Sonetos sobre Doença

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Sonetos de doença escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A Idade

Ao princípio, era a doença de ser, pura e simples
exaltação das trevas de que a casa era a luz do mundo.
Ao princĂ­pio, estava o amor oculto no secreto fio
da memĂłria do mundo. Ao princĂ­pio, era o insondĂĄvel

desconhecido, aberto nas mãos maternais, sortilégio
do mundo. Ao princĂ­pio, vinha o silĂȘncio como ponto
de encontro do nada do mundo. Ao princĂ­pio, chegava
a dor da pedra opressa nos coraçÔes, sublime prodígio

do mundo. Ao princĂ­pio, revelava-se o inominĂĄvel,
o imĂłvel, o informe, a intimidade temida do mundo.
Ao princĂ­pio, clamava-se a concĂłrdia e a piedade,

afirmação absoluta da constùncia do mundo.
Ao princĂ­pio, era o calor e a paz. Depois, a casa
abriu-se à terra fértil, a madre terra, a medonha terra.

IV – Sempre O Brasil

Nunca noite dormi tĂŁo sossegado,
Quem nem mesmo sonhei com o meu Brasil,
PorĂ©m, vendo infinito mar d’anil,
Lembra-me a aurora dele nacarada.

Cada dia que passa nĂŁo Ă© nada,
E os que faltam parecem mais de mil.
Se o tempo que lĂĄ vivo Ă© um ceitil,
Aqui Ă© para mim grande massada.

E a doença porém me consentir,
Sempre pensando nele, cuidarei
De tornar-me mais digno de o servir,

E, quando possa, logo voltarei;
Pois na terra sĂł quero eu existir
Quando Ă© para bem dele que eu o sei.

Uma Doença CĂșmplice

uma doença cĂșmplice, marcas pĂșrpura
dĂŁo ao teu rosto a expressĂŁo do exĂ­lio
a que te submetes, gemeste
toda a noite, soçobraste

Ă  febre alta do final da tarde, uma prega,
vincada no teu rosto,
mantém-te inanimado
entre a vigĂ­lia e a injĂșria

que hĂĄ no sacrifĂ­cio
e te pÔe a carne em chaga.
uma doença altiva, a consistĂȘncia

do silĂȘncio Ă© como aço e o transe
permanece, Ă© superiormente excessiva
tanta angĂșstia.

Pedes a Deus Quanto a ti te Quitas

QUE COM OS SEUS EXCESSOS ACELERAM A DOENÇA E A VELHICE

Que os anos sobre ti voem bem leves,
pedes a Deus; e que o rosto as pegadas
deles nĂŁo sinta, e Ă s grenhas bem penteadas
nĂŁo transmita a velhice suas neves.

Isto lhe pedes, e bĂȘbedo bebes
as vindimas em taças coroadas;
e pra teu ventre todas as manadas
que ApĂșlia pastam sĂŁo bocados breves.

Pedes a Deus quanto a ti te quitas;
a enfermidade e a velhice tragas
e estar isento delas solicitas.

Mas em rugosa pele dĂ­vidas pagas
das grandes bebedeiras que vomitas,
e na saĂșde que, comilĂŁo, estragas.

Tradução de José Bento

Soneto Amoroso Defendendo o Amor

SONETO AMOROSO DEFENDENDO O AMOR

É gelo abrasador, fogo gelado,
Ă© ferida que dĂłi e nĂŁo se sente,
Ă© um sonhado bem, um mal presente,
Ă© um breve descanso fatigado;

Ă© um sossego que nos dĂĄ cuidado,
um cobarde com nome de valente,
solitĂĄrio andar por entre gente,
um amar nada mais que ser amado;

Ă© uma liberdade encarcerada,
que dura atĂ© ao Ășltimo momento;
doença que piora se é tratada.

Este o menino Amor, o seu tormento.
Vede a amizade que terĂĄ com nada
o que em tudo vai contra o seu intento!

Tradução de José Bento

Qual É A Tarde Por Achar

Qual Ă© a tarde por achar
Em que teremos todos razĂŁo
E respiraremos o bom ar
Da alameda sendo verĂŁo,

Ou, sendo inverno, baste ‘star
Ao pé do sossego ou do fogão?
Qual Ă© a tarde por voltar?
Essa tarde houve, e agora nĂŁo.

Qual Ă© a mĂŁo cariciosa
Que hĂĄ de ser enfermeira minha –
Sem doenças minha vida ousa –

Oh, essa mĂŁo Ă© morta e osso …
Só a lembrança me acarinha
O coração com que não posso.

Ó Páginas Da Vida Que Eu Amava

Ó páginas da vida que eu amava,
Rompei-vos! nunca mais! tĂŁo desgraçado!…
Ardei, lembranças doces do passado!
Quero rir-me de tudo que eu amava!

E que doido que eu fui! como eu pensava
Em mĂŁo, amor de irmĂŁ! em sossegado
Adormecer na vida acalentado
Pelos lĂĄbios que eu tĂ­mido beijava!

Embora – Ă© meu destino. Em treva densa
Dentro do peito a existĂȘncia finda…
Pressinto a morte na fatal doença!…

A mim a solidĂŁo da noite infinda!
Possa dormir o trovador sem crença…
Perdoa, minha mĂŁo – eu te amo ainda!

Soneto de Contrição

Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.

Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.

Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
SĂł te amar Ă© divino, e sentir calma…

E Ă© uma calma tĂŁo feita de humildade
Que tĂŁo mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.

Sonho Africano

Ei-lo em sua choupana. A lĂąmpada, suspensa
Ao teto, oscila; a um canto, um velho e ervado fimbo;
Entrando, porta dentro, o sol forma-lhe um nimbo
Cor de cinĂĄbrio em torno Ă  carapinha densa.

Estira-se no chĂŁo… Tanta fadiga e doença!
Espreguiça, boceja… O apagado cachimbo
Na boca, nessa meia escuridĂŁo de limbo,
Mole, semicerrando os dĂșbios olhos, pensa…

Pensa na pĂĄtria, alĂ©m… As florestas gigantes
Se estendem sob o azul, onde, cheios de mĂĄgoa,
Vivem negros reptis e enormes elefantes…

Calma em tudo. Dardeja o sol raios tranquilos…
Desce um rio, a cantar… Coalham-se Ă  tona d’ĂĄgua
Em compacto apertĂŁo, os velhos crocodilos…