Sonetos sobre Luta

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Sonetos de luta escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

As Montanhas

II

Agora, oh! deslumbrada alma perscruta
O puerpério geológico interior,
De onde rebenta, em contrações de dor,
Toda a sublevação da crusta hirsuta!

No curso inquieto da terráquea luta
Quantos desejos férvidos de amor
Não dormem, recalcados, sob o horror
Dessas agregações de pedra bruta?!

Como nesses relevos orográfícos,
Inacessíveis aos humanos tráficos
Onde sóis, em semente, amam jazer,

Quem sabe, alma, se o que ainda não existe
Não vive em gérmen no agregado triste
Da síntese sombria do meu Ser?!

Soneto 279 A Leila Míccolis

Que tem de pequenina, tem de terna.
Concentra em si um pouquinho da maneira
de cada mulher brava brasileira:
Pagu, Tarsila, Anita. Ela é moderna.

Por décadas de luta, já governa
o mundo alternativo, farta feira
de arte, em vibrações de feiticeira:
Assim é Leila Míccolis, eterna.

Respeito a seus direitos ela cobra.
Ao bom comportamento é sempre avessa.
À fácil caretice não se dobra.

A frase lapidar dessa cabeça
é verso que resume grande obra:
“Falo do óbvio, antes que me esqueça.”

No Meu Peito Arde Em Chamas Abrasada

No meu peito arde em chamas abrasada
A pira da vingança reprimida,
E em centelhas de raiva ensurdecida
A vingança suprema e concentrada.

E espuma e ruge a cólera entranhada,
Como no mar a vaga embravecida
Vai bater-se na rocha empedernida,
Espumando e rugindo em marulhada.

Mas se das minhas dores ao calvário,
Eu subo na atitude dolorida
De um Cristo a redimir um mundo vário,

Em luta co’a natura sempiterna,
Já que do mundo não vinguei-me em vida,
A morte me será vingança eterna.

No Circo

(A João de Deus)

Muito longe d’aqui, nem eu sei quando,
Nem onde era esse mundo, em que eu vivia…
Mas tão longe… que até dizer podia
Que enquanto lá andei, andei sonhando…

Porque era tudo ali aéreo e brando,
E lúcida a existência amanhecia…
E eu… leve como a luz… até que um dia
Um vento me tomou, e vim rolando…

Caí e achei-me, de repente, involto
Em luta bestial, na arena fera,
Onde um bruto furor bramia solto.

Senti um monstro em mim nascer n’essa hora,
E achei-me de improviso feito fera…
— É assim que rujo entre leões agora!

Ó Máquinas Febris

Ó máquinas febris! eu sinto a cada passo,
nos silvos que soltais, aquele canto imenso,
que a nova geração nos lábios traz suspenso
como a estância viril duma epopeia d’aço!

Enquanto o velho mundo arfando de cansaço
prostrado cai na luta; em fumo negro e denso
levanta-se a espiral desse moderno incenso
que ofusca os deuses vãos, anuviando o espaço!

Vós sois as criações fulgentes, fabulosas,
que, vibrantes, cruéis, de lavas sequiosas,
mordeis o pedestal da velha Majestade!

E as grandes combustões que sempre vos consomem
começam, num cadinho, a refundir o homem
fazendo ressurgir mais larga a Humanidade!

Acusam-me de Mágoa e Desalento

Acusam-me de mágoa e desalento,
como se toda a pena dos meus versos
não fosse carne vossa, homens dispersos,
e a minha dor a tua, pensamento.

Hei-de cantar-vos a beleza um dia,
quando a luz que não nego abrir o escuro
da noite que nos cerca como um muro,
e chegares a teus reinos, alegria.

Entretanto, deixai que me não cale:
até que o muro fenda, a treva estale,
seja a tristeza o vinho da vingança.

A minha voz de morte é a voz da luta:
se quem confia a própria dor perscruta,
maior glória tem em ter esperança.

Sepultura Romântica

Ali, onde o mar quebra, n’um cachão
Rugidor e monótono, e os ventos
Erguem pelo areal os seus lamentos,
Ali se há-de enterrar meu coração.

Queimem-no os sóis da adusta solidão
Na fornalha do estio, em dias lentos;
Depois, no inverno, os sopros violentos
Lhe revolvam em torno o árido chão…

Até que se desfaça e, já tornado
Em impalpavel pó, seja levado
Nos turbilhões que o vento levantar…

Com suas lutas, seu cansado anseio,
Seu louco amor, dissolva-se no seio
D’esse infecundo, d’esse amargo mar!

Máscara Mortuária De Graciliano Ramos

Feito só, sua máscara paterna
Sua máscara tosca de acridoce
Feição, sua máscara austerizou-se
Numa preclara decisão eterna.

Feito só, feito pó, desencantou-se
Nele o intimo arcanjo, a chama interna
Da paixão em que sempre se queimou
Seu duro corpo que ora longe inverna.

Feito pó, feito pólem, feito fibra
Feito pedra, feito o que é morto e vibra
Sua mácara enxuta de homem forte

Isto revela em seu silêncio à escuta:
Numa severa afirmação da luta
Uma impassível negação da morte.

