Estas Risadas
Estas risadas lĂmpidas e frescas
Que Pan trauteia em cálamos maviosos
Nesta amplidĂŁo dos campos verdurosos,
Nestas paisagens flĂłreas, pitorescas;Toda esta pompa e gala principescas
Destas searas, destes altanosos
Montes e várzeas, prados vigorosos,
Louros — talvez como as visões tudescas;Este luxuoso e rico paramento,
Feito de luz e de deslumbramento
— Do grande altar da natureza imensa.Aguarda o poeta sacerdote augusto,
Para cantar no seu missal robusto,
A nova Missa da razĂŁo que pensa…
Sonetos sobre Luz
465 resultadosCaminho
I
Tenho sonhos cruĂ©is; n’alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente…Saudades desta dor que em vĂŁo procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum vĂ©u escuro!…Porque a dor, esta falta d’harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o cĂ©u d’agora,Sem ela o coração Ă© quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque Ă© sĂł madrugada quando chora.
TristĂŞza
O sol do outomno, as folhas a cair,
A minha voz baixinho soluçando,
Os meus olhos, em lagrimas, beijando
A terra, e o meu espirito a sorrir…Eis como a minha vida vae passando
Em frente ao seu Phantasma… E fico a ouvir
Silencios da minh’alma e o resurgir
De mortos que me fĂ´ram sepultando…E fico mudo, extatico, parado
E quasi sem sentidos, mergulhando
Na minha viva e funda intimidade…SĂł a longinqua estrela em mim actua…
Sou rocha harmoniosa á luz da lua,
Petreficada esphinge de saudade…
A Grande Sede
Se tens sede de Paz e d’Esperança,
Se estás cego de Dor e de Pecado,
Valha-te o Amor, Ăł grande abandonado,
Sacia a sede com amor, descansa.Ah! volta-te a esta zona fresca e mansa
Do Amor e ficarás desafogado,
Hás de ver tudo claro, iluminado
Da luz que uma alma que tem fé alcança.O coração que é puro e que é contrito,
Se sabe ter doçura e ter dolência
Revive nas estrelas do Infinito.Revive, sim, fica imortal, na essĂŞncia
Dos Anjos paira, nĂŁo desprende um grito
E fica, como os Anjos, na ExistĂŞncia.
Mais Luz!
(A Guilherme de Azevedo)
Amem a noite os magros crapulosos,
E os que sonham com virgens impossĂveis,
E os que inclinam, mudos e impassĂveis,
Ă€ borda dos abismos silenciosos…Tu, lua, com teus raios vaporosos,
Cobre-os, tapa-os e torna-os insensĂveis,
Tanto aos vicios crueis e inextinguiveis,
Como aos longos cuidados dolorosos!Eu amarei a santa madrugada,
E o meio-dia, em vida refervendo,
E a tarde rumorosa e repousada.Viva e trabalhe em plena luz: depois,
Seja-me dado ainda ver, morrendo,
O claro sol, amigo dos heroes!
San Gabriel I
Inútil! Calmaria. Já colheram
As velas. As bandeiras sossegaram,
Que tĂŁo altas nos topes tremularam,
– Gaivotas que a voar desfaleceram.Pararam de remar! Emudeceram!
(Velhos ritmos que as ondas embalaram)
Que cilada que os ventos nos armaram!
A que foi que tĂŁo longe nos trouxeram?San Gabriel, arcanjo tutelar,
Vem outra vez abençoar o mar,
Vem-nos guiar sobre a planĂcie azul.Vem-nos levar Ă conquista final
Da luz, do Bem, doce clarĂŁo irreal.
Olhai! Parece o Cruzeiro do Sul!
Quem pode livre ser, gentil Senhora,
Quem pode livre ser, gentil Senhora,
Vendo-vos com juĂzo sossegado,
Se o Menino que de olhos Ă© privado
Nas meninas de vossos olhos mora?Ali manda, ali reina, ali namora,
Ali vive das gentes venerado;
Que o vivo lume e o rosto delicado
Imagens sĂŁo nas quais o Amor se adora.Quem vĂŞ que em branca neve nascem rosas
Que fios crespos de ouro vĂŁo cercando,
Se por entre esta luz a vista passa,Raios de ouro verá, que as duvidosas
Almas estĂŁo no peito trespassando
Assim como um cristal o Sol trespassa.
PĂ´s-se o Sol
PĂ´s-se o sol… Como já na sombra feia
Do dia pouco a pouco a luz desmaia,
E a parda mĂŁo da noite, antes que caia,
De grossas nuvens todo o ar semeia!Apenas já diviso a minha aldeia;
Já do cipreste não distingo a faia.
