Sonetos sobre Sonhos

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Sonetos de sonhos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Primeira Comunhão

Grinaldas e véus brancos, véus de neve,
Véus e grinaldas purificadores,
Vão as Flores carnais, as alvas Flores
Do Sentimento delicado e leve.

Um luar de pudor, sereno e breve,
De ignotos e de prônubos pudores,
Erra nos pulcros virginais brancores
Por onde o Amor parábolas descreve…

Luzes claras e augustas, luzes claras
Douram dos templos as sagradas aras,
Na comunhão das níveas hóstias frias…

Quando seios pubentes estremecem,
Silfos de sonhos de volúpia crescem,
Ondulantes, em formas alvadias…

Canção De Abril

Vejo-te, enfim, alegre e satisfeita.
Ora bem, ora bem! — Vamos embora
Por estes campos e rosais afora
De onde a tribo das aves nos espreita.

Deixa que eu faça a matinal colheita
Dos teus sonhos azuis em cada aurora,
Agora que este abril nos canta, agora,
A florida canção que nos deleita.

Solta essa fulva cabeleira de ouro
E vem, subjuga com teu busto louro
O sol que os mundos vai radiando e abrindo.

E verás, ao raiar dessa beleza,
Nesse esplendor da virgem natureza,
Astros e flores palpitando e rindo.

Ó tu, consolador dos malfadados

Ó tu, consolador dos malfadados,
Ó tu, benigno dom da mão divina,
Das mágoas saborosa medicina,
Tranquilo esquecimento dos cuidados:

Aos olhos meus, de prantear cansados,
Cansados de velar, teu voo inclina;
E vós, sonhos d’amor, trazei-me Alcina,
Dai-me a doce visão de seus agrados:

Filha das trevas, frouxa sonolência,
Dos gostos entre o férvido transporte
Quanto me foi suave a tua ausência!

Ah!, findou para mim tão leda sorte;
Agora é só feliz minha existência
No mudo estado, que arremeda a morte.

Nostalgia

Nesse País de lenda, que me encanta,
Ficaram meus brocados, que despi,
E as jóias que p’las aias reparti
Como outras rosas de Rainha Santa!

Tanta opala que eu tinha! Tanta, tanta!
Foi por lá que as semeei e que as perdi…
Mostrem-me esse País onde eu nasci!
Mostrem-me o Reino de que eu sou Infanta!

O meu País de sonho e de ansiedade,
Não sei se esta quimera que me assombra,
É feita de mentira ou de verdade!

Quero voltar! Não sei por onde vim…
Ah! Não ser mais que a sombra duma sombra
Por entre tanta sombra igual a mim!

Vinho

Do amor tu não dirás: provo, mas não me embriago,
que não basta provar para sentir o amor.
É preciso sorvê-lo até o último trago
se a embriaguez é que dá seu profundo sabor.

Teu amor deve ter profundidade e cor
não deve ser um sonho doentio e vago,
se assim for, então sim, podes te dar por pago
que este é o preço da vida e todo o seu valor.

Transborda a tua taça, ergue-a nas mãos, e brinda
o momento feliz que viveste e não finda,
que só o amor que embriaga e que nos leva a extremos

pode glorificar os sentidos e a vida,
e vencendo a razão que nos tolhe e intimida,
nos faz reaver, de pronto, as horas que perdemos!

Adeus! Caro de Mais te Possuía

Adeus! caro de mais te possuía,
sabes a estimativa em que te trazem;
carta de teu valor dá-te franquia,
meus vínculos a ti já se desfazem.

Como reter-te sem consentimento
e onde mereço essa riqueza grada?
Falece a causa em mim de tal provento
e a patente que tenho é revogada.

Deste-me, sem saber do teu valor,
ou quanto a mim, a quem o deste, errando,
e a dádiva que em base errada for

volta a casa, melhor se ponderando.
Tive-te assim qual sonho de embalar,
um rei no sono e nada ao acordar.

Sonho Vago

Um sonho alado que nasceu um instante,
Erguido ao alto em horas de demência…
Gotas de água que tombam em cadência
Na minh’alma tristíssima, distante…

Onde está ele, o Desejado? O Infante?
O que há-de vir e amar-me em doida ardência?
O das horas de mágoa e penitência?
O Príncipe Encantado? O Eleito? O Amante?

