Sonetos sobre Abismo

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Sonetos de abismo escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Se me Aparto de ti, Deus da Bondade

Se me aparto de ti, Deus da bondade,
Que ausência tão cruel! Como é possível
Que me leve a um abismo tão terrível
O pendor infeliz da humanidade!

Conforta-me, Senhor, que esta saudade
Me despedaça o coração sensível;
Se a teus olhos na cruz sou desprezível,
Não olhes para a minha iniquidade!

À suave esperança me entregaste,
E o preço de teu sangue precioso
Me afiança que não me abandonaste.

Se, justo, castigar-me te é forçoso,
lembra-te que te amei, e me criaste
para habitar contigo o Céu lustroso!

Estoicismo

(A Manoel Duarte de Almeida)

Tu que não crês, nem amas, nem esperas,
Espírito de eterna negação,
Teu hálito gelou-me o coração
E destroçou-me da alma as primaveras…

Atravessando regiões austeras,
Cheias de noite e cava escuridão,
Como n’um sonho mau, só oiço um não,
Que eternamente ecoa entre as esferas…

— Porque suspiras, porque te lamentas,
Cobarde coração? Debalde intentas
Opôr á Sorte a queixa do egoísmo…

Deixa aos tímidos, deixa aos sonhadores
A esperança vã, seus vãos fulgores…
Sabe tu encarar sereno o abismo!

Sorriso Interior

O ser que é ser e que jamais vacila
Nas guerras imortais entra sem susto,
Leva consigo esse brasão augusto
Do grande amor, da nobre fé tranqüila.

Os abismos carnais da triste argila
Ele os vence sem ânsias e sem custo…
Fica sereno, num sorriso justo,
Enquanto tudo em derredor oscila.

Ondas interiores de grandeza
Dão-lhe essa glória em frente à Natureza,
Esse esplendor, todo esse largo eflúvio.

O ser que é ser tranforma tudo em flores…
E para ironizar as próprias dores
Canta por entre as águas do Dilúvio!

Perfeição

Vejo a Perfeição em sonhos ardentes,
Beleza divina aos sentidos ligada,
Cantando ao ouvido em voz olvidada
Que do peito irrompe em raios candentes

Que não posso prender. Seu cabelo vem
P’lo peito inocente onde, confundidos,
O ideal e o real são tecidos
E algo de alegre que ao céu fica bem.

Então chega o dia e tudo passou;
A mim regresso em dorido sentir,
Qual marinheiro que o naufrágio acordou

Do sonho de um campo em dia luminoso:
Ergue a cabeça e estremece ao ouvir
O rumor da descida ao abismo penoso.

Requiescat

Grande, grande Ilusão morta no espaço,
Perdida nos abismos da memória,
Dorme tranqüila no esplendor da glória,
Longe das amarguras do cansaço…

Ilusão, Flor do sol, do morno e lasso
Sonho da noite tropical e flórea,
Quando as visões da névoa transitória
Penetram na alma, num lascivo abraço…

Ó Ilusão! Estranha caravana
de águias, soberbas, de cabeça ufana,
De asas abertas no clarão do Oriente.

Não me persiga o teu mistério enorme!
Pelas saudades que me aterram, dorme,
Dorme nos astros infinitamente…

Afrodite II

Cabelo errante e louro, a pedraria
Do olhar faiscando, o mármore luzindo
Alvirróseo do peito, – nua e fria,
Ela é a filha do mar, que vem sorrindo.

Embalaram-na as vagas, retinindo,
Ressoantes de pérolas, – sorria
Ao vê-la o golfo, se ela adormecia
Das grutas de âmbar no recesso infindo.

Vede-a: veio do abismo! Em roda, em pêlo
Nas águas, cavalgando onda por onda
Todo o mar, surge um povo estranho e belo;

Vêm a saudá-la todos, revoando,
Golfinhos e tritões, em larga ronda,
Pelos retorsos búzios assoprando.

Pára-me de Repente o Pensamento

Pára-me de repente o pensamento
Como que de repente refreado
Na doida correria em que levado
Ia em busca da paz, do esquecimento…

Pára surpreso, escrutador, atento,
Como pára m cavalo alucinado
Ante um abismo súbito rasgado…
Pára e fica e demora-se um momento.

Pára e fica na doida correria…
Pára à beira do abismo e se demora
E mergulha na noite escura e fria

Um olhar de aço que essa noite explora…
Mas a espora da dor seu flanco estria
E ele galga e prossegue sob a espora.

