O amor essencialmente é união e a união não pode unir um extremo, sem que una também o outro.
Passagens de António Vieira
387 resultadosDe duas maneiras cega a fortuna, porque cega como luz e cega como fouce; com uma mão abraça e com outra corta; com a que abraça introduz a cegueira e com a que corta mostra o desengano.
Para aprender não basta só ouvir por fora, é necessário entender por dentro.
Dizem que temos valor (os portugueses), mas que nos falta dinheiro e união; e todos nos prognosticam os fados que naturalmente se seguem destas infelizes premissas.
Nenhuma coisa trazemos os homens mais esquecida e desconhecida, nenhuma trazemos mais detrás de nós, que a nós mesmos.
Sobre presunções não assenta bem alguma condenação de direito, principalmente quando é grave.
Não há alegria neste mundo tão privilegiada, que não pague pensão à tristeza.
Os outros lugares, quanto mais altos, tanto menos segurança têm, e a sua mesma altura é o prognóstico certo da sua ruína.
Quem quer mais do que lhe convém, perde o que quer e o que tem.
Não sei qual é a maior tentação, se a necessidade, se a cobiça.
Aquele a quem convém mais do que é lícito, sempre quer mais do que convém.
A tristeza é um mal e enfermidade universal de que ninguém escapa.
A restituição do respeito é muito mais difícil do que a do dinheiro.
A natureza fez o comer para o viver e a gula fez o comer muito para o viver pouco.
Não Há Paz no Mundo
Enchem a boca de paz, e não há tal paz no mundo. E senão, quem há tão cego, que não veja o mesmo hoje em toda a parte? Dizem que há paz nos reinos, e os vassalos não obedecem aos reis: dizem que há paz nas cidades, e os súbditos não obedecem aos magistrados: dizem que há paz nas famílias, e os filhos não obedecem aos pais: dizem que há paz nos particulares, e cada um tem dentro em si mesmo a maior e a pior guerra. Havia de mandar a razão, e o racional não lhe obedece; porque nele, e sobre ela domina o apetite. (…) A paz do mundo é guerra que se esconde debaixo da paz. Chama-se paz e é lisonja: chama-se paz, e é dissimulação: chama-se paz, e é dependência: chama-se paz, e é mentira, quando não seja traição.
O ruído que faz a grande fama também faz com que o grande seja de todos roído, quando nas asas da fama se vê mais sublimado.
Ordinariamente vemos grandes resplendores, onde não há luz, e grandes luzes sem nenhum resplendor.
A fortuna com o que dá, faz grandes e o ânimo com o que despreza, faz grandiosos.
Obra-se mal não só quando se obra, nem só quando se aconselha, senão também quando se permite.
As Lágrimas e os Homens
Vede que misteriosamente puseram as lágrimas nos olhos a Natureza, a Justiça, a Razão, a Graça. A Natureza para remédio; a Justiça para castigo; a Razão para arrependimento; a Graça para triunfo. Como pelos olhos se contrai a mácula do pecado, pôs a Natureza nos olhos as lágrimas, para que com aquela água se lavassem as manchas: como pelos olhos se admite a culpa, pôs a Justiça nos olhos as lágrimas para que estivesse o suplício no mesmo lugar do delito: como pelos olhos se concebe a ofensa, pôs a Razão nos olhos as lágrimas, para que onde se fundiu a ingratidão, a desfizesse o arrependimento: e como pelos olhos entram os inimigos à alma, pôs a Graça nos olhos as lágrimas, para que pelas mesmas brechas onde entraram vencedores, os fizesse sair correndo. Entrou Jonas pela boca da baleia pecador; saía Jonas pela boca da baleia arrependido. Razão é logo e Justiça, e não só Graça, senão Natureza, que pois os olhos são a fonte universal de todos os pecados, sejam os rios de suas lágrimas a satisfação também universal de todos; e que paguem os olhos por todos chorando, já que pecaram em todos vendo: Quo fonte manavit nefas,