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(À morte da esposa)
Ó alma pura enquanto cá vivias,
Alma, lá onde vives, já mais pura,
Porque me desprezaste? Quem tão dura
Te tornou ao amor que me devias?Isto era o que mil vezes prometias,
Em que minha alma estava tão segura?
Que ambos juntos Da hora desta escura
Noute nos subiria aos claros dias?Como em tão triste cárcer’ me deixaste?
Como pude eu sem mi deixar partir-te?
Como vive este corpo sem sua alma?Ah! que o caminho tu bem mo mostraste,
Porque correste à gloriosa palma!
Triste de quem não mereceu seguir-te!
Sonetos sobre Horas de António Ferreira
3 resultadosOs Dias Conto, e cada Hora, e Momento
Os dias conto, e cada hora, e momento
qu’ alongando-me vou dos meus amores.
Nas árvores, nas pedras, ervas, flores,
parece que acho mágoa, e sentimento.As aves que no ar voam, o sol, e o vento,
montes, rios, e gados, e pastores,
as estradas, e os campos, mostram as dores
da minha saudade, e apartamento.E quanto m’era lá doce, e suave,
mais triste, e duro Amor cá mo apresenta,
a que entreguei da minha vida a chave.Em lágrimas força é qu’ as faces lave,
ou que não sinta a dor que na tormenta
memória da bonança faz mais grave.
Erra a Minha Alma, em Contemplar-vos Tanto
S’erra minh’alma, em contemplar-vos tanto,
E estes meus olhos tristes, em vos ver,
S’erra meu amor grande, em não querer
Crer que outra cousa há ai de mor espanto,S’erra meu espírito, em levantar seu canto
Em vós, e em vosso nome só escrever,
S’erra minha vida, em assim viver
Por vós continuamente em dor, e pranto,S’erra minha esperança, em se enganar
Já tantas vezes, e assim enganada
Tornar-se a seus enganos conhecidos,S’erra meu bom desejo, em confiar
Que algu’hora serão meus males cridos,
Vós em meus erros só sereis culpada.