Sonetos sobre Sentimentos

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Sonetos de sentimentos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Proposição das rimas do poeta

Incultas produçÔes da mocidade
Exponho a vossos olhos, Ăł leitores:
Vede-as com mĂĄgoa, vede-as com piedade,
Que elas buscam piedade, e nĂŁo louvores:

Ponderai da Fortuna a variedade
Nos meus suspiros, lĂĄgrimas e amores;
Notai dos males seus a imensidade,
A curta duração de seus favores:

E se entre versos mil de sentimento
Encontrardes alguns cuja aparĂȘncia
Indique festival contentamento,

Crede, Ăł mortais, que foram com violĂȘncia
Escritos pela mĂŁo do Fingimento,
Cantados pela voz da DependĂȘncia.

Arrependimento

Deste amor torturado e sem ventura
Resta-me o alĂ­vio do arrependimento.
O pouco que me deste de ternura
NĂŁo vale o que te dei de encantamento.

Abri para o teu sonho o firmamento,
Semeei de estrelas tua noite escura.
Dei-te alma, exaltação e sentimento.
Fiz de um bloco de pedra uma criatura.

Hoje, ambos Ă  mercĂȘ de sorte avessa,
Se para te esquecer luto e me esforço,
Manda-me o coração que não te esqueça.

Padecemos idĂȘntico suplĂ­cio:
Tu – corroĂ­da de pena e de remorso,
Eu – com vergonha do meu sacrifĂ­cio.

Amor Ă© um Arder

Amor Ă© um arder que se nĂŁo sente;
É ferida que dói, e não tem cura;
É febre, que no peito faz secura;
É mal, que as forças tira de repente.

É fogo, que consome ocultamente;
É dor, que mortifica a Criatura;
É ñnsia, a mais cruel e a mais impura;
É frágoa, que devora o fogo ardente.

É um triste penar entre lamentos;
É um não acabar sempre penando;
É um andar metido em mil tormentos.

É suspiros lançar de quando em quando;
É quem me causa eternos sentimentos.
É quem me mata e vida me está dando.

[Imitando CamÔes]

Eu Vivia De LĂĄgrimas Isento

Eu vivia de lĂĄgrimas isento,
num engano tĂŁo doce e deleitoso
que em que outro amante fosse mais ditoso,
nĂŁo valiam mil glĂłrias um tormento.

Vendo-me possuir tal pensamento,
de nenhĂŒa riqueza era envejoso;
vivia bem, de nada receoso,
com doce amor e doce sentimento.

Cobiçosa, a Fortuna me tirou
deste meu tĂŁo contente e alegre estado,
e passou-me este bem, que nunca fora:

em troco do qual bem sĂł me deixou
lembranças, que me matam cada hora,
trazendo-me Ă  memĂłria o bem passado.

LĂ­rio Lutuoso

EssĂȘncia das essĂȘncias delicadas,
Meu perfumoso e tenebroso lĂ­rio,
Oh! dĂĄ-me a glĂłria de celeste EmpĂ­reo
Da tu’alma nas sombras encantadas.

Subindo lento escadas por escadas,
Nas espirais nervosas do MartĂ­rio,
Das Ânsias, da Vertigem, do Delírio,
Vou em busca de mĂĄgicas estradas.

Acompanha-me sempre o teu perfume,
LĂ­rio da Dor que o Mal e o Bem resumem,
Estrela negra, tenebroso fruto.

Oh! dĂĄ-me a glĂłria do teu ser nevoento
para que eu possa haurir o sentimento
Das lĂĄgrimas acerbas do teu luto!.

Clamor Supremo

Vem comigo por estas cordilheiras!
PÔe teu manto e bordão e vem comigo,
Atravessa as montanhas sobranceiras
E nada temas do mortal Perigo!

Sigamos para as guerras condoreiras!
Vem, resoluto, que eu irei contigo
Dentre as Águias e as chamas feiticeiras,
SĂł tendo a Natureza por abrigo.

Rasga florestas, bebe o sangue todo
Da Terra e transfigura em astros lodo,
O prĂłprio lodo torna mais fecundo.

Basta trazer um coração perfeito,
Alma de eleito, Sentimento eleito
Para abalar de lado a lado o mundo!

Tortura Eterna

ImpotĂȘncia cruel, Ăł vĂŁ tortura!
Ó Força inĂștil, ansiedade humana!
Ó círculos dantescos da loucura!
Ó luta, Ó luta secular, insana!

