Hoje estou a mesma chata de sempre
Passagens de Clarice Lispector
1250 resultadosÉ absolutamente indispensável que eu seja uma ocupada e uma distraída.
Uma Vida Maior
Estou querendo viver daquilo inicial e primordial que exactamente fez com que certas coisas chegassem ao ponto de aspirar a serem humanas. Estou querendo que eu viva da parte humana mais difícil: que eu viva do germe do amor neutro, pois foi dessa fonte que começou a nascer aquilo que depois foi se distorcendo em sentimentações a tal ponto que o núcleo ficou esmagado em nós mesmos pela pata humana. É um amor muito maior que estou exigindo de mim – é uma vida tão maior que não tem sequer beleza. Estou tendo essa coragem dura que me dói como a carne que se transforma em parto.
.H.’
Nasci para escrever. A palavra é o meu domínio sobre o mundo.
O outro lado de mim me chama. Os passos que eu ouço são meus
Às vezes tenho a impressão de que escrevo por simples curiosidade intensa. É que, ao escrever, eu me dou as mais inesperadas surpresas. É na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconsciente, eu antes não sabia que sabia.
E a revolta de súbito me tomou: então não podia eu me entregar desprevenida ao amor?
Esperar menos não significa desistir. Antes se surpreender, do que se decepcionar.
Não se pode andar nú nem de corpo nem de espírito.
Inclusive mais amor inclui uma certeza maior para achar bonito o que nem mesmo bonito é.
Chorou livremente como se esta fosse a solução.
Pecado O pecado me atrai, o que é proibido me fascina!
Abandone-se, tente tudo suavemente, não se esforce por conseguir – esqueça completamente o que aconteceu e tudo voltará com naturalidade.
O maior desafio de uma mãe é ficar cada vez menor.
Precisava ser apenas – terra. E quanto a esta, todos a têm sob os pés. Era tão estranho sentir-se viver sobre uma coisa viva.
Eu sinto que nós chegamos ao limiar de portas que estavam abertas – e por medo ou pelo que não sei, não atravessamos plenamente essas portas. Que no entanto têm nelas já gravado o nosso nome. Cada pessoa tem uma porta com seu nome gravado, e é só através dela que essa pessoa perdida pode entrar e se achar.
Eu quero o pensar-sentir hoje e, não, tê-lo apenas tido ontem ou ir tê-lo amanhã. Tenho certa pressa em sentir tudo.
O meu erro deve ser o caminho de uma verdade: pois só quando erro é que saio do que conheço e do que entendo. Se a «verdade» fosse aquilo que posso entender – terminaria sendo apenas uma verdade pequena, do meu tamanho.
Quando começa a ficar bom ou eu desconfio ou dou um passo para trás.
O Que me Mata é o Quotidiano
Dor? Alegria? Só é simplesmente questão de opinião. Eu adivinho coisas que não têm nome e que talvez nunca terão. É. Eu sinto o que me será sempre inacessível. É. Mas eu sei tudo. Tudo o que sei sem propriamente saber não tem sinónimo no mundo da fala mas enriquece e me justifica. Embora a palavra eu a perdi porque tentei falá-la. E saber-tudo-sem saber é um perpétuo esquecimento que vem e vai como as ondas do mar que avançam e recuam na areia da praia. Civilizar minha vida é expulsar-me de mim. Civilizar minha existência a mais profunda seria tentar expulsar a minha natureza e a supernatureza. Tudo isso no entanto não fala de meu possível significado.
O que me mata é o quotidiano. Eu queria só excepções. Estou perdida: eu não tenho hábitos.