Sonetos sobre Luz

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Sonetos de luz escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Natal d’um Poeta

Em certo reino, á esquina do planeta,
Onde nasceram meus AvĂłs, meus Paes,
Ha quatro lustres, viu a luz um poeta
Que melhor fĂ´ra nĂŁo a ver jamais.

Mal despontava para a vida inquieta,
Logo ao nascer, mataram-lhe os ideaes,
A falsa-fĂ©, n’uma traição abjecta,
Como os bandidos nas estradas reaes!

E, embora eu seja descendente, um ramo
D’essa arvore de Heroes que, entre perigos
E guerras, se esforçaram pelo ideal:

Nada me importas, Paiz! seja meu amo
O Carlos ou o ZĂ© da Th’reza… Amigos,
Que desgraça nascer em Portugal!

Cristo De Bronze

Ă“ Cristos de ouro, de marfim, de prata,
Cristos ideais, serenos, luminosos,
EnsangĂĽentados Cristos dolorosos
Cuja cabeça a Dor e a Luz retrata.

Ă“ Cristos de altivez intemerata,
Ă“ Cristos de metais estrepitosos
Que gritam como os tigres venenosos
Do desejo carnal que enerva e mata.

Cristos de pedra, de madeira e barro…
Ó Cristo humano, estético, bizarro,
Amortalhado nas fatais injurias…

Na rija cruz aspérrima pregado
Canta o Cristo de bronze do Pecado,
Ri o Cristo de bronze das luxĂşrias!…

O Coração – II

A solidĂŁo Ă© perfeita como um rasgo entre
as nuvens, ao Ăşltimo sonho. A solidĂŁo
que se cala em teu fundo e vai envelhecendo
na terra perdida do som descompassado.

Te guardas na intimidade dos armários,
onde a paz Ă© negra e se desagrega a luz.
Nunca foste mais do que uma ficção, matriz
de riso e sombra, um poço verde, teorema

de ilusões, engrenagem de poentes roxos.
E, agora, frouxo, já nada designas ou
desenhas. És, apenas, testemunha efémera

e longĂ­nqua, trovĂŁo engolido de Deus,
fingidor ferido de doces cantos, mentira
precária nas cordas de uma harpa febril.

X

Hirta e branca… Repousa a sua áurea cabeça
Numa almofada de cetim bordada em lĂ­rios.
Ei-la morta afinal como quem adormeça
Aqui para sofrer Além novos martírios.

De mĂŁos postas, num sonho ausente, a sombra espessa
Do seu corpo escurece a luz dos quatro cĂ­rios:
Ela faz-me pensar numa ancestral Condessa
Da Idade Média, morta em sagrados delírios.

Os poentes sepulcrais do extremo desengano
VĂŁo enchendo de luto as paredes vazias,
E velam para sempre o seu olhar humano.

Expira, ao longe, o vento, e o luar, longinquamente,
Alveja, embalsamando as brancas agonias
Na sonolenta paz desta Câmara-ardente…

Saudade do Teu Corpo

Tenho saudades do teu corpo: ouviste
correr-te toda a carne e toda a alma
o meu desejo – como um anjo triste
que enlaça nuvens pela noite calma?…

Anda a saudade do teu corpo (sentes?…)
Sempre comigo: deita-se ao meu lado,
dizendo e redizendo que nĂŁo mentes
quando me escreves: «vem, meu todo amado…»

É o teu corpo em sombra esta saudade…
Beijo-lhe as mãos, os pés, os seios-sombra:
a luz do seu olhar Ă© escuridade…

Fecho os olhos ao sol para estar contigo.
É de noite este corpo que me assombra…
VĂŞs?! A saudade Ă© um escultor antigo!

Tentação

Eu não resistirei à tentação,
nĂŁo quero que de mim possas perder-te,
que sĂł na fonte fria da razĂŁo
renasça a minha sede de beber-te.

Eu não resistirei à tentação
de quanto adivinhei nesta amargura:
um sim que sĂł assalta quem diz nĂŁo,
um corpo que entrevi na selva escura.

Resistirei a te chamar paixĂŁo,
a te perder nos versos, nas palavras:
mas não resistirei à tentação
de te dizer que o céu é o que rasa

a luz que nos teus olhos eu perdi
e que na terra toda nĂŁo mais vi.

DantĂŁo

Parece-me que o vejo iluminado.
Erguendo delirante a grande fronte
– De um povo inteiro o fĂşlgido horizonte
Cheio de luz, de idéias constelado!

