Uma Direcção, e Não SoluçÔes
A diferença entre solução e direcção Ă© esta: a solução Ă© sempre um remĂ©dio passageiro para disfarçar a desgraça. Ao passo que a direcção Ă© a prĂłpria dignidade posta nas mĂŁos do desgraçado para que deixe de o ser, e a direcção Ășnica Ă© a garantia perpĂ©tua dessa dignidade. E foi o que fez Goethe: Descobriu a direcção Ășnica. Artista, na verdadeira acepção da palavra; Artista Ă© aquele que precede a prĂłpria ciĂȘncia. Por isso Goethe afastou-se de quantas realidades irrealizĂĄveis onde costumam habitar instaladas as gentes. E impassĂvel, desde cima, assistiu ao desenrolar da tragĂ©dia. E viu o mundo inteiro por cima de todas as cabeças, e viu a Europa toda e com cada um dos seus pedaços, e viu cada indivĂduo da Humanidade como um pequenino astro tonto que nem sabe sequer ir na parĂĄbola da sua prĂłpria trajectĂłria, e viu que de todos os seres deste mundo o Ășnico que errava o seu fim era o Homem, o dono da Terra! E viu que era na Humanidade que estavam os Ășnicos seres deste mundo que nĂŁo cumpriam com o seu prĂłprio destino, e finalmente viu! Viu com os seus prĂłprios olhos o que ninguĂ©m tinha visto antes dele.
Textos sobre Palavras de Almada Negreiros
4 resultadosMatĂ©ria e EspĂrito
NĂłs hoje estamos ao mesmo tempo na melhor Ă©poca da humanidade e na pior. TĂŁo depressa sentimos que tudo em nĂłs e em redor marcha unĂssono em frente, como subitamente um grande atrito emperra as nossas prĂłprias articulaçÔes. HĂĄ ao mesmo tempo qualquer coisa que nos desacompanha e qualquer coisa que nos anima. HĂĄ caminhos inteiros que terminam sĂșbito e nĂŁo hĂĄ caminho inteiro e vitalĂcio. E nĂłs desejamos francamente acertar com a direcção Ășnica e onde o Ășnico obstĂĄculo seja de verdade o mistĂ©rio do futuro.
Todo aquele que se lance mais animado pela palavra espĂrito, nĂŁo creia que faz mais do que estar sujeito a uma determinante actual. A consciĂȘncia material, como acontece hoje, dĂĄ entrada natural para o campo do espĂrito. Assim tambĂ©m o espĂrito tem existĂȘncia vital segundo a qualidade de consciĂȘncia da matĂ©ria. O espĂrito apartando da matĂ©ria nĂŁo Ă© deste mundo. EspĂrito e matĂ©ria confundem-se em vida.
Acontece, porĂ©m, que os fugitivos da matĂ©ria transformam em si esse unilateralismo ao ingressar no espĂrito, e ficam outra vez de banda, inversamente agora, mas como antes. Ora o espĂrito nĂŁo tem mais dimensĂ”es do que a matĂ©ria; sĂŁo outras, mas idĂȘnticas, que se justapĂ”em,
Amizade na Empatia Divergente
As pessoas que mais admiro sĂŁo aquelas que melhor divergem da minha pessoa. Claro estĂĄ, sĂł se diverge de outrem dentro do que nos Ă© comum. Porque hĂĄ quem nada tenha de comum connosco, nem sequer a prĂłpria existĂȘncia e a mesma humanidade. E nĂŁo esqueçamos que o espaço e o tempo sĂŁo aparĂȘncias por nĂłs fabricadas para dar passo ao espĂrito e nĂŁo lenha para nos queimarmos. Ao mesmo tempo e no mesmo espaço podem juntar-se as pessoas mais alheias entre si e como nĂŁo acontece na HistĂłria em tempos e espaços diferentes. A universalidade humana Ă© tĂŁo vĂĄria que pode um satisfazer inteiramente a sua e sem que lhe passe sequer pela cabeça a de outro que satisfaça tambĂ©m completamente a dele.
O tempo de cada qual Ă© o justo para si. NĂŁo Ă© dado a ninguĂ©m a ocasiĂŁo da polĂcia do tempo de outrem. De modo que Ă porta da nossa intimidade havemos de pĂŽr a admiração por aquele que vai entrar, tanto em quanto diverge como em quanto coincide connosco. Por outras palavras: nĂŁo vale mais o nosso mistĂ©rio do que o de outro qualquer. SĂł o mistĂ©rio chega inteiro ao fim.
O Valor da Ingenuidade
O maior perigo que corre o ingĂ©nuo: o de querer ser esperto. TĂŁo ingĂ©nuo que cuida, coitado, de que alguma vez no mundo o conhecimento valeu mais do que a ingenuidade de cada um. A ingenuidade Ă© o legĂtimo segredo de cada qual, Ă© a sua verdadeira idade, Ă© o seu prĂłprio sentimento livre, Ă© a alma do nosso corpo, Ă© a prĂłpria luz de toda a nossa resistĂȘncia moral.
Mas os ingénuos são os primeiros que ignoram a força criadora da ingenuidade, e na ùnsia de crescer compram vantagens imediatas ao preço da sua própria ingenuidade.
RarĂssimos foram e sĂŁo os ingĂ©nuos que se comprometeram um dia para consigo prĂłprios a nĂŁo competir neste mundo senĂŁo consigo mesmos. A grande maioria dos ingĂ©nuos desanima logo de entrada e prefere tricher no jogo de honra, do mĂ©rito e do valor. SĂŁo eles as prĂłprias vĂtimas de si mesmos, os suicidas dos seus legĂtimos poetas, os grotescos espanatalhos da sua prĂłpria esperteza saloia.
Bem haja o povo que encontrou para o seu idioma esta denunciante expressĂŁo da pessoa que Ă© vĂtima de si mesma: a esperteza saloia. A esperteza saloia representa bem a lição que sofre aquele que nĂŁo confiou afinal em si mesmo,