O que dá e tira os reinos do mundo é o direito das armas.
Passagens de António Vieira
387 resultadosMais fácil é unir distâncias, que casar opiniões e entendimentos.
Os que cuidam que tudo sabem necessitam de mais advertências, porque erram mais torpemente; por isso necessitam de mais conselhos, porque presumem que de nada carecem, cegueira em que os mais advertidos tropeçam.
Nada receia perder, quem nada espera interessar.
Não há leis tão justas e leves que não necessitem de quem as faça executar e guardar.
O uso de ver tem fim com a vida, o apetite de ser visto não acaba com a morte.
O Sol pode fazer dias longos: dias grandes só os fazem e podem fazer as acções.
Amar a quem nos aborrece, é acto de generosidade; aborrecer a quem nos ama, é acto de ingratidão.
Porque importa pouco o ter tomado, se se não conservar o que se tomou.
A Boa e a Má Fama
No mundo sempre correu igual risco a boa como a má opinião, e na opinião de muitos, mais arriscada foi sempre a boa que a má fama; porque as grandes prendas são muito ruidosas, e muitas vezes foi reclamo para o perigo mais certo o mais estrondoso ruído. O impertinente canto de uma cigarra nunca motivou atenções ao curioso caçador das aves. A melodia, sim, do rouxinol, que este sempre despertou o cuidado ao caçador, para lhe aparelhar o laço. A primeira cousa que se esconde dos caçadores com instinto natural, suposta a história por verdadeira, que muitos têm por fabulosa, é o carbúnculo, aquele diamante de luz, que lhe comunicou a natureza, como quem conhece que, em seu maior luzir, está o seu maior perigar. O ruído que faz a grande fama também faz com que o grande seja de todos roído, quando nas asas da fama se vê mais sublimado. Quem em as asas da fama voa também padece; porque não há asas sem penas, ainda que estas sejam as plumagens, com que o benemérito se adorna. Só aos mortos costumamos dizer se fazem honras, e será porque, a não acabarem as honras com a morte, a ninguém consentiria aplausos o mundo,
A inveja, como filha primogénita da soberba, pesa para cima, e todos seus tiros se assestam contra o mais alto.
Os Ministros da Pena
Eu não sei como não treme a mão a todos os ministros de pena, e muito mais àqueles que sobre um joelho aos pés do rei recebem os seus oráculos, e os interpretam, e estendem. Eles são os que com um advérbio podem limitar ou ampliar as fortunas; eles os que com uma cifra podem adiantar direitos, e atrasar preferências; eles os que com uma palavra podem dar ou tirar peso à balança da justiça; eles os que com uma cláusula equívoca ou menos clara, podem deixar duvidoso, e em questão, o que havia de ser certo e efectivo; eles os que com meter ou não meter um papel, podem chegar a introduzir a quem quiserem, e desviar e excluir a quem não quiserem; eles, finalmente, os que dão a última forma às resoluções soberanas, de que depende o ser ou não ser de tudo. Todas as penas, como as ervas, têm a sua virtude; mas as que estão mais chegadas à fonte do poder são as que prevalecem sempre a todas as outras. São por ofício, ou artifício, como as penas da águia, das quais dizem os naturais, que postas entre as penas das outras aves, a todas comem e desfazem.
Em todas as coisas há aumento, estado e declinação. O aumento pende do estado, mas a declinação sempre se origina do aumento.
Somos Pó
Esta nossa chamada vida, não é mais do que um círculo que fazemos de pó a pó: do pó que fomos ao pó que havemos de ser. Uns fazem o círculo maior, outros menor, outros mais pequeno, outros mínimo: De utero translatus ad tumulum: Mas ou o caminho seja largo, ou breve, ou brevíssimo; como é círculo de pó a pó sempre e em qualquer parte da vida somos pó. Quem vai circularmente de um ponto para o mesmo ponto, quanto mais se aparta dele, tanto mais se chega para ele: e quem, quanto mais se aparta, mais se chega, não se aparta. O pó que foi nosso princípio, esse mesmo e não outro é o nosso fim, e porque caminhamos circularmente deste pó para este pó, quanto mais parece que nos apartamos dele, tanto mais nos chegamos para ele: o passo que nos aparta, esse mesmo nos chega; o dia que faz a vida, esse mesmo a desfaz; e como esta roda que anda e desanda juntamente, sempre nos vai moendo, sempre somos pó.
O Amor Vulgar
Pinta-se o Amor sempre menino, porque ainda que passe dos sete anos, como o de Jacob, nunca chega à idade de uso de razão. Usar de razão, e amar, são duas coisas que não se juntam. A alma de um menino, que vem a ser? Uma vontade com afectos, e um entendimento sem uso. Tal é o amor vulgar. Tudo conquista o amor, quando conquista uma alma; porém o primeiro rendido é o entendimento. Ninguém teve a vontade febricitante, que não tivesse o entendimento frenético. O amor deixará de variar, se for firme, mas não deixará de tresvariar, se é amor. Nunca o fogo abrasou a vontade, que o fumo não cegasse o entendimento. Nunca houve enfermidade no coração, que não houvesse fraqueza no juízo. Por isso os mesmos Pintores do Amor lhe vendaram os olhos. E como o primeiro efeito, ou a última disposição do amor, é cegar o entendimento, daqui vem, que isto que vulgarmente se chama amor, tem mais partes de ignorância: e quantas partes tem de ignorância, tantas lhe faltam de amor. Quem ama, porque conhece, é amante; quem ama, porque ignora, é néscio. Assim como a ignorância na ofensa diminui o delito, assim no amor diminui o merecimento.
O que se põe em questão e disputa, igualmente se põe em dúvida; e quem duvida da sua fé, qualquer que seja, já é herege dela.
As varas do poder, quando são muitas, elas mesmo se comem, como famintas sempre de maiores postos.
Foram muito menos os danos em que caíram os homens por lhes faltar a notícia do passado, que aqueles que cegamente se precipitaram pela ignorância do futuro.
A Esperança é um afecto que, suspirando sempre por ver, vive de não ver, e morre com a vista.
Em havendo olhos maus, não há obras boas.