Passagens sobre Escrita

155 resultados
Frases sobre escrita, poemas sobre escrita e outras passagens sobre escrita para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

A Função do Escritor

O escritor escolheu a revelação do mundo e especialmente a revelação do homem aos outros homens para que estes adquiram, em face do objecto assim desnudado, toda a sua responsabilidade. Ninguém pode fingir ignorar a lei, porque há um código, e porque a lei é coisa escrita: depois disto, pode infringi-la, mas sabe os riscos que corre. Do mesmo modo, a função do escritor é fazer com que ninguém possa ignorar o mundo e que ninguém se possa dizer inocente.

Escrever é uma maneira de pensar que não se consegue pelo pensamento apenas. Todos os constrangimentos sintácticos e gramaticais da escrita, em vez de nos reprimirem, levam-nos a encontrar frases que não existiam antes de serem escritas, que não podiam existir de outra forma.

Eu não conheço, pela minha parte, de outros caminhos da criação que não sejam os abertos por eles próprios, ou seja, palavra a palavra, pelo próprio processo da escrita.

Leitura e Escrita

A leitura, é de facto, em meu entender, imprescindível: primeiro, para me não dar por satisfeito só com as minhas obras, segundo, para, ao informar-me dos problemas investigados pelos outros, poder ajuizar das descobertas já feitas e conjecturar as que ainda há por fazer.
A leitura alimenta a inteligência e retempera-a das fadigas do estudo, sem, contudo, pôr de lado o estudo. Não deve­mos limitar-nos nem só à escrita, nem só à leitura: uma diminui-nos as forças, esgota-nos (estou-me referindo ao trabalho da escrita), a outra amolece-nos e embota-nos a energia. Devemos alternar ambas as actividades, equilibrá­-las, para que a pena venha a dar forma às ideias coligidas das leituras. Como soe dizer-se, devemos imitar as abelhas que deambulam pelas flores, escolhendo as mais apropriadas ao fabrico do mel e depois trabalham o material recolhido, distribuem-no pelos favos e, nas palavras do nosso Vergilio, o líquido mel acumulam, e fazem inchar os alvéolos de doce néctar.
(…) Nós devemos imitar as abelhas, discri­minar os elementos colhidos nas diversas leituras (pois a memória conserva-os melhor assim discriminados), e depois, aplicando-lhes toda a atenção, todas as faculdades da nossa inteligência, transformar num produto de sabor individual todos os vários sucos coligidos de modo a que,

Continue lendo…

Nota para não Escrever

Se o conhecimento é uma forma de escrita, mesmo sem palavras, uma respiração calada, a narrativa que o silêncio faz de si mesmo, então não se deve escrever, nem mesmo admitindo que fazê-lo seria o reconhecimento do conhecimento. Pode escrever-se acerca do silêncio, porque é um modo de alcançá-lo, embora impertinente. Pode também escrever-se por asfixia, porque essa não é maneira de morrer. Pode escrever-se ainda por ilusão criminal: às vezes imagina-se que uma palavra conseguirá atingir mortalmente o mundo. A alegria de um assassinato enorme é legítima, se embebeda o espírito, libertando-o da melancolia da fraternidade universal. Mas se apesar de tudo se escrever, escreva-se sempre para estar só. A escrita afasta concretamente o mundo. Não é o melhor método, mas é um. Os outros requerem uma energia espiritual que suspeita do próprio uso da escrita, como a religiosidade suspeita da religião e o demonismo da demonologia. A escrita – inferior na ordem dos actos simbólicos – concilia-se mal com a metamorfose interior – finalidade e símbolo, ela mesma, da energia espiritual. O espírito tende a transformar o espírito, e transforma-o. O resultado é misterioso. O resultado da escrita, não.

É certamente verdade que quando era mais nova, a escrita pareceu-me tão importante que eu teria sacrificado quase tudo por isso… porque eu pensava no mundo acerca do qual eu escrevia – o mundo que eu criei – como algo muito mais enormemente vivo que o mundo onde na realidade vivia.

Em Cada Livro Que se Escreve, uma Vida Desconhecida

A parte desconhecida da minha vida é a minha vida escrita. Morrerei sem conhecer essa parte desconhecida. Como foi escrito isto, porquê, como o escrevi, não sei, não sei como isto começou. Não se pode explicar. Donde vêm certos livros? A página está vazia e, de repente, já há trezentas páginas. Donde vem isto? É preciso deixar andar, quando se escreve, não devemos controlar-nos, é preciso deixar andar, porque não sabemos tudo de nós próprios. Não sabemos o que somos capazes de escrever.

Conheci grandes escritores que nunca conseguiram falar disso – conheci Maurice Blanchot e Georges Bataille intimamente, conheci Genet, creio que menos. Eles nunca sabiam, nunca falavam disso. Penso que é errado, aliás. Há trinta anos, era uma espécie de pudor aprendido, em parte, na escola sartriana, não se podia falar daquilo que se escrevia, não era decente – e penso que em Les Parleuses é a primeira vez que alguém fala disso, pelo menos uma das primeiras vezes. É bom falar disso e, ao mesmo tempo, é muito perigoso dar a ler textos antes de estarem terminados.
(…) Após o final de cada livro é o fim do mundo inteiro, é sempre assim, de cada vez.