Tudo em silêncio está; só lá na praia
Se ouvem quebrar as ondas pela areia.Co’a mão na face, a vista ao céu levanto;
E cheio de mortal melancolia,
Nos tristes olhos mal sustenho o pranto.E se inda algum alĂvio ter podia,
Era ver esta noite durar tanto
Que nunca mais amanhecesse o dia!
Grande Amor
Grande amor, grande amor, grande mistério
Que as nossas almas trĂŞmulas enlaça…
Céu que nos beija, céu que nos abraça
Num abismo de luz profundo e sério.Eterno espasmo de um desejo etéreo
E bálsamo dos bálsamos da graça,
Chama secreta que nas almas passa
E deixa nelas um clarão sidéreo.Cântico de anjos e de arcanjos vagos
Junto às águas sonâmbulas de lagos,
Sob as claras estrelas desprendido…Selo perpĂ©tuo, puro e peregrino
Que prende as almas num igual destino,
Num beijo fecundado num gemido.
No Seu Tumulo
Sobre o seu frio berço sepulcral,
Meu espirito resa ajoelhado;
E sente-se perfeito e virginal
Na sua dĂ´r divina concentrado.CaĂ, gotas de orvalho matinal!
Astros, caà do céu todo estrelado!
Sêcas flôres do zéfiro outomnal,
Vinde enfeitar-lhe o tumulo sagrado!Ă“ luar da meia noite, encantamento
De sombra, vem cobri-lo! Ă“ doido Vento,
Dorme com ele, em paz religiosa…Sobre ele, Ăł terra, sĂŞ brandura apenas;
Faze-te luz, toma o calor das pennas;
SĂŞ MĂŁe perfeita, bĂ´a e carinhosa.
RenĂşncia
A minha mocidade há muito pus
No tranquilo convento da tristeza;
Lá passa dias, noites, sempre presa,
Olhos fechados, magras mĂŁos em cruz…Lá fora, a Noite, Satanás, seduz!
Desdobra-se em requintes de Beleza…
E como um beijo ardente a Natureza…
A minha cela Ă© como um rio de luz…Fecha os teus olhos bem! NĂŁo vejas nada!
Empalidece mais! E, resignada,
Prende os teus braços a uma cruz maior!Gela ainda a mortalha que te encerra!
Enche a boca de cinzas e de terra
Ă“ minha mocidade toda em flor!
Vésper
Do seu fastĂgio azul, serena e fria,
Desce a noite outonal, augusta e bela;
VĂ©sper fulgura alĂ©m… VĂ©sper! SĂł ela
Todo o céu, doce e pálida, alumia.De um mosteiro na cúpula irradia
Com frouxa luz… Em sua humilde cela,
Contemplativa e lânguida à janela,
Triste freira, fitando-a, se extasia…VĂ©sper, envolta em deslumbrante alvura,
Ó nuvens, que ides pelo espaço afora!
A quem tĂŁo longo olhar volve da altura?Que olhar, irmĂŁo do seu, procura agora
Na terra o astro do amor? O olhar procura
Da solitária freira que o namora.
Trabalho E Luz II
Trabalho e luz, mais luz e mais trabalho!
Sem trabalho nĂŁo pode dar-se a luz,
Ao trabalho preside a diva luz
E de noite sem luz não há trabalho.O trabalho é saúde, é vida, é luz;
Para ter uma luz, sempre trabalho;
Sai sem luz, todo errado, o meu trabalho,
Pois não há bom trabalho sem a luz.Ora, a luz sendo o guia do trabalho
Nada faz o trabalho sem a luz,
E nem a luz é nada sem trabalho.À força do trabalho obtém-se a luz
Mas a luz nĂŁo resplande sem trabalho
GlĂłria ao trabalho e luz, luz e trabalho.
Poeira
Poeira leve, a vibrar as moléculas: poeira
Que um pobre sonhador, Ă luz da Arte, risonho,
Busca fazer faiscar: pĂł, que se ergue Ă carreira
Do Mazepa do Amor pela estepe do Sonho.Para ver-te subir, voar da crosta rasteira
Da terra, a trabalhar, todas as forças ponho:
E a seguir teu destino, enlevada, a alma inteira
O teu ciclo fará, seja suave ou tristonho.Não irás, com certeza, alto ou distante. O insano
Pó não és que, a turvar o céu claro da Itália,
Traz o vento, a bramir, do Deserto africano:Que Ă©s o humĂlimo pĂł duma estrada sem povo,
Que, pisado uma vez, pelo ambiente se espalha,
Sente um raio de Sol, cai na terra de novo.
