A Crença só se Mantém pela Ritualização
Uma verdade racional Ă© impessoal e os factos que a sustentam ficam estabelecidos para sempre. Sendo, ao contrĂĄrio, pessoais e baseadas em concepçÔes sentimentais ou mĂsticas, as crenças sĂŁo submetidas a todos os factores susceptĂveis de impressionar a sensibilidade. Deveriam, portanto, ao que parece, modificar-se incessantemente.
As suas partes essenciais mantĂȘm-se, contudo, mas cumpre que sejam constantemente alentadas. Qualquer que seja a sua força no momento do seu triunfo, uma crença que nĂŁo Ă© continuamente defendida logo se desagrega. A histĂłria estĂĄ repleta de destroços de crenças que, por essa razĂŁo, tiveram apenas uma existĂȘncia efĂ©mera. A codificação das crenças em dogmas constitui um elemento de duração que nĂŁo poderia bastar. A escrita unicamente modera a acção destruidora do tempo.
Uma crença qualquer, religiosa, polĂtica, moral ou social mantĂ©m-se sobretudo pelo contĂĄgio mental e por sugestĂ”es repetidas. Imagens, estĂĄtuas, relĂquias, peregrinaçÔes, cerimĂŽnias, cantos, mĂșsica, prĂ©dicas, etc., sĂŁo os elementos necessĂĄrios desse contĂĄgio e dessas sugestĂ”es.
Confinado num deserto, privado de qualquer sĂmbolo, o crente mais convicto veria rapidamente a sua fĂ© declinar. Se, entretanto, anacoretas e missionĂĄrios a conservam, Ă© porque incessantemente relĂȘem os seus livros religiosos e, sobretudo, se sujeitam a uma multidĂŁo de ritos e de preces.
Textos sobre Livros de Gustave Le Bon
5 resultadosA InfluĂȘncia das IlusĂ”es nas Nossas Vidas
Traçar o papel das ilusĂ”es na gĂ©nese das opiniĂ”es e das crenças seria refazer a histĂłria da humanidade. Da infĂąncia Ă morte, a ilusĂŁo envolve-nos. SĂł vivemos por ela e sĂł ela desejamos. IlusĂ”es do amor, do Ăłdio, da ambição, da glĂłria, todas essas vĂĄrias formas de uma felicidade incessantemente esperada, mantĂȘm a nossa actividade. Elas iludem-nos sobre os nossos sentimentos e sobre os sentimentos alheios, velando-nos a dureza do destino.
As ilusÔes intelectuais são relativamente raras; as ilusÔes afectivas são quotidianas. Crescem sempre porque persistimos em querer interpretar racionalmente sentimentos muitas vezes ainda envoltos nas trevas do inconsciente. A ilusão afectiva persuade, por vezes, que entes e coisas nos aprazem, quando, na realidade, nos são indiferentes. Faz também acreditar na perpetuidade de sentimentos que a evolução da nossa personalidade condena a desaparecer com a maior brevidade.
Todas essas ilusĂ”es fazem viver e aformoseiam a estrada que conduz ao eterno abismo. NĂŁo lamentemos que tĂŁo raramente sejam submetidas Ă anĂĄlise. A razĂŁo sĂł consegue dissolvĂȘ-las paralisando, ao mesmo tempo, importantes mĂłbeis de acção. Para agir, cumpre nĂŁo saber demasiado. A vida Ă© repleta de ilusĂ”es necessĂĄrias.
Os motivos para não querer multiplicam-se com as discussÔes das coisas do querer.
A Maldade como Poderoso Elemento do Progresso Humano
Os sentimentos fixos e de forma constante qualificados de paixĂ”es constituem, tambĂ©m, possantes factores de opiniĂ”es, de crenças e, por conseguinte, de conduta. Certas paixĂ”es contagiosas tornam-se, por esse motivo, facilmente colectivas. A sua acção Ă©, entĂŁo, irresistĂvel. Elas precipitaram muitos povos uns contra os outros nas diversas fases da histĂłria. As paixĂ”es podem excitar a nossa actividade, porĂ©m, alteram, as mais das vezes, a justeza das opiniĂ”es, impedindo de ver as coisas como realmente sĂŁo e de compreender a sua gĂ©nese. Se nos livros de histĂłria sĂŁo abundantes os erros, Ă© porque, na maior parte dos casos, as paixĂ”es ditam a sua narrativa. NĂŁo se citaria, penso eu, um historiador que haja relatado imparcialmente a Revolução.