De seu crânio vulcĂŁo – a rubra lava
Foi que gerou essa sublime aurora
– Noventa e trĂŞs – e a levantou sonora
Na fronte audaz da populaça brava!

Olhando para a histĂłria – um sĂ©culo e a lente
Que mostra-me o seu crânio resplandente
Do passado atravĂ©s o vĂ©u profundo…

Há muito que tombou, mas inquebrável
De sua voz o eco formidável
Estruge ainda na razĂŁo do mundo!

VisĂŁo Guiadora

Ă“ alma silenciosa e compassiva
Que conversas com os Anjos da Tristeza,
Ó delicada e lânguida beleza
Nas cadeias das lágrimas cativa.

Frágil, nervosa timidez lasciva,
Graça magoada, doce sutileza
De sombra e luz e da delicadeza
Dolorosa de mĂşsica aflitiva.

Alma de acerbo, amargurado exĂ­lio,
Perdida pelos céus num vago idílio
Com as almas e visões dos desolados.

Ó tu que és boa e porque és boa és bela,
Da Fé e da Esperança eterna estrela
Todo o caminho dos desamparados.

ManhĂŁ

Alta alvorada. — Os Ăşltimos nevoeiros
A luz que nasce levemente espalha;
Move-se o bosque, a selva que farfalha
Cheia da vida dos clarões primeiros.

Da passarada os vĂ´os condoreiros,
Os cantos e o ar que as árvores ramalha
Lembram combate, estrĂ­dula batalha
De elementos contrários e altaneiros.

Vozes, trinados, vibrações, rumores
Crescem, vĂŁo se fundindo aos esplendores
Da luz que jorra de invisível taça.

E como um rei num galeĂŁo do Oriente
O sol põe-se a tocar bizarramente
Fanfarras marciais, trompas de caça.

Tormanto do Ideal

Conheci a Beleza que nĂŁo morre
E fiquei triste. Como quem da serra
Mais alta que haja, olhando aos pés a terra
E o mar, vĂŞ tudo, a maior nau ou torre,

Minguar, fundir-se, sob a luz que jorre:
Assim eu vi o mundo e o que ele encerra
Perder a cĂ´r, bem como a nuvem que erra
Ao pĂ´r do sol e sobre o mar discorre.

Pedindo Ă  fĂłrma, em vĂŁo, a idea pura,
Tropéço, em sombras, na materia dura.
E encontro a imperfeição de quanto existe.

Recebi o baptismo dos poetas,
E assentado entre as fĂłrmas incompletas
Para sempre fiquei palido e triste.

O Que Alguém Disse

“Refugia-te na Arte” diz-me AlguĂ©m
“Eleva-te num vĂ´o espiritual,
Esquece o teu amor, ri do teu mal,
Olhando-te a ti própria com desdém.

SĂł Ă© grande e perfeito o que nos vem
Do que em nĂłs Ă© Divino e imortal!
Cega de luz e tonta de ideal
Busca em ti a Verdade e em mais ninguĂ©m!”

No poente doirado como a chama
Estas palavras morrem… E n’Aquele
Que Ă© triste, como eu, fico a pensar…

O poente tem alma: sente e ama!
E, porque o sol Ă© cor dos olhos d’Ele,
Eu fico olhando o sol, a soluçar…

Tortura Eterna

ImpotĂŞncia cruel, Ăł vĂŁ tortura!
Ó Força inútil, ansiedade humana!
Ă“ cĂ­rculos dantescos da loucura!
Ă“ luta, Ă“ luta secular, insana!

Que tu nĂŁo possas, Alma soberana,
Perpetuamente refulgir na Altura,
Na Aleluia da Luz, na clara Hosana
Do Sol, cantar, imortalmente pura.

Que tu nĂŁo posses, Sentimento ardente,
Viver, vibrar nos brilhos do ar fremente,
Por entre as chamas, os clarões supernos.

Ă“ Sons intraduzĂ­veis, Formas, Cores!…
Ah! que eu nĂŁo possa eternizar as cores
Nos bronzes e nos mármores eternos!

Em uma Tarde de Outono

Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto.
Outono… Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto…

Por que, belo navio, ao clarĂŁo das estrelas,
Visitaste este mar inabitado e morto,
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas,
Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto?

A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos…
Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!

E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste,
E contemplo o lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarĂŁo nascente do arrebol…

O Sexo

Neste corpo, a densa neblina, quase um hábito,
lentamente descida, sedimento e sede,
subtilmente o acalma. Ancora que se desloca,
movediça e infirme. Só no olhar, além

da luz e da cal, se distinguem os desejos
e a mestria das palavras. E não há remos
nem astros. Convido a neblina a esta
mesa de chumbo, onde nada levanta o fogo

solar ou os signos se alteiam. É a hora
em que o corpo treme e a sombra lavra as frouxas
manhãs. O que serão as tardes, sob a névoa,

quando o vigor agoniza e o vão das águas abre
o caos e os ecos? Estaremos em paz,
usando a palavra, Ăşltima herdeira das areias.

