Passagens sobre Cheiro

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Frases sobre cheiro, poemas sobre cheiro e outras passagens sobre cheiro para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Carta de Amor

Para te dizer tĂŁo-sĂł que te queria
Como se o tempo fosse um sentimento
bastava o teu sorriso de um outro dia
nesse instante em que fomos um momento.
Dizer amor como se fosse proibido
entre os meus braços enlaçar-te mais
como um livro devorado e nunca lido.
Será pecado, amor, amar-te demais?
Esperar como se fosse (des) esperar-te,
essa certeza de te ter antes de ter.
Ensaiar sozinho a nossa arte
de fazer amor antes de ser.
Adivinhar nos olhos que nĂŁo vejo
a sede dessa boca que nĂŁo canta
e deitar-me ao teu lado como o Tejo
aos pés dessa Lisboa que ele encanta.
Sentir falta de ti por tu nĂŁo estares
talvez por nĂŁo saber se tu existes
(percorrendo em silĂŞncio esses altares
em sacrifĂ­cios pagĂŁos de olhos tristes).
AusĂŞncia, sim. Amor visto por dentro,
certezas ao contrário, por estar só.
Pesadelo no meu sonho noite adentro
quando, ao meu lado, dorme o que nĂŁo sou.
E, afinal, depois o que ficou
das noites perdidas Ă  procura
de um resto de virtude que passou
por nĂłs em co(r)pos de loucura?

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Portugal

Maior do que nĂłs, simples mortais, este gigante
foi da glĂłria dum povo o semideus radiante.
Cavaleiro e pastor, lavrador e soldado,
seu torrĂŁo dilatou, inĂłspito montado,
numa pátria… E que pátria! A mais formosa e linda
que ondas do mar e luz do luar viram ainda!
Campos claros de milho moço e trigo loiro;
hortas a rir; vergéis noivando em frutos de oiro;
trilos de rouxinĂłis; revoadas de andorinhas;
nos vinhedos, pombais: nos montes, ermidinhas;
gados nédios; colinas brancas olorosas;
cheiro de sol, cheiro de mel, cheiro de rosas;
selvas fundas, nevados pĂ­ncaros, outeiros
de olivais; por nogais, frautas de pegureiros;
rios, noras gemendo, azenhas nas levadas;
eiras de sonho, grutas de génios e de fadas:
riso, abundância, amor, concórdia, Juventude:
e entre a harmonia virgiliana um povo rude,
um povo montanhĂŞs e herĂłico Ă  beira-mar,
sob a graça de Deus a cantar e a lavrar!
Pátria feita lavrando e batalhando: aldeias
conchegadinhas sempre ao torreĂŁo de ameias.
Cada vila um castelo. As cidades defesas
por muralhas, bastiões, barbacãs, fortalezas;
e, a dar fé, a dar vigor,

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O Beija-Flor

NOTA: Tradução do poema “Le Colibri”, de Leconte de Lisle

O verde beija-flor, rei das colinas,
Vendo o rocio e o sol brilhante
Luzir no ninho, trança d’ervas finas,
Qual fresco raio vai-se pelo ar distante.

Rápido voa ao manancial vizinho,
Onde os bambus sussurram como o mar,
Onde o açoká rubro, em cheiros de carinho,
Abre, e eis no peito Ăşmido a fuzilar.

Desce sobre a áurea flor a repousar,
E em rósea taça amor a inebriar,
E morre nĂŁo sabendo se a pode esgotar!

Em teus lábios tão puros, minha amada,
Tal minha alma quisera terminar,
SĂł do primeiro beijo perfumada!

O Horror de ser Pobre

Risco c’um traço
(Um traço fino, sem azedume)
Todos os que conheço, eu mesmo incluído.
Para todos estes nĂŁo me verĂŁo
Nunca mais
Olhar com azedume.

