Lamento
Um diluvio de luz cae da montanha:
Eis o dia! eis o sol! o esposo amado!
Onde ha por toda a terra um sĂł cuidado
Que nĂŁo dissipe a luz que o mundo banha?Flor a custo medrada em erma penha,
Revolto mar ou golfo congelado,
Aonde ha ser de Deus tĂŁo olvidado
Para quem paz e alivio o céo não tenha?Deus é Pae! Pae de toda a creatura:
E a todo o ser o seu amor assiste:
De seus filhos o mal sempre Ă© lembrado…Ah! se Deus a seus filhos dá ventura
N’esta hora santa… e eu sĂł posso ser triste…
Serei filho, mas filho abandonado!
Sonetos sobre Flores
255 resultadosIdéia-Mãe
Ergueis ousadamente o templo das idéias
Assim como uns herĂłis, por sobre os vossos ombros
E ides atravĂ©s de um negro mar d’escombros,
Traçando pelo ar as loiras epopéias.A luz tem para vós os filtros magnéticos
Que andam pela flor e brincam pela estrela.
E vĂłs amais a luz, gostais sempre de vĂŞ-la
Em amplo cintilar — nuns ĂŞxtases patĂ©ticos.É esse o aspirar do sĂ©c’lo que deslumbra,
Que rasga da ciência a tétrica penumbra
E gera VĂtor Hugo, Haeckel e LittrĂ©.É esse o grande — Fiat — que rola no infinito!…
É esse o palpitar, homérico e bendito,
De todo o ser que vive, estuda, pensa e lĂŞ!!…
Hino À Razão
Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece.
É a voz dum coração que te apetece,
Duma alma livre só a ti submissa.Por ti é que a poeira movediça
De astros, sĂłis e mundos permanece;
E Ă© por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroĂsmo medra e viça.Por ti, na arena trágica, as nações
buscam a liberdade entre clarões;
e os que olham o futuro e cismam, mudos,Por ti podem sofrer e nĂŁo se abatem,
MĂŁe de filhos robustos que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!
Amo-te Sem Saber Como
Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio
ou seta de cravos que propagam o fogo:
amo-te como se amam certas coisas obscuras,
secretamente, entre a sombra e a alma.Amo-te como a planta que nĂŁo floriu e tem
dentro de si, escondida, a luz das flores,
e, graças ao teu amor, vive obscuro em meu corpo
o denso aroma que subiu da terra.Amo-te sem saber como, nem quando, nem onde,
amo-te directamente sem problemas nem orgulho:
amo-te assim porque não sei amar de outra maneira,a não ser deste modo em que nem eu sou nem tu és,
tĂŁo perto que a tua mĂŁo no meu peito Ă© minha,
tĂŁo perto que os teus olhos se fecham com meu sono.
VĂłs Outros! que Dizeis que o Amor Ă© um SuplĂcio
VĂłs outros! que dizeis que o Amor Ă© um suplĂcio,
Que a flor da Decepção se abre em todo o Prazer,
Que aconselhais Ă Alma o mosteiro, e o cilĂcio,
Pois nada pode consolar-nos de viver:Ponde os olhos em mim, neste celeste Amor
Que me vai desdobrando e alumiando o caminho,
Mesmo quando o alto Céu, sem frescura e sem cor,
Tem as engelhas de algum velho pergaminho…Vede como eu quero viver, por merecĂŞ-la,
Eu que sou pecador, a ela longĂnqua Estrela!
No esforço de ser bom, branco como um altar:De modo que a minha Alma, enfim, fique tão crente,
Que se possa casar Ă sua estreitamente,
Como um floco de neve a um raio de luar!
Madalena
…e lhe regou de lágrimas os pĂ©s e os enxugou com os cabelos da sua cabeça. Evangelho de S. Lucas.
Ă“ Madalena, Ăł cabelos de rastos,
LĂrio poluĂdo, branca flor inĂştil…
Meu coração, velha moeda fútil,
E sem relevo, os caracteres gastos,De resignar-se torpemente dĂşctil…
Desespero, nudez de seios castos,
Quem também fosse, ó cabelos de rastos,
Ensangüentado, enxovalhado, inútil,Dentro do peito, abominável cômico!
Morrer tranqĂĽilo, – o fastio da cama…
Ă“ redenção do mármore anatĂ´mico,Amargura, nudez de seios castos!…
Sangrar, poluir-se, ir de rastos na lama,
Ă“ Madalena, Ăł cabelos de rastos!
