Textos sobre Beleza de José Luís Peixoto

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Textos de beleza de José Luís Peixoto. Leia este e outros textos de José Luís Peixoto em Poetris.

Tem de se Ser Verdadeiro na Escrita

Tem de se ser verdadeiro na escrita, porque os leitores sentem. A mentira é impossível na boa literatura. E o que procuro, mais do que a beleza ou qualquer outra coisa, é a verdade, livro após livro, tentando desvendar um pouco mais de mim e esperando que essa possa ser uma forma de desvendar alguma coisa dos outros e que eles também se vejam reflectidos nessa procura que faço.

Em Tudo o que Fiz Bem Pus um Pouco de Ti

Eis o teu rosto iluminado por esta hora de maio.
Ao filho autĂȘntico, basta fechar os olhos para encontrar o rosto da sua mĂŁe.
A fronteira que separa o dentro do fora Ă© vaga de propĂłsito, mais exata Ă© a fronteira dos meses.
MĂŁe, as tardes de maio nĂŁo sĂŁo um acaso.
Pus um pouco de ti naquilo que fiz de mais importante.
Onde existir terra estås tu, dås força e horizonte.
O ar não permitiria respiração se não te contivesse.
A ågua não seria capaz de alimentar sem a tua presença líquida.
O fogo não chegaria a acender se não incluísse o teu mistério no seu mistério.
Estavas jĂĄ no primeiro inĂ­cio do firmamento, nesse rugido que encheu a superfĂ­cie do cĂ©u e da terra, que rasgou as trevas; da mesma maneira, estarĂĄs no seu Ășltimo fim.
EstĂĄs antes e depois.
EstĂĄs na lenta passagem da eternidade.
MĂŁe, atravessas a vida e a morte como a verdade atravessa o tempo, como os nomes atravessam aquilo que nomeiam.
Sabes que criei tudo o que hå e sabes também que não criei tudo o que poderia haver.
Entre as faltas evidentes,

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Nunca Me Tinha Apaixonado Verdadeiramente

Escrevi atĂ© o princĂ­pio da manhĂŁ aparecer na janela. O sol a iluminar os olhos dos gatos espalhados na sala, sentados, deitados de olhos abertos. O sol a iluminar o sofĂĄ grande, o vermelho ruço debaixo de uma cobertura de pĂȘlo dos gatos. O sol a chegar Ă  escrivaninha e a ser dia nas folhas brancas. Escrevi duas pĂĄginas. Descrevi-lhe o rosto, os olhos, os lĂĄbios, a pele, os cabelos. Descrevi-lhe o corpo, os seios sob o vestido, o ventre sob o vestido, as pernas. Descrevi-lhe o silĂȘncio. E, quando me parecia que as palavras eram poucas para tanta e tanta beleza, fechava os olhos e parava-me a olhĂĄ-la. Ao seu esplendor seguia-se a vontade de a descrever e, de cada vez que repetia este exercĂ­cio, conseguia escrever duas palavras ou, no mĂĄximo, uma frase. Quando a manhĂŁ apareceu na janela, levantei-me e voltei para a cama. Adormeci a olhĂĄ-la. Adormeci com ela dentro de mim.

Nunca me tinha apaixonado verdadeiramente. A partir dos dezasseis anos, conheci muitas mulheres, senti algo por todas. Quando lhes lia no rosto um olhar diferente, demorado, deixava-me impressionar e, durante algumas semanas, achava que estava apaixonado e que as amava. Mas depois,

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