Sonetos sobre Sepulturas

36 resultados
Sonetos de sepulturas escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

LXVI

Não te assuste o prodígio: eu, caminhante,
Sou uma voz, que nesta selva habito;
Chamei-me o pastor Fido; de um delito
Me veio o meu estrago; eu fui amante.

Uma ninfa perjura, uma inconstante
Neste estado me pôs: do peito aflito,
Por eterno castigo, arranco um grito,
Que desengane o peregrino errante.

Se em ti se dá piedade, ó passageiro,
(Que assim o pede a minha sorte escura)
Atende ao meu aviso derradeiro:

Lágrimas não te peço, nem ternura:
Por voto um desengano, te requeiro
Que consagres à minha sepultura.

O autor aos seus versos

Chorosos versos meus desentoados,
Sem arte, sem beleza e sem brandura,
Urdidos pela mão da Desventura,
Pela baça Tristeza envenenados:

Vede a luz, não busqueis, desesperados,
No mudo esquecimento a sepultura;
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados:

Não vos inspire, ó versos, cobardia
Da sátira mordaz o furor louco,
Da maldizente voz e tirania:

Desculpa tendes, se valeis tão pouco,
Que não pode cantar com melodia
Um peito de gemer cansado e rouco.

Acusação à Cruz

Ha muito, ó lenho triste e consagrado!
Desfeita podridão, velho madeiro!
Que tens avassalado o mundo inteiro,
Como um pendão de luto levantado.

Se o que foi nos teus braços cravejado
Foi realmente a Hostia, o Verdadeiro,
Elle está mais ferido que um guerreiro
Para livrar das flexas do Peccado.

Ha muito já que espalhas a tristeza,
Que lutas contra a alegre Natureza,
E vences ó Cruz triste! Cruz escura!

Chega-te o inverno, symbolo tremendo!
Queremos Vida e Acção- Fica-te sendo
Um emblema de morte e sepultura!

Como Te Amo

Como te amo? Não sei de quantos modos vários
Eu te adoro, mulher de olhos azuis e castos;
Amo-te com o fervor dos meus sentidos gastos;
Amo-te com o fervor dos meus preitos diários.

É puro o meu amor, como os puros sacrários;
É nobre o meu amor, como os mais nobres fastos;
É grande como os mares altisonos e vastos;
É suave como o odor de lírios solitários.

Amor que rompe enfim os laços crus do Ser;
Um tão singelo amor, que aumenta na ventura;
Um amor tão leal que aumenta no sofrer;

Amor de tal feição que se na vida escura
É tão grande e nas mais vis ânsias do viver,
Muito maior será na paz da sepultura!

Cara Minha Inimiga, Em Cuja Mão

Cara minha inimiga, em cuja mão
pôs meus contentamentos a ventura,
faltou te a ti na terra sepultura,
porque me falte a mim consolação.

Eternamente as águas lograrão
a tua peregrina fermosura;
mas, enquanto me a mim a vida dura,
sempre viva em minh’alma te acharão.

E se meus rudos versos podem tanto
que possam prometer te longa história
daquele amor tão puro e verdadeiro,

celebrada serás sempre em meu canto;
porque enquanto no mundo houver memória,
será minha escritura teu letreiro.

Noites em Claro

Passas em claro as noites a chorar;
Dia a dia, teu rosto empalidece…
Faze tu, pobre Mãe, por serenar,
Santa Resignação sobre ela desce!

Rochedo que a penumbra desvanece,
Tu, por acaso, não lhe podes dar
Um pouco d’esse frio que entorpece
O coração e o deixa descançar?…

Jamais! Não ha remedio! Nem as horas
Que passam! Toda a fria noite choras;
Tua sombra, no chão, é mais escura.

Soffres! E sinto bem que a tua dôr,
Como se fôra um beijo, acêso amôr,
Vae-lhe aquecer, ao longe, a sepultura.

O Mar

O mar é triste como um cemitério,
Cada rocha é uma eterna sepultura
Banhada pela imácula brancura
De ondas chorando num albor etéreo.

