundo neutro e nu pede a pintura;
a tela virgem, teu pincel tranquilo,
As cores vêm chorando pela rua,
entram no atelier branco e vazio.Quais os murais que irás compor no muro,
entre o que foste e o que serás, erguido,
o indevassável muro eterno e duro?Ai, Santa, pesam sobre nós os dias
desta sobrevivência que te usurpa
o espaço e o tempo que te pertenciam.
Olhos Suaves, que em Suaves Dias
Olhos suaves, que em suaves dias
Vi nos meus tantas vezes empregados;
Vista, que sobra esta alma despedias
Deleitosos farpões, no céu forjados:Santuários de amor, luzes sombrias,
Olhos, olhos da cor de meus cuidados,
Que podeis inflamar as pedras frias,
Animar cadáveres mirrados:Troquei-vos pelos ventos, pelos mares,
Cuja verde arrogância as nuvens toca,
Cuja hrrísona voz perturba os ares:Troquei-vos pelo mal, que me sufoca;
Troquei-vos pelos ais, pelos pesares:
Oh câmbio triste! oh deplorável troca!
Os Teus Beijos, Meu Bem, Tuas Carícias
Os teus beijos, meu bem, tuas carícias,
Teus afagos, teus íntimos abraços,
São apertados nós que dás nos laços
Que prendem nossas ditas vitalícias.Deixa gabar os deuses co’as delícias
Que desfrutam nos seus etéreos Paços,
Que estas, que nós gozamos por espaços
São, Marília, reais, não são fictícias.Ora na tua ideia um pouco finge,
S’um prazer imortal que não se altera
As faces divinais com rosas tinge:Se o chão que em teus olhos reverbera,
Se a ternura sem par que a mim te cinge
Durasse um dia, o sol sua luz perdera.
Que Levas, Cruel Morte?- Um Claro Dia.
Que levas, cruel Morte?- Um claro dia.
– A que horas o tomaste?- Amanhecendo.
– Entendes o que levas?- Não o entendo.
– Pois quem to faz levar?- Quem o entendia.Seu corpo quem o goza?- A terra fria.
– Como ficou sua luz?- Anoitecendo.
– Lusitânia que diz?- Fica dizendo:
Enfim, não mereci Dona Maria.Mataste quem a viu?- Já morto estava.
– Que diz o cru Amor?- Falar não ousa.
– E quem o faz calar?- Minha vontade.Na corte que ficou?- Saudade brava.
– Que fica lá que ver?- Nenhüa cousa;
mas fica que chorar sua beldade.
XLI
Injusto Amor, se de teu jugo isento
Eu vira respirar a liberdade,
Se eu pudesse da tua divindade
Cantar um dia alegre o vencimento;Não lograras, Amor, que o meu tormento,
Vítima ardesse a tanta crueldade;
Nem se cobrira o campo da vaidade
Desses troféus, que paga o rendimento:Mas se fugir não pude ao golpe ativo,
Buscando por meu gosto tanto estrago,
Por que te encontro, Amor, tão vingativo?Se um tal despojo a teus altares trago,
Siga a quem te despreza, o raio esquivo;
Alente a quem te busca, o doce afago.
Desespero
Não eram meus os olhos que te olharam
Nem este corpo exausto que despi
Nem os lábios sedentos que poisaram
No mais secreto do que existe em ti.Não eram meus os dedos que tocaram
Tua falsa beleza, em que não vi
Mais que os vícios que um dia me geraram
E me perseguem desde que nasci.Não fui eu que te quis. E não sou eu
Que hoje te aspiro e embalo e gemo e canto,
Possesso desta raiva que me deuA grande solidão que de ti espero.
A voz com que te chamo é o desencanto
E o espermen que te dou, o desespero.
Beijos Do Céu
Sonhei-te assim, ó minha amante, um dia:
– Vi-te no céu; e, anamoradamente,
De beijos, a falange resplendente
Dos serafins, teu corpo inteiro ungia…Santos e anjos beijavam-te… Eu bem via
Beijavam todos o teu lábio ardente;
E, beijando-te, o próprio Onipotente,
O próprio Deus nos braços te cingia!Nisto, o ciúme – fera que eu não domo –
Despertou-me do sonho, repentino
Vi-te a dormir tão plácida a meu lado…E beijei-te também, beijei-te… e, ai! como
Achei doce o teu lábio purpurino.
Tantas vezes assim no céu beijado!
Tão Simples Este Amor
Tão simples este amor nasceu… Nós nem notamos
que era amor e afeição que aos poucos nos prendia…
O amor, – é aquela flor que engrinalda dois ramos
aos esponsais de luz do sol de cada dia!Dois ramos, – eu e tu, – e as horas desfolhamos
numa doce, irrequieta e impensada alegria,
– e assim vamos vivendo, e a viver, acenamos
sonhos verdes aos céus azuis da fantasia!Tão simples este amor nasceu… Tal como nasce
um beijo em tua boca, um riso em tua face,
uma estrela no céu… ou uma flor de um botão.. .Nem era necessário mesmo eu te falar,
se já o tens transformado em luz no teu olhar,
e eu, já o sinto a cantar, dentro do coração!
O Auto-Retrato
No retrato que me faço
– traço a traço –
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore…às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança…
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão…e, desta lida, em que busco
– pouco a pouco –
minha eterna semelhança,no final, que restará?
Um desenho de criança…
Corrigido por um louco!
Conselhos A Qualquer Tolo Para Parecer Fidalgo, Rico E Discreto
Bote a sua casaca de veludo,
E seja capitão sequer dois dias,
Converse à porta de Domingos Dias,
Que pega fidalguia mais que tudo.Seja um magano, um pícaro, um cornudo,
Vá a palácio, e após das cortesias
Perca quanto ganhar nas mercancias,
E em que perca o alheio, esteja mudo.Sempre se ande na caça e montaria,
Dê nova solução, novo epíteto,
E diga-o, sem propósito, à porfia;Quem em dizendo: “facção, pretexto, efecto”.
Será no entendimento da Bahia
Mui fidalgo, mui rico, e mui discreto.