Poema Final

Ó cores virtuais que jazeis subterrâneas,
_ Fulgurações azuis, vermelhos de hemoptise,
Represados clarões, cromáticas vesânias,
No limbo onde esperais a luz que vos batize,

As pálpebras cerrai, ansiosas não veleis.
Abortos que pendeis as frontes cor de cidra,
Tão graves de cismar, nos bocais dos museus,
E escutando o correr da água na clepsidra,

Vagamente sorris, resignados e ateus,
Cessai de cogitar, o abismo não sondeis.
Gemebundo arrulhar dos sonhos não sonhados,

Que toda a noite errais, doces almas penando,
E as asas lacerais na aresta dos telhados,
E no vento expirais em um queixume brando,
Adormecei. Não suspireis. Não respireis.

A Aeronave

Cindindo a vastidão do Azul profundo,
Sulcando o espaço, devassando a terra,
A aeronave que um mistério encerra
Vai pelo espaço acompanhando o mundo.

E na esteira sem fim da azúlea esfera
Ei-la embalada n’amplidão dos ares,
Fitando o abismo sepulcral dos mares,
Vencendo o azul que ante si s’erguera.

Voa, se eleva em busca do infinito,
É como um despertar de estranho mito,
Auroreando a humana consciência.

Cheia da luz do cintilar de um astro,
Deixa ver na fulgência do seu rastro
A trajetória augusta da Ciência.

Ela Ia, Tranquila Pastorinha

Ela ia, tranquila pastorinha,
Pela estrada da minha imperfeição.
Segui-a, como um gesto de perdão,
O seu rebanho, a saudade minha…

“Em longes terras hás de ser rainha”
Um dia lhe disseram, mas em vão…
Seu vulto perde-se na escuridão…
Só sua sombra ante meus pés caminha…

Deus te dê lírios em vez desta hora,
E em terras longe do que eu hoje sinto
Serás, rainha não, mas só pastora

Só sempre a mesma pastorinha a ir,
E eu serei teu regresso, esse indistinto
Abismo entre o meu sonho e o meu porvir…

Cavador Do Infinito

Com a lâmpada do Sonho desce aflito
E sobe aos mundos mais imponderáveis,
Vai abafando as queixas implacáveis,
Da alma o profundo e soluçado grito.

Ânsias, Desejos, tudo a fogo, escrito
Sente, em redor, nos astros inefáveis.
Cava nas fundas eras insondáveis
O cavador do trágico Infinito.

E quanto mais pelo Infinito cava
mais o Infinito se transforma em lava
E o cavador se perde nas distâncias…

Alto levanta a lâmpada do Sonho.
E como seu vulto pálido e tristonho
Cava os abismos das eternas ânsias!

Canto Ou Elegia

Porque não me pertences eu te sinto minha.
Sei que estou no teu sono e nos teus movimentos.
Ah! se já tivesse apertado ao meu peito
talvez me pertencesses, – e não fosses minha.

Quantas, quantas julguei possuir, tive-as na posse
e perdi-as no instante em que a taça se esvaziou.
Ah! morremos de seda! E é água pura que canta
perto de nós, no abismo, esse amor que não temos.

Morro de sede, e sofro… Ó música tão perto
e tão longe na minha solidão ardente!
– Quanto não a ouvirei porque a terei nos lábios?

Quando a possuirei sem notar-lhe a pureza?
E a beberei sem ver, que a estou, lento, matando,
e estou, lento, morrendo, sem saber que morro?

Neste Horrível Sepulcro Da Existência

Neste horrível sepulcro da existência
O triste coração de dor se parte;
A mesquinha razão se vê sem arte,
Com que dome a frenética impaciência:

Aqui pela opressão, pela violência
Que em todos os sentidos se reparte,
Transitório poder que imitar-te,
Eterna, vingadora omnipotência!

Aqui onde o peito abrange, e sente,
Na mais ampla expressão acha estreiteza,
Negra idéia do abismo assombra a mente.

Difere acaso da infernal tristeza
Não ver terra, nem céu, nem mar, nem gente,
Ser vivo, e não gozar da Natureza ?

Elogio da Morte

I

Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me pára o coração robusto.

Não que de larvas me povôe a mente
Esse vácuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razão por que afugente
Algum remorso, com que encara a custo…

Nem fantasmas nocturnos visionários,
Nem desfilar de espectros mortuários,
Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte…

Nada! o fundo dum poço, húmido e morno,
Um muro de silêncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.