Continue lendo…

A Utilidade da Escrita

Não se coloca o tema da utilidade, porque, pergunto: em que âmbito é útil seja o que for? Interessa-me este resultado: o de que em mim, expressando-se em gramática, em pauta, há uma expectativa ardente, uma ardente pergunta sem resposta, uma perplexidade ardente que me concedem um centro, um ponto de vista sobre a debandada das coisas, coisas centrífugas para diante, nos dias, no caos dos dias, centrífugas para trás, nos instantes mais densos da memória, átomos fosforecendo no caótico fluxo da memória. E então eu sei: respiro nessa pergunta, respiro na escrita dessa pergunta. Qualquer resposta seria um erro. Como eu próprio sugeri algures: um erro das musas distraídas.

A Companhia da Literatura é Perigosa

A companhia da literatura é perigosa, tanto que eu, por vezes, a pessoas que aprecio não vejo motivos nenhuns para lhes aplaudir que leiam muito e penetrem tanto nos livros, e o que lhes desejo é o Bem, e qualquer um que tenha lido por exemplo Kafka conhece perfeitamente «quanta angústia excessiva para nada» (como dizia Pessoa) há na literatura.
Como diz Magris: «Kafka sabia perfeitamente que a literatura o afastava do território da morte e permitia-lhe compreender a vida, mas deixando-o de fora. Assim como lhe permitia compreender a grandeza do padre judeu, modelo de homem, mas não lhe permitia precisamente sê-lo.»
Precisamente porque a literatura nos permite compreender a vida, deixa-nos fora dela. É duro, mas às vezes é o melhor que nos pode acontecer. A leitura, a escrita, buscam a vida, mas podem perdê-la precisamente porque estão inteiramente concentradas na vida e na sua própria busca.
Talvez seja a melancolia da tarde em que estou a escrever isto, mas a verdade é que estou a falar de um nó inextricável de bem e de mal, de luzes e sombras inerentes à leitura e à literatura. Tudo isto é duro, para quê nos enganarmos. Trata-se de uma dureza que,

Continue lendo…

A vida das pessoas move-se por desafios constantes. Aqui há tempos estive a ler uma autobiografia do Graham Greene, em que ele dizia não compreender como é que as pessoas que não escreviam escapavam à melancolia. A escrita é um maravilhoso substituto da depressão.

Acho que o som da música é imprescindível para o ser humano e que o uso da palavra falada e escrita é como a música, duas coisas das mais altas que nos elevam do reino dos macacos, do reino animal.

Voltei – timidamente – ao Ensaio (escrita do «Ensaio sobre a Cegueira»). Modifiquei umas quantas coisas, e o capítulo ficou bastante melhor: a importância que pode ter usar uma palavra em vez de outra, aqui, além, um verbo mais certeiro, um adjectivo menos visível, parece nada e afinal é quase tudo.

Deves escrever, em primeiro lugar, para te agradar a ti próprio. Não deves ter qualquer preocupação em relação a ninguém que possa vir a ler o que escreves. Mas a escrita não pode ser um modo de vida – a parte mais importante da escrita é a vida. Tens que viver de forma que a tua escrita emerja a partir do que vives.

Luta de Classes

Não contem comigo para defender o elitismo cultural. Pelo contrário, contem comigo para rebentar cada detalhe do seu preconceito.
A cultura é usada como símbolo de status por alguns, alfinete de lapela, botão de punho. A raridade é condição indispensável desse exibicionismo. Só pertencendo a poucos se pode ostentar como diferenciadora. Essa colecção de símbolos é descrita com pronúncia mais ou menos afectada e tem o objectivo de definir socialmente quem a enumera.
Para esses indivíduos raros, a cultura é caracterizada por aqueles que a consomem. Assim, convém não haver misturas. Conheço melhor o mundo da leitura, por isso, tomo-o como exemplo: se, no início da madrugada, uma dessas mulheres que acorda cedo e faz limpeza em escritórios for vista a ler um determinado livro nos transportes públicos, os snobs que assistam a essa imagem são capazes de enjeitá-lo na hora. Começarão a definir essa obra como “leitura de empregadas de limpeza” (com muita probabilidade utilizarão um sinónimo mais depreciativo para descrevê-las).
Este exemplo aplica-se em qualquer outra área cultural que possa chegar a muita gente: música, cinema, televisão, etc. Aquilo que mais surpreende é que estes “argumentos”, esta forma de falar e de pensar seja utilizada em meios supostamente culturais por indivíduos supostamente cultos,

Continue lendo…

Sou muito consciente do facto que um grande esforço foi feito para destruir a minha mente, porque fui privado de livros, privado de qualquer meio de escrita, privado de companhia humana. Nunca ninguém sabe o que quanto precisa de tudo isto quando está privado destes direitos.