A caridade é a felicidade dos que dão e dos que recebem.
Passagens de Camilo Castelo Branco
285 resultadosQuando se ama uma mulher, ou ela se deixa erguer um trono de domínio na alma, e então o homem ama por desejo e gratidão; ou ela repele os afectos do que a requesita, e então é nobre o deixá-la na livre escolha de quem lhe apraz.
A mulher não tem valor determinado como uma pérola. Abstracta como os espíritos, espiritual como os anjos, não há teólogo, nem matemático, que a defina pelo dogma, ou a calcule pelas operações infalliveis. Sabe-se que vale muito; mas não é ela que o sabe. Sabem-o aqueles que sofreram por ela, embora as flores do triunfo pendam murchas na sua coroa de martírio.
Os poetas fazem monopólio dos suspiros, mas, honra lhes seja feita, não encarecem o género; barateiam-no de modo que não há consumidora que tenha razão de queixa.
Naquele singelo sorrir estava uma dessas grandes paixões, que dão assunto para trinta páginas. Não é de hoje esta espécie de taquigrafia amorosa aplicada, nos olhos e no sorriso, à revelação de imensas sensações. Quanto mais longe de nós, mais afinado o sentimento, menos astuciosa a linguagem, e mais necessária a expressão muda nos olhos baixos, ou nos castos sorrisos de uma donzela do século passado.
A inocência, surpreendida em aparências criminosas, condena-se quase sempre por uma espécie de mudez idiota, semelhante à do crime sem defesa.
Eu aconselho o casamento a todo o homem que vive dezoite mezes com uma mulher, e ao cabo desta eternidade de amor, ainda diz sem impostura: amo-a. Mulher que se ama, depois da convivência de dezoito meses, ama-se toda a vida, quer seja amante, quer seja esposa.
O extremo de um grande prazer é um desgosto.
A própria libertinagem, sopitada nos seus letargos de estafada devassidade, tem sonhos melancólicos, saudades das impecáveis alegrias da infância.
A verdadeira lei do progresso moral é a caridade.
Depois do céu, quem mais pasmosos milagres faz é o amor.
O pudor sucumbe ao despotismo do coração.
A prosa do marido enfastiado é o vasconço mais bárbaro da glótica humana.
A inocência genuína rende-se; não sabe defender-se.
A virtude, quando há dinheiro, é azul sobre ouro.
A morte emenda todos os actos da vida.
Ser tolo é má coisa; ser mau é coisa pior; mas quem não puder livrar-se de ser ao mesmo tempo tolo e mau, seja antes mau. Os tiros do ódio podem ferir; mas assanham os brios, e dão azo à vitória; porém os tiros do escárnio matam sempre.
Certos sujeitos quando cuidam que o ideal os eleva, burrificam-se.
Só faz versos quem tem a alma cheia de saudades ou de esperanças.
A Melancolia
A melancolia é sorna e estéril. Camões escreveu a sua epopeia nos dias da esperança. Quando a tristeza desanimadora o entrou, já não pôde escrever para o fidalgo, que lha pedia, uma paráfrase dos salmos.
Uma inteligência em quietismo não danifica os interesses materiais dum país, e até certo ponto pode considerar-se providencial o pousio; mas um cidadão analfabeto, embrutecido pela melancolia, se a sua qualidade civil é importante como deve ser, pode prejudicar gravemente os interesses da cidade.
Ainda bem que a melancolia raro se atreve a perturbar o funcionalismo intelectivo de certas cabeças, cuja organização é maravilha. Daí provém a traça metódica e auspiciosa com que o homem supinamente ignorante regula os seus negócios. Há nessa cabeça a perene claridade dum fundo de garrafa de cristal. As ideias impedem-lhe congeladas da abóbada craniana como as estalactites duma caverna. Dessa imobilidade imperturbável de cérebro resulta a fixidez da mira posta num alvo, a pertinácia das empresas e o conseguimento dos bons efeitos.
Ainda não vi tão cabal e logicamente explicado o fortunoso êxito de algumas riquezas granjeadas pela inépcia.
Não obstante, o número dos bastardos da fortuna é muito maior. O leitor é de certo um dos que tem em cada dia uma hora de enojo,