Sonetos sobre Madrugada

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Sonetos de madrugada escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Quem Disse que o Teu Nome Ă© uma Espada

Quem disse que o teu nome Ă© uma espada
e as tuas mĂŁos dois rios transparentes?
Quem te acordou naquela madrugada?
O voo da águia? O silvo das serpentes?

Quem sabe que Ă©s a minha namorada
e me guardas os beijos mais ardentes?
Quem fez uma canção desesperada
com o sexo dos anjos impotentes?

Ă“ meu amor, quem foi?, quem foi que disse
que se durante a noite alguém nos visse
fazendo amor de corpos abraçados

nos faria morrer de orgasmo e sede
ou apenas, encostados Ă  parede,
em nome da alegria fuzilados?

Ciganos em Viagem

A tribo que prevĂŞ a sina dos viventes
Levantou arraiais hoje de madrugada;
Nos carros, as mulher’, c’o a torva filharada
Ă€s costas ou sugando os mamilos pendentes;

Ao lado dos carrões, na pedregosa estrada,
Vão os homens a pé, com armas reluzentes,
Erguendo para o céu uns olhos indolentes
Onde já fulgurou muita ilusão amada.

Na buraca onde está encurralado, o grilo,
Quando os sente passar, redobra o meigo trilo;
Cibela, com amor, traja um verde mais puro,

Faz da rocha um caudal, e um vergel do deserto,
Para assim receber esses p’ra quem ‘stá aberto
O império familiar das trevas do futuro!

Tradução de Delfim Guimarães

Mil Anos Há que Busco a Minha Estrela

Mil anos há que busco a minha estrela
E os Fados dizem que ma tĂŞm guardada;
Levantei-me de noite e madrugada,
Por mais que madruguei, nĂŁo pude vĂŞ-la.

Já não espero haver alcance dela
SenĂŁo depois da vida rematada,
Que deve estar nos céus tão remontada
Que só lá poderei gozá-la e tê-la.

Pensamentos, desejos, esperança,
NĂŁo vos canseis em vĂŁo, nĂŁo movais guerra,
Façamos entre os mais uma mudança:

Para me procurar vida segura
Deixemos tudo aquilo que há na terra,
Vamos para onde temos a ventura.

Caminho

I

Tenho sonhos cruĂ©is; n’alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente…

Saudades desta dor que em vĂŁo procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum vĂ©u escuro!…

Porque a dor, esta falta d’harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o cĂ©u d’agora,

Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque Ă© sĂł madrugada quando chora.

Mais Luz!

(A Guilherme de Azevedo)

Amem a noite os magros crapulosos,
E os que sonham com virgens impossĂ­veis,
E os que inclinam, mudos e impassĂ­veis,
Ă€ borda dos abismos silenciosos…

Tu, lua, com teus raios vaporosos,
Cobre-os, tapa-os e torna-os insensĂ­veis,
Tanto aos vicios crueis e inextinguiveis,
Como aos longos cuidados dolorosos!

Eu amarei a santa madrugada,
E o meio-dia, em vida refervendo,
E a tarde rumorosa e repousada.

Viva e trabalhe em plena luz: depois,
Seja-me dado ainda ver, morrendo,
O claro sol, amigo dos heroes!

Fogos-Fátuos

Há certas almas vãs, galvanizadas
De emoção, de pureza, de bondade,
Que como toda a azul imensidade
Chegam a ser de sĂşbito estreladas.

E ficam como que transfiguradas
Por momentos, na vaga suavidade
De quem se eleva com serenidade
Ă€s risonhas, celestes madrugadas.

Mas nada Ă s vezes nelas corresponde
Ao sonho e ninguém sabe mais por onde
Anda essa falsa e fugitiva chama…

É que no fundo, na secreta essência,
Essas almas de triste decadĂŞncia
SĂŁo lama sempre e sempre serĂŁo lama.