Ah! dessas no bramir funéreo
Jamais vibrou a sinfonia pura
Do amor; só descanta, dentre a escura
Treva do oceano, a voz do meu saltério!

Quando a cândida espuma dessas vagas,
Banhando a fria solidão das fragas,
Onde a quebrar-se tão fugaz se esfuma.

Reflete a luz do sol que já não arde,
Treme na treva a púrpura da tarde,
Chora a saudade envolta nesta espuma!

Camões, Grande Camões, quão Semelhante

Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co’o sacrílego gigante;

Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.

Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.

Modelo meu tu és, mas… oh, tristeza!…
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.

Não Choreis os Mortos

Não choreis nunca os mortos esquecidos
Na funda escuridão das sepulturas.
Deixai crescer, à solta, as ervas duras
Sobre os seus corpos vãos adormecidos.

E quando, à tarde, o Sol, entre brasidos,
Agonizar… guardai, longe, as doçuras
Das vossas orações, calmas e puras,
Para os que vivem, nudos e vencidos.

Lembrai-vos dos aflitos, dos cativos,
Da multidão sem fim dos que são vivos,
Dos tristes que não podem esquecer.

E, ao meditar, então, na paz da Morte,
Vereis, talvez, como é suave a sorte
Daqueles que deixaram de sofrer.

Cara Minha Inimiga

Cara minha inimiga, em cuja mão
Pôs meus contentamentos a ventura,
Faltou-te a ti na terra sepultura,
Por que me falte a mim consolação.

Eternamente as águas lograrão
A tua peregrina formosura:
Mas enquanto me a mim a vida dura,
Sempre viva em minha alma te acharão.

E, se meus rudos versos podem tanto,
Que possam prometer-te longa história
Daquele amor tão puro e verdadeiro,

Celebrada serás sempre em meu canto:
Porque, enquanto no mundo houver memória,
Será a minha escritura o teu letreiro.

Chorai, Ninfas, Os Fados Poderosos

Chorai, Ninfas, os fados poderosos
daquela soberana fermosura!
Onde foram parar na sepultura
aqueles reais olhos graciosos?

Ó bens do mundo, falsos e enganosos!
Que mágoas para ouvir! Que tal figura
jaza sem resplandor na terra dura,
com tal rosto e cabelos tão fermosos!

Das outras que será, pois poder teve
a morte sobre cousa tanto bela
que ela eclipsava a luz do claro dia?

Mas o mundo não era dino dela,
por isso mais na terra não esteve;
ao Céu subiu, que já *se* lhe devia.

Triste

Vai-se extinguindo a viva labareda
Que te abrasava o coração ridente…
Passas magoada pela rua e a gente
Umas converses funerais segreda.

Não tens no olhar o sangue q’embebeda,
Foram-se as rosas do viver contente…
Segues, agora, pobre flor — somente
Da sepultura a essencial vereda.

E vem chegando o tenebroso inverno…
Mas nesse mal devorador e eterno,
Teu organismo já não mais resiste

Às punhaladas da estação de gelo…
E acabará como eu nem sei dizê-lo,
Triste, bem triste, pesarosa, triste!

O Coveiro

Uma tarde de abril suave e pura
Visitava eu somente ao derradeiro
Lar; tinha ido ver a sepultura
De um ente caro, amigo verdadeiro.

Lá encontrei um pálido coveiro
Com a cabeça para o chão pendida;
Eu senti a minh’alma entristecida
E interroguei-o: “Eterno companheiro

Da morte, que matou-te o coração?”
Ele apontou para uma cruz no chão,
Ali jazia o seu amor primeiro!

Depois, tomando a enxada gravemente,
Balbuciou, sorrindo tristemente: –
“Ai! Foi por isso que me fiz coveiro!”

A Morte

Oh! que doce tristeza e que ternura
No olhar ansioso, aflito dos que morrem…
De que âncoras profundas se socorrem
Os que penetram nessa noite escura!

Da vida aos frios véus da sepultura
Vagos momentos trêmulos decorrem…
E dos olhos as lágrimas escorrem
Como faróis da humana Desventura.

