Sonetos Interrogativos

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Sonetos interrogativos sobre diversos assuntos para ler e compartilhar. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Indo O Triste Pastor Todo Embebido

Indo o triste pastor todo embebido
na sombra de seu doce pensamento,
tais queixas espalhava ao leve vento
cum brando suspirar da alma saído:

-A quem me queixarei, cego, perdido,
pois nas pedras não acho sentimento?
Com quem falo? A quem digo meu tormento
que onde mais chamo, sou menos ouvido?

Oh! bela Ninfa, porque não respondes?
Porque o olhar-me tanto me encareces?
Porque queres que sempre me querele?

Eu quanto mais te vejo, mais te escondes!
Quanto mais mal me vês, mais te endureces!
Assi que co mal cresce a causa dele.

Quem Sabe?…

Ao Ângelo

Queria tanto saber por que sou Eu!
Quem me enjeitou neste caminho escuro?
Queria tanto saber por que seguro
Nas minhas mãos o bem que não é meu!

Quem me dirá se, lá no alto, o céu
Também é para o mau, para o perjuro?
Para onde vai a alma que morreu?
Queria encontrar Deus! Tanto o procuro!

A estrada de Damasco, o meu caminho,
O meu bordão de estrelas de ceguinho,
Água da fonte de que estou sedenta!

Quem sabe se este anseio de Eternidade,
A tropeçar na sombra, é a Verdade,
É já a mão de Deus que me acalenta?

À Sua Velhice

Meu corpo assaz tem sido espicaçado
Com buídos punhais, por mão da Morte,
Que arrebatado tem, da minha corte,
Grande rancho de quanto tenho amado.

Não me poupa a cruel no triste estado
Do caduco viver da minha Sorte:
Quando era vigoroso, moço forte,
Suportava com mais valor meu Fado.

Então as minhas ásperas feridas
Não tinham para mim tardias curas,
Porque o Tempo receitas tem, sabidas.

Mas velho e c’o vapor das sepulturas,
Como posso curar as desabridas
Chagas, das minhas novas amarguras?

Que Importa?…

Eu era a desdenhosa, a indif’rente.
Nunca sentira em mim o coração
Bater em violências de paixão
Como bate no peito à outra gente.

Agora, olhas-me tu altivamente,
Sem sombra de Desejo ou de emoção,
Enquanto a asa loira da ilusão
Dentro em mim se desdobra a um sol nascente.

Minh’alma, a pedra, transformou-se em fonte;
Como nascida em carinhoso monte
Toda ela é riso, e é frescura, e graça!

Nela refresca a boca um só instante…
Que importa?… Se o cansado viandante
Bebe em todas as fontes… quando passa?…

Na Ribeira Do Eufrates Assentado

Na ribeira do Eufrates assentado,
discorrendo me achei pela memória
aquele breve bem, aquela glória,
que em ti, doce Sião, tinha passado.

Da causa de meus males perguntado
me foi: Como não cantas a história
de teu passado bem, e da vitória
que sempre de teu mal hás alcançado?

Não sabes, que a quem canta se lhe esquece
o mal, inda que grave e rigoroso?
Canta, pois, e não chores dessa sorte.

Respondo com suspiros: Quando crece
a muita saudade, o piadoso
remédio é não cantar senso a morte.

Mendiga

Na vida nada tenho e nada sou;
Eu ando a mendigar pelas estradas…
No silêncio das noites estreladas
Caminho, sem saber para onde vou!

Tinha o manto do sol… quem mo roubou?!
Quem pisou minhas rosas desfolhadas?!
Quem foi que sobre as ondas revoltadas
A minha taça de oiro espedaçou?!

Agora vou andando e mendigando,
Sem que um olhar dos mundos infinitos
Veja passar o verme, rastejando…

Ah, quem me dera ser como os chacais
Uivando os brados, rouquejando os gritos
Na solidão dos ermos matagais!…

Soneto de Mal Amar

Invento-te    recordo-te   distorço
a tua imagem mal e bem amada
sou apenas a forja em que me forço
a fazer das palavras tudo ou nada.

A palavra desejo incendiada
lambendo a trave mestra do teu corpo
a palavra ciúme atormentada
a provar-me que ainda não estou morto.

