Textos sobre Medo de José Luís Peixoto

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Textos de medo de José Luís Peixoto. Leia este e outros textos de José Luís Peixoto em Poetris.

O Pior Medo Ă© o Medo de NĂłs PrĂłprios

O medo Ă© muitas vezes o muro que impede as pessoas de fazerem uma sĂ©rie de coisas. Claro que o medo tambĂ©m pode ser positivo, em certa medida ajuda a que se equilibrem alguns elementos e se tenham certas coisas em consideração, mas na maior parte dos casos Ă© negativo, Ă© algo que nos faz mal. (…) O pior medo Ă© o medo de nĂłs prĂłprios e a pior opressĂŁo Ă© a auto-opressĂŁo. Antes de se tentar lutar contra qualquer outra coisa, penso que Ă© importante lutarmos contra ela e conquistarmos a liberdade de nĂŁo termos medo de nĂłs prĂłprios.

A Mulher de Negro

Os sons da floresta, as ĂĄrvores, a bicicleta e, ao longe, o silĂȘncio imĂłvel de um vulto negro. Aproximei-me e era uma mulher vestida de negro. Um xaile negro sobre os ombros. Um lenço negro sobre a cabeça. O som dos pneus da bicicleta a pararem, o som de amassarem folhas hĂșmidas e de fazerem estalar ramos. Os meus pĂ©s a pousarem no chĂŁo. Os olhos da mulher entre o negro. Os olhos pequenos da mulher. O seu rosto branco. Vimo-nos como se nos encontrĂĄssemos, como se nos tivĂ©ssemos perdido havia muito tempo e nos encontrĂĄssemos. O tempo deixou de existir. O silĂȘncio deixou de existir. Pousei a bicicleta no chĂŁo para caminhar na direcção da mulher. Era atraĂ­do por segredos. Durante os meus passos, a mulher estendeu-me a mĂŁo. A sua mĂŁo era muito velha. A palma da sua mĂŁo tinha linhas que eram o mapa de uma vida inteira, uma vida com todos os seus enganos, com todos os seus erros, com todas as suas tentativas. Os seus olhos de pedra. Senti os ossos da sua mĂŁo a envolverem os meus dedos. NĂŁo me puxou, mas eu aproximei o meu corpo do seu. Senti a sua respiração no meu pescoço.

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A Voz que Ouço quando Leio

Quando leio, hĂĄ uma voz que lĂȘ dentro de mim. Paro o olhar sobre o texto impresso, mas nĂŁo acredito que seja o meu olhar que lĂȘ. O meu olhar fica embaciado. É essa voz que lĂȘ. Quando Ă© sĂ©ria, ouço-a falar-me de assuntos sĂ©rios. Às vezes, sussurra-me. Às vezes, grita-me. Essa voz nĂŁo Ă© a minha voz. NĂŁo Ă© a voz que, em filmagens de festas de anos e de natais, vejo sair da minha boca, do movimento dos meus lĂĄbios, a voz que estranho por, num rosto parecido com o meu, nĂŁo me parecer minha. A voz que ouço quando leio existe dentro de mim, mas nĂŁo Ă© minha. NĂŁo Ă© a voz dos meus pensamentos. A voz que ouço quando leio existe dentro de mim, mas Ă© exterior a mim. É diferente de mim. Ainda assim, nĂŁo acredito que alguĂ©m possa ter uma voz que lĂȘ igual Ă  minha, por isso Ă© minha mas nĂŁo Ă© minha. Mas, claro, nĂŁo posso ter a certeza absoluta. NĂŁo sĂł porque uma voz Ă© indescritĂ­vel, mas tambĂ©m porque nunca ninguĂ©m me tentou descrever a voz que ouve quando lĂȘ e porque eu nunca falei com ninguĂ©m da voz que ouço quando leio.

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Luta de Classes

NĂŁo contem comigo para defender o elitismo cultural. Pelo contrĂĄrio, contem comigo para rebentar cada detalhe do seu preconceito.
A cultura Ă© usada como sĂ­mbolo de status por alguns, alfinete de lapela, botĂŁo de punho. A raridade Ă© condição indispensĂĄvel desse exibicionismo. SĂł pertencendo a poucos se pode ostentar como diferenciadora. Essa colecção de sĂ­mbolos Ă© descrita com pronĂșncia mais ou menos afectada e tem o objectivo de definir socialmente quem a enumera.
Para esses indivĂ­duos raros, a cultura Ă© caracterizada por aqueles que a consomem. Assim, convĂ©m nĂŁo haver misturas. Conheço melhor o mundo da leitura, por isso, tomo-o como exemplo: se, no inĂ­cio da madrugada, uma dessas mulheres que acorda cedo e faz limpeza em escritĂłrios for vista a ler um determinado livro nos transportes pĂșblicos, os snobs que assistam a essa imagem sĂŁo capazes de enjeitĂĄ-lo na hora. ComeçarĂŁo a definir essa obra como “leitura de empregadas de limpeza” (com muita probabilidade utilizarĂŁo um sinĂłnimo mais depreciativo para descrevĂȘ-las).
Este exemplo aplica-se em qualquer outra ĂĄrea cultural que possa chegar a muita gente: mĂșsica, cinema, televisĂŁo, etc. Aquilo que mais surpreende Ă© que estes “argumentos”, esta forma de falar e de pensar seja utilizada em meios supostamente culturais por indivĂ­duos supostamente cultos,

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