Textos sobre Cinema

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Textos de cinema escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A Pior Coisa é a Liberdade

A pior coisa é a liberdade. A liberdade de qualquer tipo é o pior para a criatividade. Quando estive dois meses na prisão em Espanha, esses dois meses foram os que me deram mais gozo e os mais felizes da minha vida. Antes de ter ido para a prisão, estava sempre nervoso, ansioso. Estava sempre em dúvida se deveria fazer uma pintura, ou talvez um poema, ou se deveria ir ao cinema ou ao teatro, ou ir ter com uma rapariga, ou ir brincar com os rapazes. Mas puseram-me na prisão, e a minha vida tornou-se divina.

Aproveita a Alegria

Sempre achei mais trágico e inteligente o oportunista que aconselha “aproveita que esta alegria não vai continuar, quanto mais repetir-se” do que o realista que despreza a alegria por ser temporária e logo, por atacado, estúpida e falsa.

É tudo mentira. Os momentos são tão diferentes uns dos outros como as pessoas que os vivem. Cada um de nós é uma multidão que varia, conforme a ocasião, no pouco tempo de vida, disfarçado para parecer de mais, que nos é concedido. Sem termos pedido.

A atitude de cada um é que manda: vamos aproveitar ou vamos ser verdadeiros? Vamos trair a nossa falsa obrigação para com a verdade que nunca existiu ou oferecermo-nos como vítimas da ilusão que sempre funcionou para nos pôr mais bem dispostos, não só à maneira do cinema como à luz do que vimos no cinema, incluindo o que não estava (milagrosamente) lá?

Cabe a cada um escolher o momento do dia e a diferença de cada dia, conforme o mundo e a maré com que vamos ter.

O Peso Bruto da Irritação

Se fôssemos contabilizar as paixões desta vida, os ódios e os amores, os grandes sobressaltos, as comoções, os transtornos, os arrebatamentos e os arroubos, os momentos de terror e de esperança, os ataques de ansiedade e de ternura, a violência dos desejos, os acessos de saudade e as elevações religiosas e se as somássemos todas numa só sensação, não seria nada comparada com o peso bruto da irritação. Passamos mais tempo e gastamos mais coração a sermos irritados do que em qualquer outro estado de espírito.
Apaixonamo-nos uma vez na vida, odiamos duas, sofremos três, mas somos irritados pelo menos vinte vezes por dia. Mais que o divórcio, mais que o despedimento, mais que ser traído por um amigo, a irritação é a principal causa de «stress» — e logo de mortalidade — da nossa existência.
É a torneira que pinga e o colega que funga, a criança que bate com o garfinho no rebordo do prato, a empregada que se esquece sempre de comprar maionnaise, a namorada que não enche o tabuleiro de gelo, o namorado que se esquece de tapar a pasta dentrífica, a nossa própria incompetência ao tentar programar o vídeo, o homem que mete um conto de gasolina e pede para verificar a pressão dos pneus,

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Luta de Classes

Não contem comigo para defender o elitismo cultural. Pelo contrário, contem comigo para rebentar cada detalhe do seu preconceito.
A cultura é usada como símbolo de status por alguns, alfinete de lapela, botão de punho. A raridade é condição indispensável desse exibicionismo. Só pertencendo a poucos se pode ostentar como diferenciadora. Essa colecção de símbolos é descrita com pronúncia mais ou menos afectada e tem o objectivo de definir socialmente quem a enumera.
Para esses indivíduos raros, a cultura é caracterizada por aqueles que a consomem. Assim, convém não haver misturas. Conheço melhor o mundo da leitura, por isso, tomo-o como exemplo: se, no início da madrugada, uma dessas mulheres que acorda cedo e faz limpeza em escritórios for vista a ler um determinado livro nos transportes públicos, os snobs que assistam a essa imagem são capazes de enjeitá-lo na hora. Começarão a definir essa obra como “leitura de empregadas de limpeza” (com muita probabilidade utilizarão um sinónimo mais depreciativo para descrevê-las).
Este exemplo aplica-se em qualquer outra área cultural que possa chegar a muita gente: música, cinema, televisão, etc. Aquilo que mais surpreende é que estes “argumentos”, esta forma de falar e de pensar seja utilizada em meios supostamente culturais por indivíduos supostamente cultos,

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Um Escritor é Uma Contradição

Um escritor é uma coisa curiosa. É uma contradição e, também, um contra-senso. Escrever também é não falar. É calar. É gritar sem ruído. Um escritor é, muitas vezes, repousante: ouve muito. Não fala muito porque é impossível falar a alguém de um livro que se escreveu e, sobretudo, de um livro que se está a escrever.
É impossível. É o oposto do cinema, o oposto do teatro e de outros espectáculos. É o oposto de todas as leituras. É o mais difícil de tudo. É o pior. Porque um livro é o desconhecido, é a noite, é fechado, é assim. É o livro que avança, que cresce, que avança em direcções que julgávamos ter explorado, que avança em direcção ao seu próprio destino e ao do seu autor, então aniquilado pela sua publicação: a sua separação dele, do livro sonhado, como da criança recém-nascida, sempre a mais amada.