A Vida

“A Vida”
III
“… A vida Ă© assim, segue e verás, – a vida
é um dia de esperança, um longo poente
de incertezas cruéis, e finalmente
a grande noite estranha e dolorida…

Hoje o sol, hoje a luz, hoje contente
a estrada a percorrer suave e florida…
– amanhĂŁ, pela sombra, inutilmente
outra sombra a vagar, triste e perdida…

A vida é assim, é um dia de esperança
uma réstia de luz entre dois ramos
que a noite envolve cedo, sem tardança…

E enquanto as sombras chegam, nĂłs, ao vĂŞ-las,
ainda somos felizes e encontramos
a saudade infinita das estrelas!…”

Soneto Sentimental À Cidade De São Paulo

Ă“ cidade tĂŁo lĂ­rica e tĂŁo fria!
Mercenária, que importa – basta! – importa
Que Ă  noite, quando te repousas morta
Lenta e cruel te envolve uma agonia

Não te amo à luz plácida do dia
Amo-te quando a neblina te transporta
Nesse momento, amante, abres-me a porta
E eu te possuo nua e frĂ­gida.

Sinto como a tua Ă­ris fosforeja
Entre um poema, um riso e uma cerveja
E que mal há se o lar onde se espera

Traz saudade de alguma Baviera
Se a poesia Ă© tua, e em cada mesa
Há um pecador morrendo de beleza?

O Pior Dos Males

Baixando Ă  Terra, o cofre em que guardados
Vinham os Males, indiscreta abria
Pandora. E eis deles desencadeados
Ă€ luz, o negro bando aparecia.

O Ódio, a Inveja, a Vingança, a Hipocrisia,
Todos os VĂ­cios, todos os Pecados
Dali voaram. E desde aquele dia
Os homens se fizeram desgraçados.

Mas a Esperança, do maldito cofre
Deixara-se ficar presa no fundo,
Que Ă© Ăşltima a ficar na angĂşstia humana…

Por que não voou também? Para quem sofre
Ela é o pior dos males que há no mundo,
Pois dentre os males Ă© o que mais engana.

Celeste

A uma criança

Eu fiz do Céu azul minha esperança
E dos astros dourados meu tesouro…
Imagina por que, doce criança,
Nas noites de luar meus sonhos douro!

Adivinha, se podes, quanto Ă© mansa
A luz que bola sob um cĂ­lio de ouro.
E como é lindo um laço azul na trança
Embalsamada de um cabelo louro!

Imagina por que peço, na morte,
– Um esquife todo azul que me transporte,
Longe da terra, longe dos escolhos…

Imagina por que… mas, lĂ­rio santo!
Não digas a ninguém que eu amo tanto
A cor de teu cabelo e dos teus olhos!

A Morte – O Sol Do TerrĂ­vel

(com tema de Renato Carneiro Campos)

Mas eu enfrentarei o Sol divino,
o Olhar sagrado em que a Pantera arde.
Saberei porque a teia do Destino
nĂŁo houve quem cortasse ou desatasse.

NĂŁo serei orgulhoso nem covarde,
que o sangue se rebela ao toque e ao Sino.
Verei feita em topázio a luz da Tarde,
pedra do Sono e cetro do Assassino.

Ela virá, Mulher, afiando as asas,
com os dentes de cristal, feitos de brasas,
e há de sagrar-me a vista o Gavião.

Mas sei, também, que só assim verei
a coroa da Chama e Deus, meu Rei,
assentado em seu trono do SertĂŁo.

Já Sobre o Coche de Ébano Estrelado

Já sobre o coche de ébano estrelado,
Deu meio giro a Noite escura e feia,
Que profundo silĂŞncio me rodeia
Neste deserto bosque, Ă  luz vedado!

Jaz entre as folhas Zéfiro abafado,
O Tejo adormeceu na lisa areia;
Nem o mavioso rouxinol gorjeia,
Nem pia o mocho, Ă s trevas acostumado.

SĂł eu velo, sĂł eu, pedindo Ă  Sorte
Que o fio com que está mih’alma presa
À vil matéria lânguida, me corte.

Consola-me este horror, esta tristeza,
Porque a meus olhos se afigura a Morte
No silĂŞncio total da Natureza.