Para não mentir, não é necessário ser santo, basta ser honrado, porque não há coisa mais afrontosa, nem que maior horror faça a quem tem honra, que o mentir.
Passagens de António Vieira
387 resultadosA Roda da Fortuna
Não se move a roda, sem que a parte que virou para o céu seja maior repuxo para tocar na terra, e a parte que se viu no ar erguida se veja logo da mesma terra pisada, sem outro impulso para descer, mais que com o mesmo movimento com que subiu; por isso a fortuna fez trono da sua mesma roda, porque, como na figura esférica se não conhece nela primeiro nem último lugar, nas felicidades andam sempre em confusão as venturas. Na dita com que se sobe, vai sempre entalhado o risco com que se desce. Não há estrela no céu que mais prognostique a ruína de um grande, que o levantar de sua estrela. Mais depressa se move aos afagos da grandeza que nos lisonjeia, do que aos desfavores com que a fortuna nos abate.
Quanto trabalharam os homens para subir, tantas foram as diligências que fizeram para se arruinarem; porque, como a fortuna (falo com os que não são beneméritos) não costuma subir a ninguém por seus degraus, em faltando degraus para a descida, tudo hão-de ser precipícios; e diferem muito entre si o descer e o cair. Se perguntarmos o por que caiu Roma, o maior império do Mundo,
Quanto maior é na cabeça o esvaecimento, vem a ser mais no coração a fraqueza.
Em Portugal cada um Quer Tudo
E quando os homens são de tal condição, que cada um quer tudo para si, com aquilo com que se pudera contentar a quatro, é força que fiquem descontentes três. O mesmo nos sucede. Nunca tantas mercês se fizeram em Portugal, como neste tempo; e são mais os queixosos, que os contentes. Porquê? Porque cada um quer tudo. Nos outros reinos com uma mercê ganha-se um homem; em Portugal com uma mercê, perdem-se muitos. Se Cleofas fora português, mais se havia de ofender da a metade do pão que Cristo deu ao companheiro, do que se havia de obrigar da outra metade, que lhe deu a ele. Porque como cada um presume que se lhe deve tudo, qualquer cousa que se dá aos outros, cuida que se lhe rouba. Verdadeiramente, que não há mais dificultosa coroa que a dos reis de Portugal: por isto mais, do que por nenhum outro empenho.
(…) Em nenhuns reis do mundo se vê isto mais claramente que nos de Portugal. Conquistar a terra das três partes do mundo a nações estranhas, foi empresa que os reis de Portugal conseguiram muito fácil e muito felizmente; mas repartir três palmos de terra em Portugal aos vassalos com satisfação deles,
Muitos cuidam da reputação, mas não da consciência.
Não só vos condenam os homens pelo que vós nunca imaginastes, mas condenam-vos pelo que nem eles imaginam de vós.
Nunca se empregam os homens na luz que vêem, senão nos defeitos que a luz lhes mostra.
Os textos são da justiça, as interpretações podem ser da lisonja.
No golfo de uma privança, nunca o perigo é mais certo, que quando a fortuna é mais próspera.
O livro visto por fora, não mostra nada; por dentro está cheio de mistérios.
Nem todos os futuros são para desejar, porque há muitos futuros para temer.
Quem não lê, não quer saber; quem não quer saber, quer errar.
Coisa dificultosa é que homens tão derramados nas coisas exteriores, cheguem a se ver interiormente, como convém.
Bem fora que pudera mais com os homens, a memória, que a esperança.
É verdade que muitas vezes tem maiores dificuldades o conservar, que o fazer, mas quem se gloria da feitura, não deve recusar o peso da conservação.
Quem só dá aos particulares, diminui o poder, porque se faz senhor de poucos.
Perguntado a um grande filósofo, qual era a melhor terra do mundo, respondeu a mais deserta, porque tinha os homens mais longe.
O amor acredita-se no supérfluo: quem ama pouco, contenta-se com o que basta: quem ama muito, contenta-se com o que sobeja; e quem ama mais que muito, nem com o que basta nem com o que sobeja se contenta, ainda sobe mais, ainda passa mais adiante.
O amor sempre é amoroso, mas umas vezes é amoroso e unitivo, outras vezes amoroso e forte. Enquanto amoroso e unitivo, ajunta os extremos mais distantes; enquanto amoroso e forte, divide os extremos mais unidos.
Saudar com os iguais é acto de amizade, com os maiores de urbanidade, e com todos de humanidade.