Que tu nĂŁo possas, Alma soberana,
Perpetuamente refulgir na Altura,
Na Aleluia da Luz, na clara Hosana
Do Sol, cantar, imortalmente pura.

Que tu nĂŁo posses, Sentimento ardente,
Viver, vibrar nos brilhos do ar fremente,
Por entre as chamas, os clarÔes supernos.

Ó Sons intraduzĂ­veis, Formas, Cores!…
Ah! que eu nĂŁo possa eternizar as cores
Nos bronzes e nos mĂĄrmores eternos!

De Vós Me Aparto, Ó Vida! Em Tal Mudança

De vós me aparto, ó vida! Em tal mudança,
sinto vivo da morte o sentimento.
NĂŁo sei para que Ă© ter contentamento,
se mais hå de perder quem mais alcança.

Mas dou vos esta firme segurança
que, posto que me mate meu tormento,
pelas ĂĄguas do eterno esquecimento
segura passarå minha lembrança.

Antes sem vós meus olhos se entristeçam,
que com qualquer cous’ outra se contentem;
antes os esqueçais, que vos esqueçam.

Antes nesta lembrança se atormentem,
que com esquecimento desmereçam
a glĂłria que em sofrer tal pena sentem.

Soneto XXXX

Num seco ramo, nĂș de fruto e folha,
Ua queixosa rola geme e sente
Do casto ninho seu parceiro ausente,
E vĂȘ-lo a cada sombra se lhe antolha.

Dali dece a ua fonte onde recolha
Algum alento, e porque nĂŁo consente
A dor ver ĂĄgua clara, juntamente
A envolve c’os pĂ©s e o bico molha.

Se ausĂȘncia e amor sentida a rola tem,
Que nem de ausĂȘncia, nem de amor conhece,
Em quem pesar nem sentimento cabe,

Que farĂŁo em quem sente o que padece
Quem de seu mal conhece, e de seu bem
Temo que venha a nĂŁo sentir, e acabe.

Soneto Da Sentida SolidĂŁo

A falta Ă© complemento da saudade,
servida em larga ausĂȘncia nos ponteiros,
bandeja dos segundos que se evade,
em pasto das desoras, sorrateira.

Estar Ă© seduzir sem muito alarde,
no avaro aqui agora companheiro,
o porto da atenção que se me guarde
o ser presente da sanha viageira.

Partir Ă© sentimento de voltar,
liberta, eu sei, no vento e seu afoite,
navega a sina em rasa preamar;

ela, essa ausente, é dona e meu açoite,
no seu impulso presto em navegar,
vai se enfunando em névoa pela noite.

As Vozes Da Natureza

As vozes que nos vĂȘm da natureza
Traduzem sempre um mĂștuo sentimento.
Cantam as frondes pela voz do vento,
Pelo manancial canta a represa.

Pelas estrelas canta o firmamento
Nas suas grandes noites de beleza.
Cada nota a outra nota vive presa,
É um pensamento de outro pensamento.

Pelas folhas murmura a voz da estrada,
Pelos salgueiros canta a ĂĄgua parada
E o amigo sol, apenas se levanta,

Jogando o manto de ouro ao céu deserto,
Chama as cigarras todas para perto,
Que Ă© na voz das cigarras que ele canta.

Soneto Do Corifeu

SĂŁo demais os perigos desta vida
Para quem tem paixĂŁo, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida.

E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma mĂșsica qualquer
AĂ­ entĂŁo Ă© preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher.

Deve andar perto uma mulher que Ă© feita
De mĂșsica, luar e sentimento
E que a vida nĂŁo quer, de tĂŁo perfeita.

Uma mulher que Ă© como a prĂłpria Lua:
TĂŁo linda que sĂł espalha sofrimento
TĂŁo cheia de pudor que vive nua.

Indo O Triste Pastor Todo Embebido

Indo o triste pastor todo embebido
na sombra de seu doce pensamento,
tais queixas espalhava ao leve vento
cum brando suspirar da alma saĂ­do:

-A quem me queixarei, cego, perdido,
pois nas pedras nĂŁo acho sentimento?
Com quem falo? A quem digo meu tormento
que onde mais chamo, sou menos ouvido?

Oh! bela Ninfa, porque nĂŁo respondes?
Porque o olhar-me tanto me encareces?
Porque queres que sempre me querele?

Eu quanto mais te vejo, mais te escondes!
Quanto mais mal me vĂȘs, mais te endureces!
Assi que co mal cresce a causa dele.

Benditas Cadeias!

Quando vou pela Luz arrebatado,
Escravo dos mais puros sentimentos
Levo secretos estremecimentos
Como quem entra em mĂĄgico Noivado.