II

Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento.
Nas regiões do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.

Atravesso, no escuro, a névoa fria
D’um mundo estranho, que povôa o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
Só das visões da noite se confia.

Que místicos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!

N’esta viagem pelo ermo espaço,

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Revelação

I

Escafandrista de insondado oceano
Sou eu que, aliando Buda ao sibarita,
Penetro a essência plásmica infinita,
-Mãe promíscua do amor e do ódio insano!

Sou eu que, hirto, auscultando o absconso arcano,
Por um poder de acústica esquisita,
Ouço o universo ansioso que se agita
Dentro de cada pensamento humano!

No abstrato abismo equóreo, em que me Inundo,
Sou eu que, revolvendo o ego profundo
E a ódio dos cérebros medonhos,

Restituo triunfalmente à esfera calma
Todos os cosmos que circulam na alma
Sob a forma embriológica de sonhos!

A Um Moribundo

Não tenhas medo, não! Tranquilamente,
Como adormece a noite pelo Outono,
Fecha os teus olhos, simples, docemente,
Como, à tarde, uma pomba que tem sono…

A cabeça reclina levemente
E os braços deixa-os ir ao abandono,
Como tombam, arfando, ao sol poente,
As asas de uma pomba que tem sono…

O que há depois? Depois?… O azul dos céus?
Um outro mundo? O eterno nada? Deus?
Um abismo? Um castigo? Uma guarida?

Que importa? Que te importa, ó moribundo?
– Seja o que for, será melhor que o mundo!
Tudo será melhor do que esta vida!…

Beethoven Surdo

Surdo, na universal indiferença, um dia,
Beethoven, levantando um desvairado apelo,
Sentiu a terra e o mar num mudo pesadelo.
E o seu mundo interior cantava e restrugia.

Torvo o gesto, perdido o olhar, hirto o cabelo,
Viu, sobre a orquestração que no seu crânio havia,
Os astros em torpor na imensidade fria,
O ar e os ventos sem voz, a natureza em gelo.

Era o nada, a eversão do caos no cataclismo,
A síncope do som no páramo profundo,
O silêncio, a algidez, o vácuo, o horror no abismo.

E Beethoven, no seu supremo desconforto,
Velho e pobre, caiu, como um deus moribundo,
Lançando a maldição sobre o universo morto!

Da Mundana Lida, Eis Que Cansado

“Minha vida é um montão de ruínas em árido deserto
Um abismo de ais e de suspiros”.

Da mundana lida, eis que cansado,
Co’a lira toda espedaçada,
A alma de suspiros retalhada,
Cumpre o infeliz seu triste fado.

Ai! que viver mais desgraçado!…
Que sorte tão crua e desazada!…
Quem assim tem a vida amargurada
Antes já morrer, ser sepultado.

Só eu triste padeço feras dores,
Imensas e de fel, sem terem fim,
Envolto no véu dos dissabores.

Oh! Cristo eu não sei se só a mim
Deste essa vida d’amargores,
Pois que é demais sofrer-se assim!

A Meu Pai Morto

Madrugada de Treze de janeiro.
Rezo, sonhando, o ofício da agonia.
Meu Pai nessa hora junto a mim morria
Sem um gemido, assim como um cordeiro!

E eu nem lhe ouvi o alento derradeiro!
Quando acordei, cuidei que ele dormia,
E disse à minha Mãe que me dizia:
“Acorda-o”! deixa-o, Mãe, dormir primeiro!

E saí para ver a Natureza!
Em tudo o mesmo abismo de beleza,
Nem uma névoa no estrelado véu…

Mas pareceu-me, entre as estrelas flóreas,
Como Elias, num carro azul de glórias,
Ver a alma de meu Pai subindo ao Céu!

Ceticismo

Desci um dia ao tenebroso abismo,
Onde a dúvida ergueu altar profano;
Cansado de lutar no mundo insano,
Fraco que sou, volvi ao ceticismo.

Da Igreja – a Grande Mãe – o exorcismo
Terrível me feriu, e então sereno,
De joelhos aos pés do Nazareno
Baixo rezei, em fundo misticismo:

– Oh! Deus, eu creio em ti, mas me perdoa!
Se esta dúvida cruel qual me magoa
Me torna ínfimo, desgraçado réu.

Ah, entre o medo que o meu Ser aterra,
Não sei se viva p’ra morrer na terra,
Não sei se morra p’ra viver no Céu!