E neste sonho eu já nem sei quem sou…
O brando marulhar dum longo beijo
Que não chegou a dar-se e que passou…

Um fogo-fátuo rútilo, talvez…
E eu ando a procurar-te e já te vejo!
E tu já me encontraste e não me vês!…

Descida

O que tinha de ser já foi… E está perdida
aquela ânsia de espera, de desejo e fé,
e tudo o que virá será cópia esbatida
da Vida que foi Vida e hoje Vida não é…

Muito pouco de tudo ainda resta de pé…
Agora, nunca mais estréias… Repetida
a alma se reverá um desespero, até
que a vida já não valha a pena ser vivida…

Do que foi canto e flor restam só as raízes,
e ao tédio que envenena os dias mais risonhos
repito: nunca mais estréias… só reprises…

E que importa o que vier? Sejam anos ou meses?
– Nunca mais a beleza dos primeiros sonhos!
– Nunca mais a surpresa das primeiras vezes!

Jovens Filhos Da Pátria, Em Vossos Peitos

Jovens filhos da pátria, em vossos peitos
Depõe a pátria seu porvir de glória:
Revolve sonhos de imortal de imortal memória,
Adejando inquieta em vossos leitos.

De vós espera sublimados feitos,
P’ra ornar de palmas a futura história;
Espera em vós, como espera em Dória,
Dória tão jovem, como vós, nos pleitos.

Atletas do porvir, marchai seguros
Da liberdade à festa sacrossanta,
A levantar-lhe mais altivos muros.

Marchai: – que aos livres nem o céu suplanta,
E o índio do Brasil, sem elmos duros,
No olhar sòmente os déspotas espanta.

Vejo que nem um Breve Engano Posso Ter

Quando de minhas mágoas a comprida
Maginação os olhos me adormece,
Em sonhos aquela alma me aparece,
Que para mi foi sonho nesta vida.

Lá numa soidade, onde estendida
A vista por o campo desfalece,
Corro após ela; e ela então parece
Que mais de mi se alonga, compelida.

Brado: − Não me fujais, sombra benina. −
Ela (os olhos em mi c’um brando pejo,
Como quem diz que já não pode ser)

Torna a fugir-me; torno a bradar: − Dina…
E antes que diga mene, acordo, e vejo
Que nem um breve engano posso ter.

Para Quê?!

Tudo é vaidade neste mundo vão…
Tudo é tristeza, tudo é pó, é nada!
E mal desponta em nós a madrugada,
Vem logo a noite encher o coração!

Até o amor nos mente, essa canção
Que o nosso peito ri à gargalhada,
Flor que é nascida e logo desfolhada,
Pétalas que se pisam pelo chão!…

Beijos de amor! Pra quê?! … Tristes vaidades!
Sonhos que logo são realidades,
Que nos deixam a alma como morta!

Só neles acredita quem é louca!
Beijos de amor que vão de boca em boca,
Como pobres que vão de porta em porta!…

A. L.

Não és a flor olímpica e serena
Que eu vejo em sonhos na amplidão distante;
Não tens as formas ideais de Helena,
As formas da beleza triunfante;

Não és também a mística açucena,
A alva e pura Beatriz do Dante;
És a artista gentil, a flor morena
Cheia de aroma casto e penetrante.

Não sei que graça, que esplendor, que arpejo
Eu sinto dentro d’alma quando vejo
Teu corpo aéreo, matinal, franzino…

Faz-me lembrar as vívidas napeias,
E as formas vaporosas das sereias
Rendilhadas num bronze florentino.

Aspiração Suprema

Como os cegos e os nus pede um abrigo
A alma que vive a tiritar de frio.
Lembra um arbusto frágil e sombrio
Que necessita do bom sol amigo.

Tem ais de dor de trêmulo mendigo
Oscilante, sonâmbulo, erradio.
É como um tênue, cristalino fio
D’estrelas, como etéreo e louro trigo.

E a alma aspira o celestial orvalho,
Aspira o céu, o límpido agasalho,
sonha, deseja e anseia a luz do Oriente…

Tudo ela inflama de um estranho beijo.
E este Anseio, este Sonho, este Desejo
Enche as Esferas soluçantemente.

Humana Condição

Um sonhar-me distante, um longe incrível
É agora o meu estado: Eu sonho o Espaço
Que se fixa no mundo ao invisível
Como se o mundo andasse por meu braço,

Existo além: Sou o animal temível
De Jesus com o mundo-Deus na mão.
Sou para além do mundo concebível
Onde morre e começa a criação.

Eu, homem, sondo e meço o Infinito;
Sou corpo e espírito, esse corpo oculto,
E é só na mão de Deus que ressuscito.

E chamam a isto humana condição …
Um nada, e tudo: — Vivo e me sepulto
Dentro e fora do próprio coração.