O horror de ser pobre!
Muitos gabavam-se que aguentariam, mas era ver-
-lhes as caras alguns anos depois!
Cheiros de latrina e papéis de parede podres
Atiravam abaixo homens de peitaça larga como toiros.
As couves aguadas
Destroem planos que fazem forte um povo.
Sem água de banho, solidão e tabaco
Nada há que exigir.
O desprezo do pĂşblico
Arruina o espinhaço.
O pobre
Nunca está sozinho. Estão todos sempre
A espreitar-lhe pra o quarto. Abrem-lhe buracos
No prato da comida. Não sabe pra onde há-de ir.
O céu é o seu tecto, e chove-lhe lá pra dentro.
A Terra enxota-o. O vento
NĂŁo o conhece. A noite faz dele um aleijado. O dia
Deixa-o nu. Nada é o dinheiro que se tem. Não salva ninguém.
Mas nada ajuda
Quem dinheiro nĂŁo tem.

Tradução de Paulo Quintela

Delicadeza

Essa delicadeza, cada vez mais difĂ­cil, pela qual se perde
a vida, como a entendo,
pratico.
Essa subtileza de pesadelo branco, como a sinto
extrema sempre,
Ă s vezes.
IngĂ©nua – um animal discreto; sem dono
e sem direitos.
Por ela arrisco um aceitar alguém
que nunca foi
criança.
Um ler que me não prende mais a atenção, um ser gentil
para com uma pessoa ingrata
– um cultivar uma paixĂŁo isenta
“dos cardos do contacto”.
Um nĂŁo precisar esclarecer seja o que for,
pois tudo na vida Ă© afinal
bem mais sério
do que parece.
É por essa gentileza
que se um grito me chega ao ouvido
prefiro escutar nele o cheiro de um corpo que se perdeu
do meu
e ainda assim dizer
Deus seja louvado,
oxalá ele consiga agora ficar
silencioso qual rasto de leitura sem palavra.
Sim, Ă© por essa gentileza, mulher poeta ou homem sensĂ­vel
– nĂŁo me distingo nem de um nem do outro -,
que muito embora as minhas esperanças
se tenham desfeito há muito
me permito,

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Soneto Da Enseada

Sou sempre o que está além de mim
como a ponte de Brooklyn ao pĂ´r-do-sol.
Sou o peixe buscado pelo anzol
e o caracol imĂłvel no jardim.

De mim mesmo me parto, qual navio,
e sou tudo o que vive além de mim:
o barulho da noite e o cheiro de jasmim
que corre entre as estrelas como um rio.

Quem atravessa a ponte logo aprende
que a vida Ă© simplesmente a travessia
entre um aquém e um além que são dois nadas.

Na madrugada escura a luz se acende.
Que luz? De que vigĂ­lia ou de que dia?
De que barco ancorado na enseada?

Elegia

Vae em seis mezes que deixei a minha terra
E tu ficaste lá, mettida n’uma serra,
Boa velhinha! que eras mais uma criança…
Mas, tĂŁo longe de ti, n’este Payz de França,
Onde mal viste, entĂŁo, que eu viesse parar,
Vejo-te, quanta vez! por esta sala a andar…
Bates. Entreabres de mansinho a minha porta.
Virás tratar de mim, ainda depois de morta?
Vens de tĂŁo longe! E fazes, sĂł, essa jornada!
Ajuda-te o bordĂŁo que te empresta uma fada.
Altas horas, emquanto o bom coveiro dorme,
Escapas-teĂŁda cova e vens, Bondade enorme!
Atravez do MarĂŁo que a lua-cheia banha,
Atravessas, sorrindo, a mysteriosa Hespanha,
Perguntas ao pastor que anda guardando o gado,
(E as fontes cantam e o cĂ©u Ă© todo estrellado…)
Para que banda fica a França, e elle, a apontar,
Diz: «Vá seguindo sempre a minha estrella, no Ar!»
E ha-de ficar scismando, ao ver-te assim, velhinha,
Que Ă©s tu a Virgem disfarçada em probrezinha…
Mas tu, sorrindo sempre, olhando sempre os céus,
Deixando atraz de ti, os negros Pyrineus,
Sob os quaes rola a humanidade,

