Sonetos sobre Rosto

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Sonetos de rosto escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

LindĂłia

Vem, vem das águas, mísera Moema,
Senta-te aqui. As vozes lastimosas
Troca pelas cantigas deleitosas,
Ao pé da doce e pálida Coema.

Vós, sombras de Iguaçu e de Iracema,
Trazei nas mĂŁos, trazei no colo as rosas
Que o amor desabrochou e fez viçosas
Nas laudas de um poema e outro poema.

Chegai, folgai, cantai. É esta, é esta
De LindĂłia, que a voz suave e forte
Do vate celebrou, a alegre festa.

Além do amável, gracioso porte,
Vede o mimo, a ternura que lhe resta.
Tanto inda Ă© bela no seu rosto a morte

Escrevemos Docemente

Escrevemos docemente. Se a figura
sobe de estar tĂŁo funda a essa mesa
Ă© que escrever se lembra. E sĂł da altura
de se lembrar percorre a linha acesa

a ponta de escrever, que traça a pura
forma de rosto que abre na tristeza.
E a tristeza ilumina de escultura
penumbras de volumes com que pesa.

Por isso Ă© docemente que da linha
de estar ali aonde sempre esteve
aparece figura de rainha

que sempre foi e agora sĂł se escreve.
E escrevermos Ă© como se na vinha
o sol se iluminasse. E fosse breve.

Psicologia

Foi hoje que notei: – em nosso face a face
encontrei teu olhar, e assim como se deve
fazer em tal momento, um cumprimento leve
dos meus lábios fugiu sem que sequer notasse…

Foi hoje que notei: – tu passas orgulhosa
e nem deste resposta ao meu sorriso antigo,
– voltaste o rosto atĂ©, assim como quem posa
e foste indelicada a um teu sincero amigo…

PerdĂ´o-te… É que sinto o quanto me adoraste,
do contrario, farias como eu faço, enquanto
nĂŁo nego um cumprimento ao ver que tu passaste…

Ainda sofres, bem sei… És tolinha demais…
– foi tanto o teu amor, e o teu amor Ă© tanto
que ao passares por mim nem cumprimentas mais!

Lirial

Vens com uns tons de searas,
De prados enflorescidos
E trazes os coloridos
Das frescas auroras claras.

E tens as nuances raras
Dos bons prazeres servidos
Nos rostos enlourecidos
Das parisienses preclaras.

Chapéu das finas elites,
De roses e clematites,
ChapĂ©u Pierrette — entre o sol

Passando, esbelta e rosada,
Pareces uma encantada
Canção azul do Tirol.

Ignoto Deo

Desisti de saber qual Ă© o Teu nome,
Se tens ou nĂŁo tens nome que Te demos,
Ou que rosto Ă© que toma, se algum tome,
Teu sopro tão além de quanto vemos.

Desisti de Te amar, por mais que a fome
Do Teu amor nos seja o mais que temos,
E empenhei-me em domar, nem que os nĂŁo dome,
Meus, por Ti, passionais e vĂŁos extremos.

Chamar-Te amante ou pai… grotesco engano
Que por demais tresanda a gosto humano!
Grotesco engano o dar-te forma! E enfim,

Desisti de Te achar no quer que seja,
De Te dar nome, rosto, culto, ou igreja…
– Tu é que não desistirás de mim!

Relâmpago

Rompe-se a escuridĂŁo quando ao olhar
para uma face o mundo se ilumina
com uma claridade repentina
capaz de, sĂł por si, fazer brilhar

a substância tão irregular
de tudo o que se acende na retina
e através da luz se dissemina
por entre imagens vãs, até formar

um fluido movimento, uma paisagem
a que estes olhos quase nĂŁo reagem
salvo se nesse instante o rosto for

transfigurado pela fantasia.
E Ă s vezes Ă© sĂł isso que anuncia
aquilo a que chamamos o amor.

Negra Fera, Que A Tudo As Garras Lanças

Negra fera, que a tudo as garras lanças,
Já murchaste, insensível a clamores,
Nas faces de Tirsália as rubras flores,
Em meu peito as viçosas esperanças.

Monstro, que nunca em teus estragos cansas,
Vê as três Graças, vê os nus Amores
Como praguejam teus cruéis furores,
Ferindo os rostos, arrancando as tranças!

DomicĂ­lio da noute, horror sagrado,
Onde jaz destruĂ­da a formosura,
Abre-te, dá lugar a um desgraçado.

Eis desço, eis cinzas palpo… Ah, Morte dura!
Ah, Tirsália! Ah, meu bem, rosto adorado!
Torna, torna a fechar-te, Ăł sepultura!