Cerca-me o mundo mais transfigurado
Nesses sutis e cĂąndidos momentos…
Meus olhos, minha boca vĂŁo sedentos
De luz, todo o meu ser iluminado.

Fico feliz por me sentir escravo
De um Encanto maior entre os Encantos,
Livre, na culpa, do mais leve travo.

De ver minh’alma com tais sonhos, tantos,
E que por fim me purifico e lavo
Na ĂĄgua do mais consolador dos prantos

O Grande Sonho

Sonho profundo, Ăł Sonho doloroso,
Doloroso e profundo Sentimento!
Vai, vai nas harpas trĂȘmula do vento
Chorar o teu mistério tenebroso.

Sobe dos astros ao clarĂŁo radioso,
Aos leves fluidos do luar nevoento,
Às urnas de cristal do firmamento,
Ó velho Sonho amargo e majestoso!

Sobe Ă s estrelas rĂștilas e frias,
Brancas e virginais eucaristias
De onde uma luz de eterna paz escorre.

Nessa Amplidão das AmplidÔes austeras
Chora o Sonho profundo das Esferas
Que nas azuis Melancolias morre…

Uma Amiga

Aqueles que eu amei, nĂŁo sei que vento
Os dispersou no mundo, que os nĂŁo vejo…
Estendo os braços e nas trevas beijo
VisĂ”es que a noite evoca o sentimento…

Outros me causam mais cruel tormento
Que a saudade dos mortos… que eu invejo…
Passam por mim… mas como que tem pejo
Da minha soledade e abatimento!

Daquela primavera venturosa
NĂŁo resta uma flor sĂł, uma sĂł rosa…
Tudo o vento varreu, queimou o gelo!

Tu sĂł foste fiel – tu, como dantes,
Inda volves teus olhos radiantes…
Para ver o meu mal… e escarnecĂȘ-lo!

A Dor Maior

NĂŁo quis julgar-te fĂștil nem banal
e chamei-te de criança tão-somente,
– reconheço, no entanto, infelizmente,
que, porque te quis bem, julguei-te mal.

Pensei atĂ©, ( e o fiz ingenuamente…)
ter encontrado a companheira ideal…
Quis julgar-te das outras diferente,
e Ă©s como as outras todas afinal…

Hoje, uma dor estranha me consome
e um sentimento a que nĂŁo sei dar nome
faz-me sofrer, se lembro o amor perdido…

A dor maior… A maior dor, no entanto,
vem de pensar de Ter-te amado tanto
sem que ao menos tivesses merecido!…

Flor Nirvanizadas

Ó cegos coraçÔes, surdos ouvidos,
Bocas inĂșteis, sem clamor, fechadas,
Almas para os mistérios apagadas,
Sem segredos, sem eco e sem gemidos.

ConsciĂȘncias hirsutas de bandidos,
Vesgas, nefandas e desmanteladas,
Portas de ferro, com furor trancadas,
Dos ócios maus histéricos Vencidos.

Desenterrai-vos das sangrentas furnas
Sinistras, cabalĂ­sticas, noturnas
Onde ruge o Pecado caudaloso…

Fazei da Dor, do triste Gozo humano,
A Flor do Sentimento soberano,
A Flor nirvanizada de outro Gozo!

Vida Obscura

Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
Ó ser humilde entre os humildes seres.
Embriagado, tonto dos prazeres,
O mundo para ti foi negro e duro.

Atravessaste num silĂȘncio escuro
A vida presa a trĂĄgicos deveres
E chegaste ao saber de altos saberes
Tornando-te mais simples e mais puro.

NinguémTe viu o sentimento inquieto,
Magoado, oculto e aterrador, secreto,
Que o coração te apunhalou no mundo.

Mas eu que sempre te segui os passos
Sei que cruz infernal prendeu-te os braços
E o teu suspiro como foi profundo!

Ansiedade

Esta ansiedade que nos enche o peito
Enche o céu, enche o mar, fecunda a terra.
Ela os germens purĂ­ssimos encerra
Do Sentimento lĂ­mpido, perfeito.

Em jorros cristalinos o direito,
A paz vencendo as convulsÔes da guerra,
A liberdade que abre as asas e erra
Pelos caminhos do Infinito eleito.

Tudo na mesma ansiedade gira,
Rola no Espaço, dentre a luz suspira
E chora, chora, amargamente chora…

Tudo nos turbilhÔes da Imensidade
Se confunde na trĂĄgica ansiedade
Que almas, estrelas, amplidÔes devora.