Musa Impassível II
Ó Musa, cujo olhar de pedra, que não chora,
Gela o sorriso ao lábio e as lágrimas estanca!
Dá-me que eu vá contigo, em liberdade franca,
Por esse grande espaço onde o impassível mora.Leva-me longe, ó Musa impassível e branca!
Longe, acima do mundo, imensidade em fora,
Onde, chamas lançando ao cortejo da aurora,
O áureo plaustro do sol nas nuvens solavanca.Transporta-me de vez, numa ascensão ardente,
À deliciosa paz dos Olímpicos-Lares
Onde os deuses pagãos vivem eternamente,E onde, num longo olhar, eu possa ver contigo
Passarem, através das brumas seculares,
Os Poetas e os Heróis do grande mundo antigo.
Sonetos Exclamativos
1366 resultadosHino À Dor
Dor, saúde dos seres que se fanam,
Riqueza da alma, psíquico tesouro,
Alegria das glândulas do choro
De onde todas as lágrimas emanam..És suprema! Os meus átomos se ufanam
De pertencer-te, oh! Dor, ancoradouro
Dos desgraçados, sol do cérebro, ouro
De que as próprias desgraças se engalanam!Sou teu amante! Ardo em teu corpo abstrato.
Com os corpúsculos mágicos do tacto
Prendo a orquestra de chamas que executas…E, assim, sem convulsão que me alvorece,
Minha maior ventura é estar de posse
De tuas claridades absolutas!
Linda Inês
Choram ainda a tua morte escura
Aquelas que chorando a memoraram;
As lágrimas choradas não secaram
Nos saudosos campos da ternura.Santa entre as santas pela má ventura,
Rainha, mais que todas que reinaram;
Amada, os teus amores não passaram
E és sempre bela e viva e loira e pura.Ó Linda, sonha aí, posta em sossêgo
No teu muymento de alva pedra fina,
Como outrora na Fonte do Mondego.Dorme, sombra de graça e de saudade,
Colo de Garça, amor, moça menina,
Bem-amada por toda a eternidade!
O Teu Olhar
Passam no teu olhar nobres cortejos,
Frotas, pendões ao vento sobranceiros,
Lindos versos de antigos romanceiros,
Céus do Oriente, em brasa, como beijos,Mares onde não cabem teus desejos;
Passam no teu olhar mundos inteiros,
Todo um povo de heróis e marinheiros,
Lanças nuas em rútilos lampejos;Passam lendas e sonhos e milagres!
Passa a Índia, a visão do Infante em Sagres,
Em centelhas de crença e de certeza!E ao sentir-te tão grande, ao ver-te assim,
Amor, julgo trazer dentro de mim
Um pedaço da terra portuguesa!
A Rua Dos Cataventos – XVII
Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!
Metempsicose
Ausentes filhas do prazer: dizei-me!
Vossos sonhos quais são, depois da orgia?
Acaso nunca a imagem fugidia
Do que fostes, em vós se agita e freme?N’outra vida e outra esfera, aonde geme
Outro vento, e se acende um outro dia,
Que corpo tinheis? que matéria fria
Vossa alma incendiou, com fogo estreme?Vós fostes nas florestas bravas feras,
Arrastando, leôas ou pantheras,
De dentadas de amor um corpo exangue…Mordei pois esta carne palpitante,
Feras feitas de gaze flutuante…
Lobas! leôas! sim, bebei meu sangue!
Never More – II
Ah! se eu pudesse nunca ver teu rosto!
E nem sequer o som de tua fala
Ouvir de manso à hora do Sol posto
Quando a Tristeza já do Céu resvala!Talvez assim o fúnebre desgosto
Que eternamente a alma me avassala
Se transformasse n’um luar de Agosto,
Sonho perene que a Ventura embala.Talvez o riso me voltasse à boca
E se extinguisse essa amargura louca
De tanta dor que a minha vida junca…E, então, os dias de prazer voltassem
E nunca mais os olhos meus chorassem…
Ah! se eu pudesse nunca ver-te, nunca!