Afrodite I
Móvel, festivo, trépido, arrolando,
Ă€ clara voz, talvez da turba iriada
De sereias de cauda prateada,
Que vĂŁo com o vento os carmes concertando,O mar, – turquesa enorme, iluminada,
Era, ao clamor das águas, murmurando,
Como um bosque pagĂŁo de deuses, quando
Rompeu no Oriente o pálio da alvorada.As estrelas clarearam repentinas,
E logo as vagas sĂŁo no verde plano
Tocadas de ouro e irradiações divinas;O oceano estremece, abrem-se as brumas,
E ela aparece nua, Ă flor de oceano,
Coroada de um cĂrculo de espumas.
Amor Verdadeiro
Tua frieza aumenta o meu desejo:
fecho os meus olhos para te esquecer,
mas quanto mais procuro nĂŁo te ver,
quanto mais fecho os olhos mais te vejo.Humildemente atrás de ti rastejo,
humildemente, sem te convencer,
enquanto sinto para mim crescer
dos teus desdĂ©ns o frĂgido cortejo.Sei que jamais hei de possuir-te, sei
que outro feliz, ditoso como um rei
enlaçará teu virgem corpo em flor.Meu coração no entanto não se cansa:
amam metade os que amam com espr’ança,
amar sem espr’ança Ă© o verdadeiro amor.
Vaso ChinĂŞs
Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.Mas, talvez por contraste Ă desventura,
Quem o sabe?… de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura.Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,
Sentia um nĂŁo sei quĂŞ com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.
Pacto Das Almas (II) Longe De Tudo
É livre, livre desta vã matéria,
Longe, nos claros astros peregrinos
Que havereemos de encontrar os dons divinos
E a grande paz, a grande paz sidérea.Cá nesta humana e trágica miséria,
Nestes surdos abismos assassinos
Termos de colher de atros destinos
A flor apodrecida e deletéria.O baixo mundo que troveja e brama
SĂł nos mostra a caveira e sĂł a lama,
Ah! sĂł a lama e movimentos lassos…Mas as almas irmĂŁs, almas perfeitas,
Hão de trocar, nas Regiões eleitas,
Largos, profundos, imortais abraços!
Discreta e FormosĂssima Maria
Discreta e formosĂssima Maria,
Enquanto estamos vendo claramente,
Na vossa ardente vista o sol ardente,
E na rosada face a aurora fria:Enquanto pois produz, enquanto cria
Essa esfera gentil, mina excelente
No cabelo o metal mais reluzente,
E na boca a mais fina pedraria:Gozai, gozai da flor da formosura,
Antes que o frio da madura idade
Tronco deixe despido, o que Ă© verdura.Que passado o zĂŞnith da mocidade,
Sem a noite encontrar da sepultura,
É cada dia ocaso da beldade.
Vendo A Anarda Depõe O Sentimento
A serpe, que adornando várias cores,
com passos mais oblĂquos, que serenos,
entre belos jardins, prados amenos,
Ă© maio errante de torcidas flores;se quer matar da sede os desfavores,
Os cristais bebe com a peçonha menos,
por que nĂŁo morra com os mortais venenos,
se acaso gosta dos vitais licores.Assim também meu coração queixoso,
na sede ardente do feliz cuidado
bebe cos olhos teu cristal formoso;Pois para nĂŁo morrer no gosto amado,
depõe logo o tormento venenoso,
se acaso gosta o cristalino agrado.
Num Bosque Que Das Ninfas Se Habitava
Num bosque que das Ninfas se habitava
SĂlvia, Ninfa linda, andava um dia;
subida nüa árvore sombria,
as amarelas flores apanhava.Cupido, que ali sempre costumava
a vir passar a sesta Ă sombra fria,
num ramo o arco e setas que trazia,
antes que adormecesse, pendurava.A Ninfa, como idĂłneo tempo vira
para tamanha empresa, nĂŁo dilata,
mas com as armas foge ao Moço esquivo.As setas traz nos olhos, com que tira:
-Ă“ pastores! fugi, que a todos mata,
senĂŁo a mim, que de matar me vivo.