E as coisas que eu não disse? Que não digo:
Meu terraço de ausência    meu castigo
meu pântano de rosas afogadas.

Por ti me reconheço e contradigo
chão das palavras mágoa joio e trigo
apenas por ternura levedadas.

LXVIII

Apenas rebentava no oriente
A clara luz da aurora, quando Fido,
O repouso deixando aborrecido,
Se punha a contemplar no mal, que sente.

Vê a nuvem, que foge ao transparente
Anúncio do crepúsculo luzido;
E vê de todo em riso convertido
O horror, que dissipara o raio ardente.

Por que (diz) esta sorte, que se alcança
Entre a sombra, e a luz, não sinto agora
No mal, que me atormenta, e que me cansa?

Aqui toda a tristeza se melhora:
Mas eu sem o prazer de uma esperança
Passo o ano, e o mês, o dia, a hora.

Soneto VIII – O Tempo

Deus pede estrita conta de meu tempo,
É forçoso do tempo já dar conta;
Mas, como dar sem tempo tanta conta,
Eu que gastei sem conta tanto tempo?

Para ter minha conta feita a tempo
Dado me foi bem tempo e não foi conta.
Não quis sobrando tempo fazer conta,
Quero hoje fazer conta e falta tempo.

Oh! vós que tendes tempo sem ter conta
Não gasteis esse tempo em passatempo:
Cuidai enquanto é tempo em fazer conta.

Mas, oh! se os que contam com seu tempo
Fizessem desse tempo alguma conta,
Não choravam como eu o não ter tempo.

Pois se para os Amar não Foram Feitos

Pois se para os amar não foram feitos,
Senhor, aqueles olhos soberanos,
Porque, por tantos modos, mais que humanos,
Pintando os estivestes tão perfeitos?

Se tais palavras e se tais conceitos,
Tão divinas, tão longe de profanos,
Não destes por oráculo aos enganos,
Com que Amor vive nos mais altos peitos,

Porque, Senhor, tanta beleza junta,
Tanta graça e tal ser lhe foi deitado,
Qual ídolo nenhum gozara antigo?

Mas como respondeis a esta pergunta?
Que ou para disculpar o meu pecado,
Ou para eternizar o meu castigo?

Porque Descrês, Mulher, do Amor, da Vida?

Porque descrês, mulher, do amor, da vida?
Porque esse Hermon transformas em Calvario?
Porque deixas que, aos poucos, do sudario
Te aperte o seio a dobra humedecida?

Que visão te fugio, que assim perdida
Buscas em vão n’este ermo solitario?
Que signo obscuro de cruel fadario
Te faz trazer a fronte ao chão pendida?

Nenhum! intacto o bem em ti assiste:
Deus, em penhor, te deu a formosura;
Bençãos te manda o céo em cada hora.

E descrês do viver?… E eu, pobre e triste,
Que só no teu olhar leio a ventura,
Se tu descrês, em que hei-de eu crer agora?

Se tanta pena tenho merecida

Se tanta pena tenho merecida
Em pago de sofrer tantas durezas,
Provai, Senhora, em mim vossas cruezas,
Que aqui tendes u~a alma oferecida.

Nela experimentai, se sois servida,
Desprezos, desfavores e asperezas,
Que mores sofrimentos e firmezas
Sustentarei na guerra desta vida.

Mas contra vosso olhos quais serão?
Forçado é que tudo se lhe renda,
Mas porei por escudo o coração.

Porque, em tão dura e áspera contenda,
É bem que, pois não acho defensão,
Com me meter nas lanças me defenda.

Vita Nuova

Se ao mesmo gozo antigo me convidas,
Com esses mesmos olhos abrasados,
Mata a recordação das horas idas,
Das horas que vivemos apartados!

Não me fales das lágrimas perdidas,
Não me fales dos beijos dissipados!
Há numa vida humana cem mil vidas,
Cabem num coração cem mil pecados!

Amo-te! A febre, que supunhas morta,
Revive. Esquece o meu passado, louca!
Que importa a vida que passou? que importa,

Se inda te amo, depois de amores tantos,
E inda tenho, nos olhos e na boca,
Novas fontes de beijos e de prantos?!