Nervos D’Oiro
Meus nervos, guizos de oiro a tilintar
Cantam-me n’alma a estranha sinfonia
Da volúpia, da mágoa e da alegria,
Que me faz rir e que me faz chorar!Em meu corpo fremente, sem cessar,
Agito os guizos de oiro da folia!
A Quimera, a Loucura, a Fantasia,
Num rubro turbilhão sinto-As passar!O coração, numa imperial oferta.
Ergo-o ao alto! E, sobre a minha mão,
É uma rosa de púrpura, entreaberta!E em mim, dentro de mim, vibram dispersos,
Meus nervos de oiro, esplêndidos, que são
Toda a Arte suprema dos meus versos!
Lirial
Por que choras assim, tristonho lírio,
Se eu sou o orvalho eterno que te chora,
P’ra que pendes o cálice que enflora
Teu seio branco do palor do círio?!Baixa a mim, irmã pálida da Aurora,
Estrela esmaecida do Martírio;
Envolto da tristeza no delírio,
Deixa beijar-te a face que descora!Fosses antes a rosa purpurina
E eu beijaria a pétala divina
Da rosa, onde não pousa a desventura.Ai! que ao menos talvez na vida escassa
Não chorasses à sombra da desgraça,
Para eu sorrir à sombra da ventura!
Invocação à Noite
Ó deusa, que proteges dos amantes
O destro furto, o crime deleitoso,
Abafa com teu manto pavoroso
Os importantes astros vigilantes:Quero adoçar meus lábios anelantes
No seio de Ritália melindroso;
Estorva que os maus olhos do invejoso
Turbem d’amor os sôfregos instantes:Tétis formosa, tal encanto inspire
Ao namorado Sol teu níveo rosto,
Que nunca de teus braços se retire!Tarda ao menos o carro à Noite oposto,
Até que eu desfaleça, até que expire
Nas ternas ânsias, no inefável gosto.
Meu Coração
Eu tenho um coração – um mísero coitado
ainda vive a sonhar… ainda sabe viver…
– acredita que o mudo é um castelo encantado
e criança vive a rir batendo de prazer…Eu tenho um coração, – um mísero coitado
que um dia há de por fim, o mundo compreender…
– é um poeta, um sonhador, um pobre esperançado
que habita no meu peito e enche de sons meu ser…Quando tudo é matéria e é sombra – ele é uma luz…
Ainda crê na ilusão… no amor… na fantasia…
– sabe todos de cor os versos que compus…Deus pôs-me um coração com certeza enganado:
– e é por isso, talvez, que ainda faço poesia
lembrando um sonhador do século passado!…
Ouvi, Senhora, O Cântico Sentido
Ouvi, senhora, o cântico sentido
Do coração que geme e s’estertora
N’ânsia letal que o mata e que o devora,
E que tornou-o assim, triste e descrido.Ouvi, senhora, amei; de amor ferido,
As minhas crenças que alentei outrora
Rolam dispersas, pálidas agora,
Desfeitas todas num guaiar dorido.E como a luz do sol vai-se apagando!
E eu triste, triste pela vida afora,
Eterno pegureiro caminhando,Revolvo as cinzas de passadas eras,
Sombrio e mudo e glacial, senhora,
Como um coveiro a sepultar quimeras!
Quem aos Olhos Dar-me-á uma Vertente
Quem aos olhos dar-me-á uma vertente
de lágrimas, que manem noite e dia?
Ao menos a alma, enfim, respiraria,
chorando, ora o passado, ora o presente.Quem me dará, longe de toda gente,
suspiros, que me valham na agonia
já longa, que o afã tanto encobria?
Sucedeu-me depois tanto acidente!Quem me dará palavras com que iguale
tanto agravo que amor já me tem feito,
pois que tão pouco o sofrimento vale?Ah! quem ao meio me abra este meu peito,
onde jaz tanto mal, por que se exale
tamanha coita minha e meu despeito?
Em Busca Da Beleza II
Nem defini-la, nem achá-la, a ela –
A Beleza. No mundo não existe.