Poema Final

Ó cores virtuais que jazeis subterrâneas,
_ Fulgurações azuis, vermelhos de hemoptise,
Represados clarões, cromáticas vesânias,
No limbo onde esperais a luz que vos batize,

As pálpebras cerrai, ansiosas não veleis.
Abortos que pendeis as frontes cor de cidra,
Tão graves de cismar, nos bocais dos museus,
E escutando o correr da água na clepsidra,

Vagamente sorris, resignados e ateus,
Cessai de cogitar, o abismo não sondeis.
Gemebundo arrulhar dos sonhos não sonhados,

Que toda a noite errais, doces almas penando,
E as asas lacerais na aresta dos telhados,
E no vento expirais em um queixume brando,
Adormecei. Não suspireis. Não respireis.

Desesperança

Vai-te na aza negra da desgraça,
Pensamento de amor, sombra d’uma hora,
Que abracei com delírio, vai-te, embora,
Como nuvem que o vento impele… e passa.

Que arrojemos de nós quem mais se abraça,
Com mais ancia, á nossa alma! e quem devora
D’essa alma o sangue, com que vigora,
Como amigo comungue á mesma taça!

Que seja sonho apenas a esperança,
Enquanto a dor eternamente assiste.
E só engano nunca a desventura!

Se era silêncio sofrer fora vingança!..
Envolve-te em ti mesma, ó alma triste,
Talvez sem esperança haja ventura!

Tédio

Sobre minh’alma, como sobre um trono,
Senhor brutal, pesa o aborrecimento.
Como tardas em vir, último outono,
Lançar-me as folhas últimas ao vento!

Oh! dormir no silêncio e no abandono,
Só, sem um sonho, sem um pensamento,
E, no letargo do aniquilamento,
Ter, ó pedra, a quietude do teu sono!

Oh! deixar de sonhar o que não vejo!
Ter o sangue gelado, e a carne fria!
E, de uma luz crepuscular velada,

Deixar a alma dormir sem um desejo,
Ampla, fúnebre, lúgubre, vazia
Como uma catedral abandonada!…

Tese e Antítese

I

Já não sei o que vale a nova idéia,
Quando a vejo nas ruas desgrenhada,
Torva no aspecto, à luz da barricada,
Como bacchante após lúbrica ceia…

Sanguinolento o olhar se lhe incendeia;
Respira fumo e fogo embriagada:
A deusa de alma vasta e sossegada
Ei-la presa das fúrias de Medeia!

Um século irritado e truculento
Chama à epilepsia pensamento,
Verbo ao estampido de pelouro e obuz…

Mas a idea é n’um mundo inalterável,
N’um cristalino céu, que vive estável…
Tu, pensamento, não és fogo, és luz!

II

N’um céu intemerato e cristalino
Pode habitar talvez um Deus distante,
Vendo passar em sonho cambiante
O Ser, como espectáculo divino.

Mas o homem, na terra onde o destino
O lançou, vive e agita-se incessante:
Enche o ar da terra o seu pulmão possante…
Cá da terra blasfema ou ergue um hino…

A idéia encarna em peitos que palpitam:
O seu pulsar são chamas que crepitam,
Paixões ardentes como vivos sóis!

Combatei pois na terra árida e bruta,

Continue lendo…

XVIII

Dormes… Mas que sussurro a umedecida
Terra desperta? Que rumor enleva
As estrelas, que no alto a Noite leva
Presas, luzindo, à túnica estendida?

São meus versos! Palpita a minha vida
Neles, falenas que a saudade eleva
De meu seio, e que vão, rompendo a treva,
Encher teus sonhos, pomba adormecida!

Dormes, com os seios nus, no travesseiro
Solto o cabelo negro… e ei-los, correndo,
Doudejantes, sutis, teu corpo inteiro

Beijam-te a boca tépida e macia,
Sobem, descem, teu hálito sorvendo
Por que surge tão cedo a luz do dia?!

L

Memórias do presente, e do passado
Fazem guerra cruel dentro em meu peito;
E bem que ao sofrimento ando já feito,
Mais que nunca desperta hoje o cuidado.

Que diferente, que diverso estado
É este, em que somente o triste efeito
Da pena, a que meu mal me tem sujeito,
Me acompanha entre aflito, e magoado!

Tristes lembranças! e que em vão componho
A memória da vossa sombra escura!
Que néscio em vós a ponderar me ponho!

Ide-vos; que em tão mísera loucura
Todo o passado bem tenho por sonho;
Só é certa a presente desventura.