A pátria, como tudo, és tu. Se for também a do teu adversário político, é já problemático haver pátria que chegue para os dois.
Passagens de Vergílio Ferreira
496 resultadosUma história vivida não tem tempo de calendário – tem-no só no que se viveu.
Não te coíbas de repetir o que já disseste, porque és pequeno e só assim talvez será possível que te ouçam.
Os grandes sistemas do pensar, da ciência, as grandes correntes literárias e artísticas, os grandes ideários políticos ou religiosos. Tudo passou. Restos detritos fragmentos. Toma o teu bocado e senta-te no vão de uma porta a comê-lo.
Uma verdade só é verdade quando levada às últimas consequências. Até lá não é uma verdade, é uma opinião.
Por detrás de um triunfo há sempre uma vingança. E é numa razão directa que varia a sua grandeza.
O Que Procuro na Literatura
Que é que eu procuro na literatura? Que é que me arrasta para este combate interminável e sempre votado ao fracasso? Como é imbecil pensar-se que se escreve para se «ter nome» e as vantagens que nisso vêm. Espera-se decerto sempre fazer melhor, mas só porque sempre se falhou. Assim se sabe também que se vai falhar de novo. Não se escreve para ninguém, o problema decide-se apenas entre nós e nós. Mas há um lugar inatingível e cada nova tentativa é uma tentativa para o alcançar.
O desejo que nos anima é o de fixar, segurar pela palavra o que entrevemos e se nos furta. Julgamos às vezes que o atingimos, mas logo se sabe que não. Miragem perene de uma presença luminosa, de um absoluto de estarmos inundados dessa evidência, encantamento que nos deslumbra no instante e nesse instante se dissolve.
O que me arrasta nesta luta sem fim é o aceno de uma plenitude de ser, a integração perfeita do que sou no milagre que me entreluz, a transfiguração de mim e do mundo no que fulgura e vai morrer.
Recaído de cada vez no mais baixo, na grossa naturalidade de que sou feito,
A verdadeira amizade é a disponibilidade inteira de nós e só na juventude se está inteiramente disponível.
Que Há para Lá do Sonhar?
Céu baixo, grosso, cinzento
e uma luz vaga pelo ar
chama-me ao gosto de estar
reduzido ao fermento
do que em mim a levedar
é este estranho tormento
de me estar tudo a contento,
em todo o meu pensamento
ser pensar a dormitar.Mas que há para lá do sonhar?
Ser Livre
É mais difícil ser livre do que puxar a uma carroça. Isto é tão evidente que receio ofender-vos. Porque puxar uma carroça é ser puxado por ela pela razão de haver ordens para puxar, ou haver carroça para ser puxada. Ou ser mesmo um passatempo passar o tempo puxando. Mas ser livre é inventar a razão de tudo sem haver absolutamente razão nenhuma para nada. É ser senhor total de si quando se é senhoreado. É darmo-nos inteiramente sem nos darmos absolutamente nada. É ser-se o mesmo, sendo-se outro. É ser-se sem se ser. Assim, pois, tudo é complicado outra vez. É mesmo possível que sofra aqui e ali de um pouco de engasgamento. Mas só a estupidez se não engasga, ó meritíssimos, na sua forma de ser quadrúpede, como vós o deveis saber.
Toda a verdade cansa. A génese da História está aí.
Só se é importante cultivando uma diferença.
Não é o problema que nos fascina mas o mistério. Porque não nos fascina o que tem resolução mas o que a não pode ter. E para o homem só o que é demais é que é bastante.
A admiração pode ser uma forma de compensarmos a nossa pequenez.
Atenção. Já o devo ter dito, mas não há mal em repetir: O «estilo» não é da ordem do enfeite mas da operacionalidade.
A imagem de um intelectual, mormente de um escritor, não está bem nos livros que lê mas naqueles que relê. A leitura revela aquele que deseja ser; a releitura, aquele que é.