Ai de quem coma alma inda mais triste
Nos seres transitórios quer colhê-la!Acanhe-se a alma porque não conquiste
Mais que o banal de cada cousa bela,
Ou saiba que ao ardor de querer havê-la –
À Perfeição – só a desgraça assiste.Só quem da vida bebeu todo o vinho,
Dum trago ou não, mas sendo até o fundo,
Sabe (mas sem remédio) o bom caminho;Conhece o tédio extremo da desgraça
Que olha estupidamente o nauseabundo
Cristal inútil da vazia taça.
Natal d’um Poeta
Em certo reino, á esquina do planeta,
Onde nasceram meus Avós, meus Paes,
Ha quatro lustres, viu a luz um poeta
Que melhor fôra não a ver jamais.Mal despontava para a vida inquieta,
Logo ao nascer, mataram-lhe os ideaes,
A falsa-fé, n’uma traição abjecta,
Como os bandidos nas estradas reaes!E, embora eu seja descendente, um ramo
D’essa arvore de Heroes que, entre perigos
E guerras, se esforçaram pelo ideal:Nada me importas, Paiz! seja meu amo
O Carlos ou o Zé da Th’reza… Amigos,
Que desgraça nascer em Portugal!
Mater Originalis
Forma vermicular desconhecida
Que estacionaste, mísera e mofina,
Como quase impalpável gelatina,
Nos estados prodrômicos da vida;O hierofante que leu a minha sina
Ignorante é de que és, talvez, nascida
Dessa homogeneidade indefinida
Que o insigne Herbert Spencer nos ensina.Nenhuma ignota união ou nenhum nexo
A contingência orgânica do sexo
A tua estacionária alma prendeu…Ah! de ti foi que, autônoma e sem normas,
Oh! Mãe original das outras formas,
A minha forma lúgubre nasceu!
Cristo De Bronze
Ó Cristos de ouro, de marfim, de prata,
Cristos ideais, serenos, luminosos,
Ensangüentados Cristos dolorosos
Cuja cabeça a Dor e a Luz retrata.Ó Cristos de altivez intemerata,
Ó Cristos de metais estrepitosos
Que gritam como os tigres venenosos
Do desejo carnal que enerva e mata.Cristos de pedra, de madeira e barro…
Ó Cristo humano, estético, bizarro,
Amortalhado nas fatais injurias…Na rija cruz aspérrima pregado
Canta o Cristo de bronze do Pecado,
Ri o Cristo de bronze das luxúrias!…
Spleen De Deuses
Oh! Dá-me o teu sinistro Inferno
Dos desesperos tétricos, violentos,
Onde rugem e bramem como os ventos
Anátemas da Dor, no fogo eterno…Dá-me o teu fascinante, o teu falerno
Dos falernos das lágrimas sangrentos
Vinhos profundos, venenosos, lentos
Matando o gozo nesse horror do Averno.Assim o Deus dos Páramos clamava
Ao Demônio soturno, e o rebelado,
Capricórnio Satã, ao Deus bradava.Se és Deus-e já de mim tens triunfado,
Para lavar o Mal do Inferno e a bava
Dá-me o tédio senil do céu fechado…
Com Grandes Esperanças Já Cantei
Com grandes esperanças já cantei,
com que os deuses no Olimpo conquistara;
despois vim a chorar porque cantara
e agora choro já porque chorei.Se cuido nas passadas que já dei,
custa me esta lembrança só tão cara
que a dor de ver as mágoas que passara
tenho pola mor mágoa que passei.Pois logo, se está claro que um tormento
dá causa que outro n’alma se acrescente,
já nunca posso ter contentamento.Mas esta fantasia se me mente?
Oh! ocioso e cego pensamento!
Ainda eu imagino em ser contente?
Saudade do Teu Corpo
Tenho saudades do teu corpo: ouviste
correr-te toda a carne e toda a alma
o meu desejo – como um anjo triste
que enlaça nuvens pela noite calma?…Anda a saudade do teu corpo (sentes?…)
Sempre comigo: deita-se ao meu lado,
dizendo e redizendo que não mentes
quando me escreves: «vem, meu todo amado…»É o teu corpo em sombra esta saudade…
Beijo-lhe as mãos, os pés, os seios-sombra:
a luz do seu olhar é escuridade…Fecho os olhos ao sol para estar contigo.
É de noite este corpo que me assombra…
Vês?! A saudade é um escultor antigo!