Fuga Proveitosa

Não hás também agora de vencer-me,
Que eu hei-de resistir-te, Amor tirano.
Que Ă© isto? Sempre entende o teu engano
Que há com novas astúcias de render-me?

Imaginas que para esmorecer-me
Basta oferecer-me um rosto soberano?
Pois nĂŁo, Amor, que o velho Desengano
NĂŁo faz mais que avisar-me e reprender-me.

Se alguma cousa dele necessitas,
Eu sou bom portador, podes dizĂŞ-lo
Que eu farei quanto tu me encomendares.

Mas que queres, que tanto assim me gritas?
Que espere? NĂŁo, Amor, que o meu desvelo
SĂł se salva em fugir dos teus altares.

Quem pode livre ser, gentil Senhora,

Quem pode livre ser, gentil Senhora,
Vendo-vos com juĂ­zo sossegado,
Se o Menino que de olhos Ă© privado
Nas meninas de vossos olhos mora?

Ali manda, ali reina, ali namora,
Ali vive das gentes venerado;
Que o vivo lume e o rosto delicado
Imagens sĂŁo nas quais o Amor se adora.

Quem vĂŞ que em branca neve nascem rosas
Que fios crespos de ouro vĂŁo cercando,
Se por entre esta luz a vista passa,

Raios de ouro verá, que as duvidosas
Almas estĂŁo no peito trespassando
Assim como um cristal o Sol trespassa.

Meu Pai

A Eloy

Desce, meu Pai, a noite baixou mansa.
Nem uma nuvem se vê mais no céu:
Aninharam-se aqui no peito meu,
Onde, chorando, a negra dor descansa.

Quando morreste eu era bem criança,
Balbuciava, sim, o nome teu,
Mas d’este rosto santo que morreu
Já não conservo a mínima lembrança.

A noite Ă© clara; e eu, aqui sentada,
Tenho medo da lua embalsamada,
Corta-me o frio a alma comovida.

Se lá no Céu teu coração padece,
Vem comigo rezar a mesma prece:
Tua bênção, meu pai, me dará vida!

Autobiografia

Estive convosco em muitas palavras.
Algumas levaram-me ainda mais perto.
Com outras fiquei apenas mais sĂł.

De muitas nĂŁo vi que rosto as guardava.
Por outras me dei a quem nĂŁo pedia.
Onde foram mentira alguém me faltava.
Mas todas cumpri por quem me cumpria.

E passaram ardendo em novos combates,
cobriram silêncios, provaram mistérios,
fizeram amigos que nunca terei.

Por serem verdade me trazem aqui.
E quando as sonhais na vossa esperança,
Um irmĂŁo me procura por entre as cidades
com todos os rostos que perdi.

Noite Cruel

A meu irmĂŁo Henrique

Morrer… morrer… morrer… Fechar na terra os olhos
A tudo o que se ama, a tudo o que se adora;
E nunca mais ouvir a mĂşsica sonora
Da ilusĂŁo a cantar da vida nos refolhos…

Sentir o coração ferir-se nos escolhos
De tormentoso mar, – pobre vaga que chora! –
E no arranco final da derradeira hora,
Soluçando morrer num oceano de abrolhos.

Nem ao menos beijar – Ăł supremo desgosto! –
A mĂŁo doce e fiel que nos enxuga o rosto
Mostrando-nos o CĂ©u suspenso de uma Cruz…

E perguntar a Deus na agonia e nas trevas:
Onde fica, Senhor, a terra a que nos levas,
Com as mĂŁos postas no seio e os dois olhos sem luz?!

LXV

Ingrata foste, Elisa; eu te condeno
A injusta sem-razĂŁo; foste tirana,
Em renderes, belĂ­ssima serrana,
A tua liberdade ao néscio Almeno.

Que achaste no seu rosto de sereno,
De belo, ou de gentil, para inumana
Trocares pela dele esta choupana,
Em que tinhas o abrigo mais ameno?

Que canto em teu louvor entoaria?
Que te podia dar o pastor pobre?
Que extremos, mais do que eu, por ti faria?

O meu rebanho estas montanhas cobre:
Eu os excedo a todos na harmonia;
Mas ah que ele Ă© feliz! Isto lhe sobre

Realidade

Fomos longe demais, para voltar
Aos antigos canteiros onde há rosas.
Em nĂłs, o ouvido, quase e, quase, o olhar
Buscam nas cores vozes misteriosas…

Mas o mistério é flor da juventude.
NĂŁo rima com poemas desumanos.
A idade — a nossa idade! — nunca ilude.
SĂł uma vez Ă© que se tem vinte anos.