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Os Amigos

Voltar ali onde
A verde rebentação da vaga
A espuma o nevoeiro o horizonte a praia
Guardam intacta a impetuosa
Juventude antiga –
Mas como sem os amigos
Sem a partilha o abraço a comunhão
Respirar o cheiro a alga da maresia
E colher a estrela do mar em minha mĂŁo

Algumas Proposições com Crianças

A criança está completamente imersa na infância
a criança não sabe que há-de fazer da infância
a criança coincide com a infância
a criança deixa-se invadir pela infância como pelo sono
deixa cair a cabeça e voga na infância
a criança mergulha na infância como no mar
a infância é o elemento da criança como a água
Ă© o elemento prĂłprio do peixe
a criança não sabe que pertence à terra
a sabedoria da criança é não saber que morre
a criança morre na adolescência
Se foste criança diz-me a cor do teu país
Eu te digo que o meu era da cor do bibe
e tinha o tamanho de um pau de giz
Naquele tempo tudo acontecia pela primeira vez
Ainda hoje trago os cheiros no nariz
Senhor que a minha vida seja permitir a infância
embora nunca mais eu saiba como ela se diz

A maior parte dos cães ladra sem razão, mesmo se alguém estiver a passar ao longe; mas alguns, talvez não os melhores cães de guarda, mas criaturas racionais, vão calmamente ter com uma pessoa desconhecida, cheiram-na e só ladram se o cheiro é suspeito.

Tu És em Mim Profunda Primavera

O sabor da tua boca e a cor da tua pele,
pele, boca, fruta minha destes dias velozes,
diz-me, sempre estiveram contigo
por anos e viagens e por luas e sĂłis
e terra e pranto e chuva e alegria,
ou sĂł agora, sĂł agora
brotam das tuas raĂ­zes
como a água que à terra seca traz
germinações de mim desconhecidas
ou aos lábios do cântaro esquecido
na água chega o sabor da terra?

NĂŁo sei, nĂŁo mo digas, tu nĂŁo sabes.
Ninguém sabe estas coisas.
Mas, aproximando os meus sentidos todos
da luz da tua pele, desapareces,
fundes-te como o ácido
aroma dum fruto
e o calor dum caminho,
o cheiro do milho debulhado,
a madressilva da tarde pura,
os nomes da terra poeirenta,
o infinito perfume da pátria:
magnĂłlia e matagal, sangue e farinha,
galope de cavalos,
a lua poeirenta das aldeias,
o pão recém-nascido:
ai, tudo o que há na tua pele volta à minha boca,
volta ao meu coração, volta ao meu corpo,
e volto a ser contigo a terra que tu és:
tu és em mim profunda primavera:
volto a saber em ti como germino.

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Esta Dor que me Faz Bem

As coisas falam comigo
uma linguagem secreta
que é minha, de mais ninguém.
Quem sente este cheiro antigo,
o cheiro da mala preta,
que era tua, minha mĂŁe?

Este cheiro de além-vida
e de indizĂ­vel tristeza,
do tempo morto, esquecido…
TĂŁo desbotada e puĂ­da
aquela fita escocesa
que enfeitava o teu vestido.

Fala comigo e conversa,
na linguagem que eu entendo,
a tua velha gaveta,
a vida nela dispersa
chega Ă  cama onde me estendo
num perfume de violeta.

Vejo as tuas jĂłias falsas
que usavas todos os dias,
do princĂ­pio ao fim do ano,
e ainda oiço as tuas valsas,
minha mĂŁe, e as melodias
que cantavas ao piano.

Vejo brancos, decotados,
os teus sapatos de baile,
um broche em forma de lira,
saia aos folhos engomados
e sobre o vestido um xaile,
um xaile de Caxemira.

Quantas voltas deu na vida
este álbum de retratos,
de veludo cor de tĂ­lia?
Gente outrora conhecida,
quem lhe deu tantos maus tratos?