O papel das paixĂ”es Ă©, como vemos, muito considerĂĄvel nas nossas opiniĂ”es e, por conseguinte, na gĂ©nese dos acontecimentos. NĂŁo sĂŁo, infelizmente, as mais recomendĂĄveis que tĂȘm exercido maior acção. Kant reconheceu a grande força social das piores paixĂ”es. A maldade Ă©, no seu juĂzo, um poderoso elemento do progresso humano. Parece, infelizmente, muito certo que, se os homens tivessem seguido o preceito do Evangelho âAmai-vos uns aos outrosâ, ao invĂ©s de obedecerem ao da Natureza, que os incita a se destruĂrem mutuamente,
ContĂĄgio Mental
O contĂĄgio mental representa o elemento essencial da propagação das opiniĂ”es e das crenças. A sua força Ă©, muitas vezes, bastante considerĂĄvel para fazer agir o indivĂduo contra os seus interesses mais evidentes. As inumerĂĄveis narraçÔes de martĂrios, de suicĂdios, de mutilaçÔes, etc., determinados por contĂĄgio mental fornecem uma prova disso.
Todas as manifestaçÔes da vida psĂquica podem ser contagiosas, mas sĂŁo, especialmente, as emoçÔes que se propagam desse modo. As ideias contagiosas sĂŁo sĂnteses de elementos afectivos.
Na vida comum, o contĂĄgio pode ser limitado pela acção inibidora da vontade, mas, se uma causa qualquer – violenta mudança de meio em tempo de revolução, excitaçÔes populares, etc. – vĂȘm paralisĂĄ-la, o contĂĄgio exercerĂĄ facilmente a sua influĂȘncia e poderĂĄ transformar seres pacĂficos em ousados guerreiros, plĂĄcidos burgueses em terrĂveis sectĂĄrios. Sob a sua influĂȘncia, os mesmos indivĂduos passarĂŁo de um partido para outro e empregarĂŁo tanta energia em reprimir uma revolução quanto em fomentĂĄ-la.
O contĂĄgio mental nĂŁo se exerce somente pelo contacto direto dos indivĂduos. Os livros, os jornais, as notĂcias telegrĂĄficas, mesmo simples rumores, podem produzi-lo.
Quanto mais se multiplicam os meios de comunicação tanto mais se penetram e se contagiam. A cada dia estamos mais ligados àqueles que nos cercam.
A InfluĂȘncia dos Livros e dos Jornais
Os jornais e os livros exercem no nascimento e na propagação das opiniĂ”es uma influĂȘncia imensa, conquanto inferior Ă dos discursos. Os livros actuam muito menos que os jornais, pois a multidĂŁo nĂŁo os lĂȘ. Alguns foram, contudo, bastante poderosos pela sua influĂȘncia sugestiva para provocar a morte de milhares de homens. Tais sĂŁo as obras de Rousseau, verdadeira bĂblia dos chefes do Terror, ou A Cabana do Pai TomĂĄs, que contribuiu muito para a sanguinolenta guerra de secessĂŁo na AmĂ©rica do Norte. Outras obras como Robinson CrusĂłe e os romances de JĂșlio Verne exerceram grande influĂȘncia nas opiniĂ”es da juventude e determinaram muitas carreiras.
Essa força dos livros era, sobretudo, considerĂĄvel quando se lia pouco. A leitura da BĂblia no tempo de Cromwel criou na Inglaterra um nĂșmero avultado de fanĂĄticos. Sabe-se que na Ă©poca em que foi escrito Dom Quixote, os romances de cavalaria exerciam uma acção tĂŁo perniciosa em todos os cĂ©rebros que os soberanos espanhĂłis vedaram, finalmente, a venda desses livros.
Hoje, a influĂȘncia dos jornais Ă© muito superior Ă força dos livros. SĂŁo em nĂșmero incalculĂĄvel as pessoas que tĂȘm unicamente a opiniĂŁo do jornal que elas lĂȘem.