O Outono da Vida
Começa devagarinho. Ă como tudo. A gente andamos na nossa vida, andamos influĂdos e estĂĄ claro que nĂŁo reparamos. De manhĂŁ, temos de pensar no cafĂ©.
Depois, hĂĄ-de vir o almoço. EstĂĄ claro que nem reparamos numa aragem. Mal uma aragem mais fresca que se mistura com o sol-pĂŽr. JĂĄ setembro quer acabar e ainda temos a torrina do sol na pele, a hora do calor, (quase cansada, para a cadela invisĂvel) Anda cĂĄ, Ladina… TambĂ©m estĂĄs a ficar velha… Arriba, cadela… (voltando ao tom e Ă direcção inicial) A gente nem dĂĄ fĂ©. Primeiro, Ă© umas pontadas nas costas, umas sezĂ”es, umas coisas assim. Primeiro, a gente julga que vai passar, como passavam os esfolĂ”es nas pernas quando Ă©ramos pequenos e andĂĄvamos a correr pelas ruas ou quando encontrĂĄvamos alguma ĂĄrvore a jeito de subir. Começa mesmo devagarinho. Aos poucos, (com ternura, para a cadela) Ah, Ladina… Bochinha, bochinha… EntĂŁo, nĂŁo queres vir? Anda cĂĄ, cadela… (voltando Ă direcção inicial) E as mĂŁos começam a tremer um bocadinho. E o trabalho começa a ser mais custoso. E um dia a gente jĂĄ quase que nĂŁo conhece a nossa cara no espelho no lavatĂłrio. Ă nesse dia, Ă© nessa hora que começa o outono.
Textos sobre FĂ© de JosĂ© LuĂs Peixoto
3 resultadosEntender os Outros
Entender os outros nĂŁo Ă© uma tarefa que comece nos outros. O inĂcio somos sempre nĂłs prĂłprios, a pessoa em que acordĂĄmos nesse dia. Entender os outros Ă© uma tarefa que nunca nos dispensa. Ser os outros Ă© uma ilusĂŁo. Quando estamos lĂĄ, a ver aquilo que os outros veem, a sentir na pele a aragem que outros sentem, somos sempre nĂłs prĂłprios, sĂŁo os nossos olhos, Ă© a nossa pele. NĂŁo somos nĂłs a sermos os outros, somos nĂłs a sermos nĂłs. NĂłs nunca somos os outros. Podemos entendĂȘ-los, que Ă© o mesmo que dizer: podemos acreditar que os entendemos. Os outros atĂ© podem garantir que estamos a entendĂȘ-los. Mas essa serĂĄ sempre uma fĂ©. Aquilo que entendemos estĂĄ fechado em nĂłs. Aquilo que procuramos entender estĂĄ fechado nos outros.
A Nossa Religiosidade
Existe sempre, em cada um de nós, uma religiosidade, mesmo em quem se considera ateu. à uma questão civilizacional, que se desvenda em aspectos tão prosaicos como acordarmos todos os dias com a certeza de que vamos encontrar o mundo igual ao que deixåmos no dia anterior. Apesar de nada nos garantir que assim seja, senão a crença, uma palavra em tudo semelhante à palavra fé.