VerĂ´nica
NĂŁo a face do Cristo, a macilenta
Face do Cristo, a dolorosa face…
O martĂrio da Cruz passou fugace
E este MartĂrio, esta PaixĂŁo Ă© lenta.Um vivo sangue a face te ensangĂĽenta,
Mais vivo que se o Deus o derramasse;
Porque esta vĂŁ paixĂŁo, para que passe,
É mister dos Titãs a luta incruenta.Se tu, Visão da Luz, Visão sagrada
Queres ser a VerĂ´nica sonhada,
Consoladora dessa dor sombriaImpressa ficara no teu sudário
Não a face do Cristo do Calvário
Mas a face convulsa da Agonia!
Guerra Junqueiro
Quando ele do Universo o largo supedâneo
Galgou como os clarões — quebrando o que nĂŁo serve,
Fazendo que explodissem os astros de seu crânio,
As gemas da razão e os músculos da verve;Quando ele esfuziou nos páramos as trompas,
As trompas marciais — as liras do estupendo,
Pejadas de prodĂgios, assombros e de pompas,
Crescendo em proporções, crescendo e recrescendo;Quando ele retesou os nervos e as artérias
Do verso orbicular — rasgando das misĂ©rias
O ventre do Ideal na forte hematemese.Clamando — Ă© minha a luz, que o sĂ©culo propague-a,
Quando ele avassalou os pĂncaros da águia
E o sol do Equador vibrou-lhe aquelas teses!
Noite Cruel
A meu irmĂŁo Henrique
Morrer… morrer… morrer… Fechar na terra os olhos
A tudo o que se ama, a tudo o que se adora;
E nunca mais ouvir a mĂşsica sonora
Da ilusĂŁo a cantar da vida nos refolhos…Sentir o coração ferir-se nos escolhos
De tormentoso mar, – pobre vaga que chora! –
E no arranco final da derradeira hora,
Soluçando morrer num oceano de abrolhos.Nem ao menos beijar – Ăł supremo desgosto! –
A mĂŁo doce e fiel que nos enxuga o rosto
Mostrando-nos o CĂ©u suspenso de uma Cruz…E perguntar a Deus na agonia e nas trevas:
Onde fica, Senhor, a terra a que nos levas,
Com as mĂŁos postas no seio e os dois olhos sem luz?!
Irradiações
Às crianças
Qual da amplidão fantástica e serena
Ă€ luz vermelha e rĂştila da aurora
Cai, gota a gota, o orvalho que avigora
A imaculada e cândida açucena.Como na cruz, da triste Madalena
Aos pés de Cristo, a lágrima sonora
Caia, rolou, qual bálsamo que irrora
A negra mágoa, a indefinida pena…Caia por vĂłs, esplĂŞndidas crianças
Bando feliz de castas esperanças,
Sonhos da estrela no infinito imersas;Caia por vĂłs, as mĂşsicas formosas,
Como um dilĂşvio matinal de rosas,
Todo o luar benéfico dos versos!
ManhĂŁ No Campo
A Maria Nunes
Estendo os olhos pelo prado a fora:
Verdura e flores Ă© o que a vista alcança…
– Bendito oásis onde o olhar descansa
Quando saudades do passado chora. –Escuto ao longe uma canção sonora.
Voz de mulher ou, antes, de criança
Entoa o hino branco da Esperança,
Hino das aves ao nascer da Aurora.
Por toda parte risos e fulgores
E a Natureza desabrochando em flores,
Iluminada pelo Sol risonho,Recorda um’alma diluĂda em prece,
Um coração feliz que inda estremece
Ă€ luz sagrada do primeiro sonho!
Auréola Equatorial
A Teodoreto Souto
Fundi em bronze a estrofe augusta dos prodĂgios,
Poetas do Equador, artĂsticos Barnaves;
Que o facho — Abolição — rasgando as nuvens graves
De raios e bulcões — triunfa nos litĂgios!— O rei Mamoud, o Sol, vibrou p’raquelas bandas
do Norte — a grande luz — elĂ©trico, explodindo,
Assim como quem vai, intrépido, subindo
Ă€ luz da idade nova — em claras propagandas.— Os pássaros titĂŁs nos seus conciliábulos,
— Chilreiam, vĂŁo cantando em mĂsticos vocábulos,
Alargam-se os pulmões nevrálgicos das zonas;Abri alas, abri! — Que em tĂşnica de assombros,
Irá passar por vós, com a Liberdade aos ombros,
Como um colosso enorme o impávido Amazonas!