Verônica

Não a face do Cristo, a macilenta
Face do Cristo, a dolorosa face…
O martírio da Cruz passou fugace
E este Martírio, esta Paixão é lenta.

Um vivo sangue a face te ensangüenta,
Mais vivo que se o Deus o derramasse;
Porque esta vã paixão, para que passe,
É mister dos Titãs a luta incruenta.

Se tu, Visão da Luz, Visão sagrada
Queres ser a Verônica sonhada,
Consoladora dessa dor sombria

Impressa ficara no teu sudário
Não a face do Cristo do Calvário
Mas a face convulsa da Agonia!

Divina Comédia

Erguendo os braços para o céu distante
E apostrofando os deuses invisíveis,
Os homens clamam: — «Deuses impassíveis,
A quem serve o destino triunfante,

Porque é que nos criastes?! Incessante
Corre o tempo e só gera, inestinguíveis,
Dor, pecado, ilusão, lutas horríveis,
N’um turbilhão cruel e delirante…

Pois não era melhor na paz clemente
Do nada e do que ainda não existe,
Ter ficado a dormir eternamente?

Porque é que para a dor nos evocastes?»
Mas os deuses, com voz inda mais triste,
Dizem: — «Homens! por que é que nos criastes?»

A Idéia

De onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!

Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!

Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas do laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica …

Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No mulambo da língua paralítica

Fetichismo

Homem, da vida as sombras inclementes
Interrogas em vão: – Que céus habita
Deus? Onde essa região de luz bendita,
Paraíso dos justos e dos crentes?…

Em vão tateiam tuas mãos trementes
As entranhas da noite erma, infinita,
Onde a dúvida atroz blasfema e grita,
E onde há só queixas e ranger de dentes…

A essa abóbada escura, em vão elevas
Os braços para o Deus sonhado, e lutas
Por abarcá-lo; é tudo em torno trevas…

Somente o vácuo estreitas em teus braços;
E apenas, pávido, um ruído escutas,
Que é o ruído dos teus próprios passos!…

Meu Ser Evaporei na Luta Insana

Meu ser evaporei na luta insana
Do tropel de paixões que me arrastava:
Ah! cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
Em mim quasi imortal a essência humana!

De que inúmeros sóis a mente ufana
Existência falaz me não dourava!
Mas eis sucumbe Natureza escrava
Ao mal, que a vida em sua origem dana.

Prazeres, sócios meus, e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si não coube,
No abismo vos sumiu dos desenganos

Deus, ó Deus!… quando a morte a luz me roube,
Ganhe um momento o que perderam anos,
Saiba morrer o que viver não soube.

Sempre a Razão vencida foi de Amor

Sempre a Razão vencida foi de Amor;
Mas, porque assim o pedia o coração,
Quis Amor ser vencido da Razão.
Ora que caso pode haver maior!

Novo modo de morte e nova dor!
Estranheza de grande admiração,
Que perde suas forças a afeição,
Por que não perca a pena o seu rigor.

Pois nunca houve fraqueza no querer,
Mas antes muito mais se esforça assim
Um contrário com outro por vencer.

Mas a Razão, que a luta vence, enfim,
Não creio que é Razão; mas há-de ser
Inclinação que eu tenho contra mim.

Transcedentalismo

Já sossega, depois de tanta luta,
Já me descansa em paz o coração.
Caí na conta, enfim, de quanto é vão
O bem que ao Mundo e à Sorte se disputa.

Penetrando, com fronte não enxuta,
No sacrário do templo da Ilusão,
Só encontrei, com dor e confusão,
Trevas e pó, uma matéria bruta…

Não é no vasto Mundo – por imenso
Que ele pareça à nossa mocidade –
Que a alma sacia o seu desejo intenso…

Na esfera do invisível, do intangível,
Sobre desertos, vácuo, soledade,
Voa e paira o espírito impassível!

Dualidade

Sei que é Amor, meu amor…porque o desejo
o meu próprio desejo tão violento,
dir-se-ia ter pudor, ter sentimento,
quando estás junto a mim, quando te vejo.

É um clarim a vibrar como um harpejo,
misto de impulso e de deslumbramento.
Sei que é Amor, meu amor…porque o desejo
é desejo e ternura a um só momento.

Beijo-te a boca, as mãos, e hei de beijar-te
nessa dupla emoção, (violento e terno)
em que a minha alma inteira se reparte,

– e a perceber em meu estranho ardor,
que há uma luta entre o efêmero e o eterno,
entre um demônio e um anjo em todo Amor!

Soneto 568 Nazaretado

Uns dizem que de índia tinha cara;
a outros parecia um rapazelho.
Famoso mesmo foi o seu joelho,
além da voz, que mais se aveludara.

Veludo, mas cortante, coisa rara:
quer fosse a Lindonéia nosso espelho
ou fosse o Carcará bordão vermelho,
o fato é que, no mapa, a nata é Nara.

Da Bossa Nova é musa mais bem-quista.
Tropicalista diva, brilha quieta.
Rebelde mais serena não se avista.

Foi ídolo, na luta, do poeta,
ao mesmo tempo olímpica e humanista,
pois Nara é nata, é nota, é gata, é neta.