Primavera
A meu irmĂŁo Odilon dos Anjos
Primavera gentil dos meus amores,
– Arca cerĂşlea de ilusões etĂ©reas,
Chova-te o Céu cintilações sidéreas
E a terra chova no teu seio flores!Esplende, Primavera, os teus fulgores,
Na auréola azul dos dias teus risonhos,
Tu que sorveste o fel das minhas dores
E me trouxeste o néctar dos teus sonhos!Cedo virá, porém, o triste outono,
Os dias voltarĂŁo a ser tristonhos
E tu hás de dormir o eterno sono,Num sepulcro de rosas e de flores,
Arca sagrada de cerĂşleos sonhos,
Primavera gentil dos meus amores!
Existo
Seu amor me fez real, e me deu sentido
da alegria de ser, total, completamente…
Fez de um pobre poeta em sonhos consumido
alguém que tem nas mãos um mundo! e sofre, e sente!Seu amor foi a vida a irromper da semente
de um velho coração cansado e ressequido,
o verde que voltou ao ramo nu, pendente,
a imprevisĂvel flor, o fruto inconcebido…Seu amor foi milagre a cantar pelo chĂŁo
como a água, no agreste, a acenar ao viajante
a esperança, o prazer, a vida, a salvação…Passo a existir, quem sabe ? apenas porque amei…
E ela existe talvez, a partir deste instante
porque ela e o seu amor… em versos transformei!
Palavras
Ah! como me parece inĂştil tudo quando
sobre nos tenho escrito e hei de ainda compor…
não há verso que valha uma gota de pranto
nem poema que traduza um segundo de dor.Nem palavra que exprima a singeleza e o encanto
de um pedaço do céu, de um olhar, de uma flor!
Ah! como me parece inĂştil tudo quanto
na vida, tenho escrito sobre o nosso amor.NĂŁo devia existir a palavra… Devia
existir tĂŁo somente a infinita poesia
dos gestos e da luz, – que o amor do meu enlevoquando o sinto, Ă© profundo, indefinido e imenso,
mas se o chĂŁo tĂŁo grande quando nele penso
parece-me tĂŁo pouco se sobre ele escrevo!
A uma Mulher
Para tristezas, para dor nasceste.
Podia a sorte pôr-te o berço estreito
N’algum palácio e ao pĂ© de rĂ©gio leito,
Em vez d’este areal onde cresceste:Podia abrir-te as flores — com que veste
As ricas e as felizes — n’esse peito:
Fazer-te… o que a Fortuna há sempre feito…
Terias sempre a sorte que tiveste!Tinhas de ser assim… Teus olhos fitos,
Que nĂŁo sĂŁo d’este mundo e onde eu leio
Uns mistérios tão tristes e infinitos,Tua voz rara e esse ar vago e esquecido,
Tudo me diz a mim, e assim o creio,
Que para isto sĂł tinhas nascido!
Soneto À Tua Volta
Voltaste, meu amor… enfim voltaste!
Como fez frio aqui sem teu carinho….
A flor de outrora refloresce na haste
que pendia sem vida em meu caminho.Obrigado… Eu vivia tĂŁo sozinho…
Que infinita alegria, e que contraste!
-Volta a antiga embriaguez porque voltaste
e Ă© doce o amor, porque Ă© mais velho o vinho!Voltaste… E dou-te logo este poema
simples e humilde repetindo um tema
da alma humana esgotada e envelhecida…Mil poetas outras voltas celebraram,
mas, que importa? se tantas já voltaram
sĂł tu voltaste para a minha vida…
As Minhas Ilusões
Hora sagrada dum entardecer
De Outono, Ă beira-mar, cor de safira,
Soa no ar uma invisĂvel lira …
O sol Ă© um doente a enlanguescer …A vaga estende os braços a suster,
Numa dor de revolta cheia de ira,
A doirada cabeça que delira
Num Ăşltimo suspiro, a estremecer!O sol morreu … e veste luto o mar …
E eu vejo a urna de oiro, a balouçar,
À flor das ondas, num lençol de espuma.As minhas Ilusões, doce tesoiro,
Também as vi levar em urna de oiro,
No mar da Vida, assim … uma por uma …
Campesinas IX
Morreste no campo um dia,
Como uma flor desprezada.
Clareava a madrugada
Azul, vaporosa e fria.Sobre a agreste serrania,
Numa ermida branqueada
Por uma manhĂŁ doirada
Um sino repercutia.Teu caixĂŁo, de camponesas
E camponeses seguido,
Desceu abaixo Ă s devesas.Ganhou o atalho comprido
De casas em correntezas
E entrou num campo florido.