Soneto Presunçoso

Que forma luminosa me acompanha
quando, entre o lusco e o fusco, bebo a voz
do meu tempo perdido, e um rio banha
tudo o que caminhei da fonte Ă  foz?

Dos homens desde o berço enfrento a sanha
que os difere da abelha e do albatroz.
Meu irmĂŁo, meu algoz! No perde-e-ganha
quem ganhou, quem perdeu, nĂŁo fomos nĂłs.

O mundo nada pesa. Atlas, sinto
a leveza dos astros nos meus ombros.
Minha alma desatenta Ă© mais pesada.

Quer ganhe ou perca, sou verdade e minto.
Se pergunto, a resposta Ă© dos assombros.
No sol a pino finjo a madrugada.

Eternidade Retrospectiva

Eu me recordo de já ter vivido,
Mudo e sĂł, por olĂ­mpicas Esferas,
onde era tudo velhas primaveras
E tudo um vago aroma indefinido.

Fundas regiões do Pranto e do Gemido
Onde as almas mais graves, mais austeras
Erravam como trĂŞmulas quimeras
Num sentimento estranho e comovido.

As estrelas, longĂ­nquas e veladas,
Recordavam violáceas madrugadas,
Um clarĂŁo muito leve de saudade.

Eu me recordo d’imaginativos
Luares liriais, contemplativos
Por onde eu já vivi na Eternidade!

A Segurança Destas Paralelas

A segurança destas paralelas
— a beira da varanda e o horizonte;
assim me pacifico, e Ă© por elas
que subo lentamente cada monte.

O tempo arrefecido, e sĂł soprado
por uma brisa tarda que do mar
torna este minuto leve aconchegado,
traz mansas as certezas de se estar.

E vĂŞm novos nomes: sĂŁo as fadas,
gigantes e anões, que são assim
alegres de o serem — parcos nadas

que enchendo de silĂŞncios este sim
dele fazem brinquedos, madrugadas…
Agora eu estou em ti e tu em mim.

Caminho

I

Tenho sonhos cruĂ©is; n’alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente…

Saudades desta dor que em vĂŁo procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum vĂ©u escuro!…

Porque a dor, esta falta d_harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o cĂ©u d’agora,

Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque Ă© sĂł madrugada quando chora.

II

Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quĂŞ, nem eu o sei.
d Bom dia, companheiro, te saudei,
Que a jornada Ă© maior indo sozinho

É longe, é muito longe, há muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei…
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.

É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como a rocha dum calvário,
E queima como a areia!… Foi no entanto

Que choramos a dor de cada um…

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Lisboa

Ó Cidade da Luz! Perpétua fonte
De tĂŁo nĂ­tida e virgem claridade,
Que parece ilusĂŁo, sendo verdade,
Que o sol aqui feneça e nĂŁo desponte…

Embandeira-se em chamas o horizonte:
Um fulgor áureo e róseo tudo invade:
SĂŁo mil os panoramas da Cidade,
Surge um novo mirante em cada monte.

Ă“ Luz ocidental, mais que a do Oriente
Leve, esmaltada, pura e transparente,
Claro azulejo, madrugada infinda!

E Ă©s, ao sol que te exalta e te coroa,
— Loira, morena, multicor Lisboa! —
TĂŁo pagĂŁ, tĂŁo cristĂŁ, tĂŁo moira ainda…

Inefável!

Nada há que me domine e que me vença
Quando a minh’alma mudamente acorda…
Ela rebenta em flor, ela transborda
Nos alvoroços da emoção imensa.

Sou como um Réu de celestial Sentença,
Condenado do Amor, que se recorda
Do Amor e sempre no SilĂŞncio borda
D’estrelas todo o cĂ©u em que erra e pensa.

Claros, meus olhos tornam-se mais claros
E tudo vejo dos encantos raros
E de outra mais serenas madrugadas!

todas as vozes que procuro e chamo
Ouço-as dentro de mim, porque eu as amo
Na minh’alma volteando arrebatadas!