Moral e Guerra
As leis da moral são uma invenção da humanidade para privar dos seus direitos os mais poderosos em favor dos fracos. As leis da história subvertem as leis da moral a cada passo. A validade de uma perspectiva moral nunca pode ser confirmada ou infirmada por um qualquer exame definitivo. Quando um homem cai morto num duelo, isso não demonstra que as suas ideias eram erradas. O facto de ele se ter envolvido numa tal prova apenas atesta uma nova e mais vasta perspectiva. A vontade dos duelistas de renunciar a quaisquer novas discussões, reconhecendo o carácter trivial de todo e qualquer debate, e de apelar directamente às instãncias do absoluto histórico indica claramente a pouca importância de que se revestem as opiniões e a grande importância das divergências em torno dessas mesmas opiniões. Pois a discussão é efectivamente trivial, mas o mesmo não se pode dizer das vontades opostas que a discussão pôs em relevo.
A vaidade humana é bem capaz de tocar as raias do infinito, mas o seu saber permanece imperfeito, e, por mais que ele acabe por valorizar os seus próprios juízos, em última análise vê-se obrigado a submetê-los a um tribunal superior. Na guerra,
Passagens sobre História
759 resultadosHá episódios comprovados na História em que a gente não consegue acreditar.
A história é uma destilação do boato.
O ditador não precisa atrasar o relógio; ele mesmo atrasa a História.
Quando comecei a escrever, tentei vender a história de minha vida sexual para uma editora. Eles a compraram e a transformaram num joguinho de armar para crianças.
Não basta dizer que a história é o juízo histórico, mas é preciso acrescentar que todo o juízo é juízo histórico, ou história, com certeza.
Para sobreviver, tens que contar histórias.
Além da segunda edição, os casamentos pertencem à história das múmias ou dos fósseis.
Finda
A conclusão de tudo é só a morte
e não há mais epílogo nem finda.
Não se termina o verso nem o curso
mudamos à conversa interrompida.Não findamos o verso nem acaba
o desfazer-se o mar contra esta praia.
A conclusão de tudo é só a morte,
nem o silêncio quebra a sua amarra.Sequer há conclusão? Sequer há morte
nas palavras deixadas pelos recantos
mais sujos e perdidos do seu norte?Amor que nos moveu no desalento,
a pátria destes versos foi só pura
imaginação por dentro da memória.(Mas já outras canções nos estremecem:
longe do coração começa a História.)
O Elogio da História
Nenhuma realidade é mais essencial para a nossa autocertificação do que a história. Mostra-nos o mais largo horizonte da humanidade, oferece-nos os conteúdos tradicionais que fundamentam a nossa vida, indica-nos os critérios para avaliação do presente, liberta-nos da inconsciente ligação à nossa época e ensina-nos a ver o homem nas suas mais elevadas possibilidades e nas suas realizações imperceptíveis.
Não podemos melhor aproveitar os nossos ócios do que familiarizando-nos com as magnificências do passado, conservando viva essa recordação e, ao mesmo tempo, contemplando as calamidades em que tudo se subverteu. A experiência do presente compreende-se melhor reflectida no espelho da história. O que a história nos transmite vivifica-se à luz da nossa época. A nossa vida processa-se no esclarecimento recíproco do passado e do presente.
Só de perto, na intuição concreta e sensível, e prestando atenção aos pormenores, a história realmente interessa. Filosofando procedemos a considerações que se mantêm abstractas.
Quem só tem o espírito da história não compreendeu a lição da vida e tem sempre de retomá-la. É em ti mesmo que se coloca o enigma da existência: ninguém o pode resolver senão tu!
A História se repete através dos séculos.
Se queremos progredir, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova.
Não existe história alguma que não seja uma descrição mais ou menos completa de qualquer batalha.
Camões IV
Um dia, junto à foz de brando e amigo
Rio de estranhas gentes habitado,
Pelos mares aspérrimos levado,
Salvaste o livro que viveu contigo.E esse que foi às ondas arrancado,
Já livre agora do mortal perigo,
Serve de arca imortal, de eterno abrigo,
Não só a ti, mas ao teu berço amado.Assim, um homem só, naquele dia,
Naquele escasso ponto do universo,
Língua, história, nação, armas, poesia,Salva das frias mãos do tempo adverso.
E tudo aquilo agora o desafia.
E tão sublime preço cabe em verso.
A Dupla Realidade
A mente pregava-nos partidas. Fabricava estímulos, treslia sinais. Lesões e fissuras instalavam-se no corpo caloso dos nossos cérebros, dificultando a comunicação entre as suas duas metades. Confundiam o hemisfério da racionalidade e, nos momentos mais inconvenientes, obrigavam a entrar em acção aquele ao qual cabia o fabrico de histórias.
Talvez tivesse sido o caso. Lera sobre isso. O cérebro podia ser mentiroso, e as ilusões ópticas não passavam do menor dos seus truques. Um pequeno desequilíbrio entre o esplénio e o fórnix era suficiente para a instauração de uma espécie de dupla-realidade — pelo menos até que se impusesse o dilema lógico capaz de produzir o curto-circuito capaz de a desmontar. E nem nesse momento um homem poderia considerar-se a salvo, porque, como qualquer curto-circuito, também esse era de consequências imprevisíveis.
Pequei, Senhor; Mas Não Porque Hei Pecado
Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido,
Porque quanto mais tenho delinqüido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.Se uma ovelha perdida e já cobrada
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história:Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.
Um homem precisa viajar, por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros e tevês, precisa viajar, por si, com os olhos e pés, para entender o que é seu
Uma história vivida não tem tempo de calendário – tem-no só no que se viveu.
O que Leva o Homem a Suspeitar Muito é o Saber Pouco
As suspeitas são entre os pensamentos o que os morcegos são entre os pássaros; voam sempre ao crepúsculo. Certamente, devem ser reprimidos, ou pelo menos bem vigiados, porque ofuscam o espírito. As suspeitas afastam-nos dos amigos e vão de encontro aos nossos negócios, que afastam do caminho normal e direito. As suspeitas impelem os reis à tirania, os maridos ao ciúme, os sábios à irresolução e à melancolia. São fraquezas não do coração, mas do cérebro, porque se alojam nos carácteres mais intrépidos, como no exemplo de Henrique VII de Inglaterra, que, entre os homens, foi também o mais suspeitoso e também o mais intrépido. As suspeitas fazem muito mal a estes homens. Nas outras pessoas, as suspeitas só são admitidas depois de exame à sua verosimilhança, mas nas pessoas timoratas elas rapidamente adquirem fundamento. O que leva o homem a suspeitar muito é o saber pouco; por isso os homens deveriam dar remédio às suspeitas procurando saber mais, em vez de se deixarem sufocar por elas.
Que querem eles? Pensarão talvez que são santas as pessoas que empregam e com quem tratam? Que elas não pensam em atingir os seus fins, e que serão mais leais para com os outros do que para consigo próprias?