Amo-te
Talvez nĂŁo seja prĂłprio vir aqui, para as pĂĄginas deste livro, dizer que te amo. NĂŁo creio que os leitores deste livro procurem informaçÔes como esta. No mundo, hĂĄ mais uma pessoa que ama. Qual a relevĂąncia dessa notĂcia? Ă sombra do guarda-sol ou de um pinheiro de piqueniques, os leitores nĂŁo deverĂŁo impressionar-se demasiado com isso. Depois de lerem estas palavras, os seus pensamentos instantĂąneos poderĂŁo diluir-se com um olhar em volta. Para eles, este texto serĂĄ como iniciais escritas por adolescentes na areia, a onda que chega para cobri-las e apagĂĄ-las. E possĂvel que, perante esta longa afirmação, alguns desses leitores se indignem e que escrevam cartas de protesto, que reclamem junto da editora. Dou-lhes, desde jĂĄ, toda a razĂŁo.
Eu sei. Talvez nĂŁo seja prĂłprio vir aqui dizer aquilo que, de modo mais ecolĂłgico, te posso afirmar ao vivo, por email, por comentĂĄrio do facebook ou mensagem de telemĂłvel, mas Ă© tĂŁo bom acreditar, transporta tanta paz. Tu sabes. Extasio-me perante este agora e deixo que a sua imensidĂŁo me transcenda, nĂŁo a tento contrariar ou reduzir a qualquer coisa explicĂĄvel, que tenha cabimento nas palavras, nestas pobres palavras. Em vez disso, desfruto-a, sorrio-lhe. NĂŁo estou aqui com a expectativa de ser entendido.
Textos sobre Paisagem de JosĂ© LuĂs Peixoto
3 resultadosEste Livro Podia Acabar Aqui
Este livro podia acabar aqui. Sempre gostei de enredos circulares. E a forma que os escritores, pessoas do tamanho das outras, tĂȘm para sugerir eternidade. Se acaba conforme começa Ă© porque nĂŁo acaba nunca. Mas tu, eu, os Flauberts, os Joyces, os Dostoievskis sabemos que, para nĂłs, acaba. Com um ligeiro desvio, os cĂrculos transfor-mam-se em espirais e, depois, basta um ponto como este: . O bico de uma caneta espetada no papel. Um gesto a acertar na tecla entre , e -. Um movimento sobre um quadradinho de plĂĄstico. Isto: . Repara como Ă© pequeno, insuficiente para espreitarmos atravĂ©s dele, floco de cinza a planar, resto de formiga esmagada. Se o pudĂ©ssemos segurar entre os dedos, nĂŁo serĂamos capazes de senti-lo, grĂŁo de areia. Mas tu ainda estĂĄs aĂ, olĂĄ, eu ainda estou aqui e nĂŁo poderia ir-me embora sem te agradecer. AĂ e aqui ainda Ă© o mesmo lugar. Sinto-me grato por essa certeza simples. A paisagem, mundo de objectos, apenas ganharĂĄ realidade quando deixarmos estas palavras. AtĂ© lĂĄ, temos a cabeça submersa neste tempo sem relĂłgios, sem dias de calendĂĄrio, sem estaçÔes, sem idade, sem agosto, este tempo encadernado. As tuas mĂŁos seguram este livro e, no entanto,
A Voz que Ouço quando Leio
Quando leio, hĂĄ uma voz que lĂȘ dentro de mim. Paro o olhar sobre o texto impresso, mas nĂŁo acredito que seja o meu olhar que lĂȘ. O meu olhar fica embaciado. Ă essa voz que lĂȘ. Quando Ă© sĂ©ria, ouço-a falar-me de assuntos sĂ©rios. Ăs vezes, sussurra-me. Ăs vezes, grita-me. Essa voz nĂŁo Ă© a minha voz. NĂŁo Ă© a voz que, em filmagens de festas de anos e de natais, vejo sair da minha boca, do movimento dos meus lĂĄbios, a voz que estranho por, num rosto parecido com o meu, nĂŁo me parecer minha. A voz que ouço quando leio existe dentro de mim, mas nĂŁo Ă© minha. NĂŁo Ă© a voz dos meus pensamentos. A voz que ouço quando leio existe dentro de mim, mas Ă© exterior a mim. Ă diferente de mim. Ainda assim, nĂŁo acredito que alguĂ©m possa ter uma voz que lĂȘ igual Ă minha, por isso Ă© minha mas nĂŁo Ă© minha. Mas, claro, nĂŁo posso ter a certeza absoluta. NĂŁo sĂł porque uma voz Ă© indescritĂvel, mas tambĂ©m porque nunca ninguĂ©m me tentou descrever a voz que ouve quando lĂȘ e porque eu nunca falei com ninguĂ©m da voz que ouço quando leio.