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Cultivar a Felicidade

Desde os primórdios da humanidade, que o ser humano procura a felicidade como a terra seca clama pela água. É fácil conquistá-la? Nem sempre! Os poetas homenagearam-na, os romancistas descreveram-na, os filósofos contemplaram-na, mas grande parte deles saudaram-na apenas de longe.
Os reis tentaram dominá-la, mas ela não se submeteu ao poder deles. Os ricos tentaram comprá-la, mas ela não se deixou vender. Os intelectuais tentaram compreendê-la, mas ela confundiu-os. Os famosos tentaram fasciná-la, mas ela contou-lhes que preferia o anonimato. Os jovens disseram que ela lhes pertencia, mas ela disse-lhes que não se encontrava no prazer imediato, nem se deixava encontrar pelos que não pensavam nas consequências dos seus atos.
Alguns acreditaram que poderiam cultivá-la em laboratório. Isolaram-se do mundo e dos problemas da vida, mas a felicidade enviou um claro recado a dizer que ela apreciava o cheiro das pessoas e crescia no meio das dificuldades.
Outros tentaram cultivá-la com os avanços da ciência e da tecnologia, mas eis que a ciência e a tecnologia se multiplicaram e a tristeza e as mazelas da alma se expandiram.

Desesperados, muitos tentaram encontrar a felicidade em todos os cantos do mundo. Mas no espaço ela não estava,

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Um Pedaço do Céu

– É verdade, Liliana. De momento, nesta tarde tĂŁo hĂşmida e nublada, com este fio que se nos mete pelos ossos adentro, Deus Ă© um cafĂ© bem quente e aromático, feito com grĂŁos acabados de moer; no verĂŁo, procura Deus num belo gelado, num desses gelados tĂŁo saborosos, de torrĂŁo, de chocolate; ou de papaia e manga, porque agora os espanhĂłis tambĂ©m já fazem gelados de manga, e de goiaba e papaia, e um dia destes atĂ© gelados de dĂşrio há de haver, embora os espanhĂłis nĂŁo gostem do cheiro do dĂşrio, tĂŁo forte, parece que lhes mete nojo. Eu tambĂ©m nĂŁo gosto do cheiro, mas o fruto Ă© uma delĂ­cia. Pensa que aĂ­ mesmo, na geladaria da praça, está um pedaço do cĂ©u com que sonhámos, ou do cĂ©u que podemos alcançar e que ainda nĂŁo nos tiraram. Senta-te com os teus filhos numa esplanada, num fim de tarde de agosto, come um gelado de manga bem cremoso, e verás que Ă© aĂ­ que está o Deus do verĂŁo, assim como está no tintico o Deus do inverno. Quando os espanhĂłis chegaram para nos conquistar, nĂłs sabĂ­amos que nĂŁo existe um sĂł deus, mas muitos deuses, há um deus para cada coisa,

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VĂŞnus I

Ă€ flor da vaga, o seu cabelo verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda…
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razĂŁo se perde!

PĂştrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, num balanço alaga,
E reflui (um olfato que se embriaga)
Como em um sorvo, murmura de gozo.

O seu esboço, na marinha turva…
De pé flutua, levemente curva;
Ficam-lhe os pĂ©s atrás, como voando…

E as ondas lutam, como feras mugem,
A lia em que a desfazem disputando,
E arrastando-a na areia, co’a salsugem.

A PodridĂŁo da Honra

Uma cadela de mau cheiro, que pariu numerosos filhotes, em parte já a apodrecer, mas que na minha infância era tudo para mim, que me segue fielmente o tempo todo, em quem não consigo bater, mas da qual, mesmo evitando o seu hálito, eu me desvio indo para trás e que, se não me decido por alguma outra coisa, irá empurrar-me até ao canto já visível da parede, para se decompor totalmente em cima de mim e comigo – é uma honra que me dá? -, a carne purulenta e cheia de vermes da sua língua na minha mão.