Descem então aos golfos congelados
Os que na terra vagam suspirando,
Com os velhos corações tantalizados.

Tudo negro e sinistro vai rolando
Báratro abaixo, aos ecos soluçados
Do vendaval da Morte ondeando, uivando…

Ironia De Lágrimas

Junto da Morte é que floresce a Vida!
Andamos rindo junto à sepultura.
A boca aberta, escancarada, escura
Da cova é como flor apodrecida.

A Morte lembra a estranha Margarida
Do nosso corpo, Fausto sem ventura…
Ela anda em torno a toda a criatura
Numa dança macabra indefinida.

Vem revestida em suas negras sedas
E a marteladas lúgubrees e tredas
Das ilusões o eterno esquife prega.

E adeus caminhos vãos, mundos risonhos,
Lá vem a loba que devora os sonhos,
Faminta, absconsa, imponderada, cega!

Terra

Ó Terra, amável mãe da Natureza!
Fecunda em produções de imensos entes,
Criadora das próvidas sementes
Que abastam toda a tua redondeza!

Teu amor sem igual, sem par fineza,
Teus maternais efeitos providentes
Dão vida aos seres todos existentes,
Dão brio, dão vigor, dão fortaleza.

Tu rasgas do teu corpo as grossas veias
E as cristalinas fontes de água pura
Tens, para a nossa sede, sempre cheias.

Tu, na vida e na morte, com ternura
Amas os filhos teus, tu te recreias
Em lhes dar, no teu seio, a sepultura.

Fiei-me nos Sorrisos da Ventura

Fiei-me nos sorrisos da ventura,
Em mimos feminis, como fui louco!
Vi raiar o prazer; porém tão pouco
Momentâneo relâmpago não dura:

No meio agora desta selva escura,
Dentro deste penedo húmido e ouco,
Pareço, até no tom lúgubre, e rouco
Triste sombra a carpir na sepultura:

Que estância para mim tão própria é esta!
Causais-me um doce, e fúnebre transporte,
Áridos matos, lôbrega floresta!

Ah! não me roubou tudo a negra sorte:
Inda tenho este abrigo, inda me resta
O pranto, a queixa, a solidão e a morte.

À Sua Velhice

Meu corpo assaz tem sido espicaçado
Com buídos punhais, por mão da Morte,
Que arrebatado tem, da minha corte,
Grande rancho de quanto tenho amado.

Não me poupa a cruel no triste estado
Do caduco viver da minha Sorte:
Quando era vigoroso, moço forte,
Suportava com mais valor meu Fado.

Então as minhas ásperas feridas
Não tinham para mim tardias curas,
Porque o Tempo receitas tem, sabidas.

Mas velho e c’o vapor das sepulturas,
Como posso curar as desabridas
Chagas, das minhas novas amarguras?

Tentei fugir da mancha mais escura

Tentei fugir da mancha mais escura
que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior que a morte o que antevi:
era a dor de ficar sem sepultura.

Bebi entre os teus flancos a loucura
de não poder viver longe de ti:
és a sombra da casa onde nasci,
és a noite que à noite me procura.

Só por dentro de ti há corredores
e em quartos interiores o cheiro a fruta
que veste de frescura a escuridão…

Só por dentro de ti rebentam flores.
Só por dentro de ti a noite escuta
o que me sai, sem voz, do coração.

A lamentável catástrofe de D. Inês de Castro

Da triste, bela Inês, inda os clamores
Andas, Eco chorosa, repetindo;
Inda aos piedosos Céus andas pedindo
Justiça contra os ímpios matadores;

Ouvem-se inda na Fonte dos Amores
De quando em quando as náiades carpindo;
E o Mondego, no caso reflectindo,
Rompe irado a barreira, alaga as flores:

Inda altos hinos o universo entoa
A Pedro, que da morte formosura
Convosco, Amores, ao sepulcro voa:

Milagre da beleza e da ternura!
Abre, desce, olha, geme, abraça e c’roa
A malfadada Inês na sepultura.