Meu Coração é um Enorme Estrado

Conclusão a sucata !… Fiz o cálculo,
Saiu-me certo, fui elogiado…
Meu coração é um enorme estrado
Onde se expõe um pequeno animálculo…

A microscópio de desilusões
Findei, prolixo nas minúcias fúteis…
Minhas conclusões práticas, inúteis…
Minhas conclusões teóricas, confusões…

Que teorias há para quem sente
O cérebro quebrar-se, como um dente
Dum pente de mendigo que emigrou ?

Fecho o caderno dos apontamentos
E faço riscos moles e cinzentos
Nas costas do envelope do que sou…

O Sol Da Tarde

Aquela tarde em que eu estava em Roma,
aquela tarde com sol da manhã,
como ser só a tarde, se era a soma
do sol filtrado pela telha vã?

Assim são sob o sol todas as tardes:
são clarões e janelas, são aromas,
e o silêncio que cala o vão alarde
da tarde que se estende sobre Roma.

Sob o sol que declina, aqui estou
esperando que a noite caia em Roma
como um pálio que oculta o nada e a morte.

Roma dos obeliscos e sarcófagos!
Depois de tanto sol e tanto vento
a noite desce e eu sou a noite e pó.

Vossos Olhos, Senhora, Que Competem

Vossos olhos, Senhora, que competem
co Sol em fermosura e claridade,
enchem os meus de tal suavidade
que em lágrimas, de vê-los, se derretem.

Meus sentidos vencidos se sometem
assi cegos a tanta majestade;
e da triste prisão, da escuridade,
cheios de medo, por fugir remetem.

Mas se nisto me vedes por acerto,
o áspero desprezo com que olhais
torna a espertar a alma enfraquecida.

Ó gentil cura e estranho desconcerto!
Que fará o favor que vós não dais,
quando o vosso desprezo torna a vida?

Tempo É Já Que Minha Confiança

Tempo é já que minha confiança
se desça de üa falsa opinião;
mas Amor não se rege por razão;
não posso perder, logo, a esperança.

A vida, si; que üa áspera mudança
não deixa viver tanto um coração.
E eu na morte tenho a salvação?
Si, mas quem a deseja não a alcança.

Forçado é logo que eu espere e viva.
Ah! dura lei de Amor, que não consente
quietação nüa alma que é cativa!

Se hei de viver, enfim, forçadamente,
para que quero a glória fugitiva
de üa esperança vã que me atormente?

A Árvore Da Serra

– As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho…
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!

– Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pos almas nos cedros… no junquilho…
Esta árvore, meu pai, possui minh’alma! …

– Disse – e ajoelhou-se, numa rogativa:
“Não mate a árvore, pai, para que eu viva!”
E quando a árvore, olhando a pátria serra,

Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!

Assim

Assim foi nosso amor… um sonho que viveu
de um sonho, e despertou na realidade um dia…
Um pouco de quimera ao léu da fantasia…
Um flor que brotou e num botão morreu…

Embora sendo nosso, este amor foi só meu,
porque o teu, não foi mais que pura hipocrisia,
– no fundo, há muito tempo, a minha alma sentia
este fim que o destino afinal já lhe deu…

Não podes, bem o sei – sendo mulher como és,
saber quanto sofri, vendo esta flor desfeita
e as pétalas no chão, pisadas por teus pés…

Que importa ? Hás de sofrer mais tarde – a vida é assim…
Esse mesmo sorrir que agora te deleita
é o mesmo que depois há de amargar teu fim!…

Soneto V

Eu cantarei de amor tão novamente,
Se me ouve aquela de quem sempre canto,
Que de mim dor e magoa, e dela espanto
Terá a mais fera, inculta e dura gente.

E ela que assi tão crua e indinamente
Dura aos meus choros é, surda ao meu canto,
Algüa parte crerá (se não for tanto
Como eu desejo) do que esta alma sente.

Mas como esperarei achar piedade
De mim nem em mim mesmo, se ela nega
(Não peço brandos já) duros ouvidos?

Se nega um volver de olhos com que cega
A luz e dá só escuro claridade,
Como serão meus danos nunca cridos?