Quebrámos todos, todos os espelhos
E o sol que, neles, está hoje posto
Já não reflecte os lábios tão vermelhos
Que nos iluminam, sempre, o rosto.

Realidade? Há uma: apenas esta!
— Somos espectros na cidade em festa.

Vos Foi Beijar na Parte Onde se Via

O fogo que na branda cera ardia,
Vendo o rosto gentil, que eu na alma vejo,
Se acendeu de outro fogo do desejo
Por alcançar a luz que vence o dia.

Como de dois ardores se incendia,
Da grande impaciĂŞncia fez despejo,
E, remetendo com furor sobejo,
Vos foi beijar na parte onde se via.

Ditosa aquela flama que se atreve
A apagar seus ardores e tormentos
Na vista a quem o sol temores deve!

Namoram-se, Senhora, os Elementos
De vĂłs, e queima o fogo aquela neve
Que queima corações e pensamentos.

A Dor

Que venha, refĂşgio ou insĂłnia, futuro
antigo e comece no campo ou no flanco, Ă 
direita, onde consome a alma, Ă  esquerda
onde exclama no corpo, na seiva ou no chĂŁo

dos sobressaltos. Venha, amantĂ­ssima e espessa,
orelha ou folha acesa, fugaz ou rasgada,
planície vermelha, doce, gélida ou rápida.
Obedeça ao enleio, desperte ou descanse,

corre pelo sangue como cervo na noite,
sol que despedaça o peito. O rosto se cobre
de grandes cinzas, pesado como uma lágrima,

a alma, sendo ar, em nenhum lugar sereno.
Única posse de que dispomos. É seu
absurdo desejo, subtil e sem domĂ­nio.

Natal

Turvou-se de penumbra o dia cedo;
Nem o sol apertou no meu beiral!
Que longas horas de Jesus! Natal…
E o cepo a arder nas cinzas do brasedo…

E o lar da casa, os corações aos dobres,
É um painel a fogo em seu costume!
Que lindos versos bĂ­blicos, ao lume,
Plo doce PrĂ­ncipe cristĂŁo dos pobres!

Fulvas figuras pra esculpir em barro:
Ă€ luz da lenha, em rubro tom bizarro,
Sou em Presépio com meus pais e irmãos

E junto Ă s brasas, os meus olhos postos
Nesta evangélica expressão de rostos,
Ergo em graças a Deus as minhas mãos.

XXXI

Estes os olhos sĂŁo da minha amada:
Que belos, que gentis, e que formosos!
NĂŁo sĂŁo para os mortais tĂŁo preciosos
Os doces frutos da estação dourada.

Por eles a alegria derramada,
Tornam-se os campos de prazer gostosos;
Em zéfiros suaves, e mimosos
Toda esta regiĂŁo se vĂŞ banhada;

Vinde, olhos belos, vinde; e enfim trazendo
Do rosto de meu bem as prendas belas,
Dai alĂ­vios ao mal, que estou gemendo:

Mas ah delĂ­rio meu, que me atropelas!
Os olhos, que eu cuidei, que estava vendo,
Eram (quem crera tal!) duas estrelas.

Passional

És lânguida e amorosa quando estás sozinha
e em teu corpo perfeito este amor apoteosas!
Nos teus olhos distantes, tudo se adivinha
e há um teu beijo um sabor encarnado de rosas!

Nasceste com certeza para ser rainha,
e o serias na certa, das mais poderosas!
– no entanto, aqui te tenho escrava, e sendo minha
cabes toda e inteirinha em minhas mĂŁos nervosas!

Os teus cabelos louros, soltos sobre o leito
espalham-se em meu ombro, emolduram teu rosto,
e, quando assim te sinto abatida em meu peito

os teus olhos castanhos, mĂ­sticos, oblongos,
vĂŁo morrendo em desmaios roxos de sol posto
sob a noite de seda dos teus cĂ­lios longos!

XI

Formosa Ă© Daliana; o seu cabelo,
A testa, a sobrancelha Ă© peregrina;
Mas nada tem, que ver coa bela Eulina,
Que Ă© todo o meu amor, o meu desvĂŞ-lo:

Parece escura a nove em paralelo
Da sua branca face; onde a bonina
As cores misturou na cor mais fina,
Que faz sobressair seu rosto belo.

Tanto os seus lindos olhos enamoram,
Que arrebatados, como em doce encanto,
Os que a chegam a ver, todos a adoram.

Se alguém disser, que a engrandeço tanto
Veia, para desculpa dos que choram
Veja a Eulina; e entĂŁo suspenda o pranto.