As Nossas Verdades
A aprendizagem transforma-nos, faz o mesmo que toda a alimentação que tambĂ©m nĂŁo «conserva» apenas -: como sabe o fisiĂłlogo. Mas no fundo de nĂłs mesmos, muito «lá no fundo», há, na verdade, qualquer coisa rebelde a toda a instrução, um granito de fatum espiritual, de decisões predestinadas e de resposta a perguntas escolhidas e prĂ©-formuladas. A cada problema fundamental ouve-se inevitavelmente dizer «isso sou eu»; por exemplo, a respeito do homem e da mulher, um pensador nĂŁo pode aprender nada de novo mas apenas aprender atĂ© ao fim, – prosseguir atĂ© ao fim na descoberta do que, para ele, era «coisa assente» a esse respeito. Encontram-se por vezes certas soluções de problemas que alimentam precisamente a nossa grande fĂ©; talvez de ora em diante lhes chamemos as nossas «convicções».
Mais tarde – sĂł se verá, nessas convicções, pegadas que conduzem ao autoconhecimento, indicadores que conduzem ao problema que nĂłs somos, – ou mais exactamente, Ă grande estupidez que somos, ao nosso fatum espiritual, ao incorrigĂvel, que se encontra totalmente «lá no fundo». – Depois dessa atitude simpática que acabo de assumir em relação a mim prĂłprio, talvez me seja mais facilmente permitido dizer francamente algumas verdades sobre «a mulher em si»: uma vez que agora já se sabe de antemĂŁo que sĂŁo apenas –
Textos sobre FĂ© de Friedrich Nietzsche
5 resultadosA Maldade Espiritualiza-se
O julgamento e a condenação morais sĂŁo a vingança predilecta dos espĂritos tacanhos para com os que sĂŁo menos, alĂ©m de uma espĂ©cie de indemnização por terem sido mal dotados pela natureza, e finalmente uma oportunidade de eles prĂłprios obterem espĂrito e tornarem-se finos: – a maldade espiritualiza-se. Bem no fundo do coração agrada-lhes que exista um padrĂŁo que ponha ao seu nĂvel os abundantemente dotados de bens e privilĂ©gios de espĂrito: – lutam pela «igualdade de todos perante Deus» e para isso Ă© que quase precisam da fĂ© em Deus.
Aparentes Fazedores do Tempo na PolĂtica
Tal como o povo, perante quem seja entendido no tempo e o preveja com um dia de antecedĂŞncia, admite tacitamente que ele faz o tempo, assim tambĂ©m mesmo pessoas cultas e doutas, recorrendo a uma fĂ© supersticiosa, atribuem aos grandes estadistas todas as alterações e conjunturas importantes que se deram durante o seu governo, como se estas fossem a sua obra mais pessoal, quando Ă© simplesmente visĂvel que aqueles souberam alguma coisa do assunto mais cedo do que outros e fizeram o seu cálculo em conformidade: portanto, sĂŁo tambĂ©m tomados por fazedores do tempo… e essa crença nĂŁo Ă© o mais insignificante instrumento do seu poder.
Hábitos Breves
Gosto dos hábitos que nĂŁo duram; sĂŁo de um valor inapreciável se quisermos aprender a conhecer muitas coisas, muitos estados, sondar toda a suavidade, aprofundar a amargura. Tenho uma natureza que Ă© feita de breves hábitos, mesmo nas necessidades de saĂşde fĂsica, e, de uma maneira geral, tĂŁo longe quanto posso ver nela, de alto a baixo dos seus apetites. Imagino sempre comigo que esta ou aquela coisa se vai satisfazer duradouramente – porque o prĂłprio hábito breve acredita na eternidade, nesta fĂ© da paixĂŁo; imagino que sou invejável por ter descoberto tal objecto: devoro-o de manhĂŁ Ă noite, e ele espalha em mim uma satisfação, cujas delĂcias me penetram atĂ© Ă medula dos ossos, nĂŁo posso desejar mais nada sem comparar, desprezar ou odiar.
E depois um belo dia, aĂ está: o hábito acabou o seu tempo; o objecto querido deixa-me entĂŁo, nĂŁo sob o efeito do meu fastio, mas em paz, saciado de mim e eu dele, como se ambos nos devĂŞssemos gratidĂŁo e estendemo-nos a mĂŁo para nos despedirmos. E já um novo me aguarda, mas aguarda no limiar da minha porta com a minha fĂ© – a indestrutĂvel louca… e sábia! – em que este novo objecto será o bom,
Todo o Grande Homem Ă© CĂ©ptico
Todo o grande homem Ă©, necessariamente, cĂ©ptico, ainda que possa nĂŁo o mostrar: pelo menos se a grandeza dele consistir em querer uma coisa grande e grandes meios para realizá-la. A liberdade em relação a todas as convicções faz parte da sua vontade: o que está em conformidade com o “despotismo esclarecido” que todas as grandes paixões exercem. Uma paixĂŁo dessa espĂ©cie põe o intelecto ao seu serviço e tem a coragem de fazer uso atĂ© de certos meios proibidos – dos quais se serve, mas aos quais nĂŁo se submete.
A necessidade de crer, a necessidade de um sim e de um nĂŁo absolutos Ă© sinal de fraqueza, e toda a fraqueza Ă© uma fraqueza da vontade. O homem de fĂ©, o crente Ă©, necessariamente, de uma espĂ©cie inferior; disso resulta a liberdade de espĂrito, ou seja, a descrença instintiva: uma condição de grandeza.