Viver no Escuro ou na Sombra
O objecto que amamos parece-nos mais belo do que Ă©, por isso vemos com frequĂȘncia mulheres feias e mal-feitas serem adoradas e desfrutarem de grandes honras (LucrĂ©cio), e mais feio aquele pelo qual temos aversĂŁo. Para um homem contrariado e aflito a claridade do dia parece escurecida e tenebrosa. Os nossos sentidos sĂŁo nĂŁo apenas alterados mas amiĂșde totalmente embrutecidos pelas paixĂ”es da alma. Quantas coisas vemos, que nĂŁo perceberemos se tivermos o nosso espĂrito ocupado alhures? Mesmo com coisas bem visĂveis, reconhecerĂĄs que, se nĂŁo lhes aplicares o espĂrito, Ă© como se desde sempre elas estivessem ausentes ou muito distantes (LucrĂ©cio). Parece que a alma traz para o interior e transvia os poderes dos sentidos. Dessa maneira, tanto o interior como o exterior do homem sĂŁo cheios de fraqueza e de mentira.
Os que compararam a nossa vida com um sonho tiveram razĂŁo, talvez, mais do que pensavam. Quando sonhamos, a nossa alma vive, age, exerce todas as suas faculdades, nem mais nem menos do que quando estĂĄ em vigĂlia; porĂ©m de modo mais frouxo e obscuro, decerto nĂŁo tanto que a diferença seja como da noite para uma viva claridade, mas sim como da noite para a sombra: lĂĄ ela dorme,
Textos sobre VigĂlia de Michel de Montaigne
2 resultadosNao hå Virtude sem Agitação Desordenada
Os choques e abalos que a nossa alma recebe pelas paixĂ”es corporais muito podem sobre ela; porĂ©m podem mais ainda as suas prĂłprias, pelas quais estĂĄ tĂŁo fortemente dominada que talvez possamos afirmar que nĂŁo tem nenhuma outra velocidade e movimento que nĂŁo os do sopro dos seus ventos, e que, sem a agitação destes, ela permaneceria sem acção, como um navio em pleno mar e que os ventos deixassem sem ajuda. E quem sustentasse isso, seguindo o partido dos peripatĂ©ticos, nĂŁo nos causaria muito dano, pois Ă© sabido que a maior parte das mais belas acçÔes da alma procedem desse impulso das paixĂ”es e necessitam dele. A valentia, diz-se, nĂŁo se pode cumprir sem a assistĂȘncia da cĂłlera.
Ajax sempre foi valente, mas nunca o foi tanto como na sua loucura (CĂcero)
Nem investimos contra os maus e os inimigos com tanto vigor se nĂŁo estivermos encolerizados; e pretende-se que o advogado inspire a cĂłlera nos juĂzes para deles obter justiça. As paixĂ”es excitaram TemĂstocles, excitaram DemĂłstenes e impeliram os filĂłsofos para trabalhos, vigĂlias e peregrinaçÔes; conduzem-nos Ă honra, Ă ciĂȘncia, Ă saĂșde – fins Ășteis. E essa falta de vigor da alma para suportar o sofrimento e os desgostos serve para alimentar na consciĂȘncia a penitĂȘncia e o arrependimento,