Saguim é um animalzinho assaz bonito:
é mesmo o mais bonito de todos, pela selva;
anda nas árvores, esconde-se, espia, foge depressa
e há deles, na terra viçosa, número infinito.
Passagens de Cecília Meireles
133 resultadosSe em um instante se nasce e um instante se morre, um instante é o bastante pra vida inteira.
Permita que eu que me conforme em ser sozinha.
Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.
Timidez
Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve. . .— mas só esse eu não farei.
Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes..— palavra que não direi.
Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,— que amargamente inventei.
E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando…— e um dia me acabarei.
Jornal, longe
Que faremos destes jornais, com telegramas, notícias,
anúncios, fotografias, opiniões…?Caem as folhas secas sobre os longos relatos de guerra:
e o sol empalidece suas letras infinitas.Que faremos destes jornais, longe do mundo e dos homens?
Este recado de loucura perde o sentido entre a terra e o céu.De dia, lemos na flor que nasce e na abelha que voa;
de noite, nas grandes estrelas, e no aroma do campo serenado.Aqui, toda a vizinhança proclama convicta:
“Os jornais servem para fazer embrulhos”.E é uma das raras vezes em que todos estão de acordo.
Navego pela memória sem margens.
Tão liso está meu coração, tão lisos, meus pensamentos, que as lágrimas rolarão, e os contentamentos.
O vento é o mesmo:
mas sua resposta é diferente, em cada folha.
Somente a árvore seca fica imóvel,
entre borboletas e pássaros.
Não faças de ti um sonho a realizar. Vai. Sem caminho marcado. Tu és o de todos os caminhos.
Inscrição
Quem se deleita em tornar minha vida impossível
por todos os lados?
Certamente estás rindo de longe,
ó encoberto adversário!Mas a minha paciência é mais firme
que todas as sanhas da sorte:
mais longa que a vida, mais clara
que a luz no horizonte.Passeio no gume de estradas tão graves
que afligem o próprio inimigo.
A mim, que me importam espécies de instantes,
se existo infinita?
Aprendi com a primavera; a deixar-me cortar e voltar sempre inteira.
O que está perdido na vida Vive através da essência do seu ser Que é sustentado pelo poeta Na memória e no verso
Pequenos desejos, vagarosas saudades, silenciosas lembranças.
Viajo sozinha com o meu coração Não ando perdida, mas desencontrada Levo o meu rumo na minha mão
A maior pena que eu tenho, punhal de prata, não é de me ver morrendo, mas de saber quem me mata.
Prazo de Vida
No meio do mundo faz frio,
faz frio no meio do mundo,
muito frio.Mandei armar o meu navio.
Volveremos ao mar profundo,
meu navio!No meio das águas faz frio.
Faz frio no meio das águas,
muito frio.Marinheiro serei sombrio,
por minha provisão de mágoas.
Tão sombrio!No meio da vida faz frio,
faz frio no meio da vida.
Muito frio.O universo ficou vazio,
porque a mão do amor foi partida
no vazio.
A Velhice Pede Desculpas
Tão velho estou como árvore no inverno,
vulcão sufocado, pássaro sonolento.
Tão velho estou, de pálpebras baixas,
acostumado apenas ao som das músicas,
à forma das letras.Fere-me a luz das lâmpadas, o grito frenético
dos provisórios dias do mundo:
Mas há um sol eterno, eterno e brando
e uma voz que não me canso, muito longe, de ouvir.Desculpai-me esta face, que se fez resignada:
já não é a minha, mas a do tempo,
com seus muitos episódios.Desculpai-me não ser bem eu:
mas um fantasma de tudo.
Recebereis em mim muitos mil anos, é certo,
com suas sombras, porém, suas intermináveis sombras.Desculpai-me viver ainda:
que os destroços, mesmo os da maior glória,
são na verdade só destroços, destroços.
Felicidade, és coisa estranha e dolorosa: Fizeste para sempre a vida ficar triste: Porque um dia se vê que as horas todas passam, e um tempo despovoado e profundo, persiste.
A terra tão rica e ‘ó almas inertes!’ – o povo tão pobre… Ninguém que proteste!