Guerra
Guerra Ă© esforço, Ă© inquietude, Ă© ânsia, Ă© transporte…
E a dramatização sangrenta e dura
Vir Deus num simples grĂŁo de argila errante,
Da avidez com que o EspĂrito procuraÉ a SubconsciĂŞncia que se transfigura
Em volição conflagradora… E a coorte
Das raças todas, que se entrega à morte
Para a felicidade da Criatura!É a obsessão de ver sangue, é o instinto horrendo
De subir, na ordem cĂłsmica, descendo
A irracionalidade primitiva…É a Natureza que, no seu arcano,
Precisa de encharcar-se em sangue humano
Para mostrar aos homens que está viva!
Passagens sobre Errantes
67 resultadosA Senhora de Brabante
Tem um leque de plumas gloriosas,
na sua mĂŁo macia e cintilante,
de anéis de pedras finas preciosas
a Senhora Duquesa de Brabante.Numa cadeira de espaldar dourado,
Escuta os galanteios dos barões.
— É noite: e, sob o azul morno e calado,
concebem os jasmins e os corações.Recorda o senhor Bispo acções passadas.
Falam damas de jĂłias e cetins.
Tratam barões de festas e caçadas
à moda goda: — aos toques dos clarins!Mas a Duquesa é triste. — Oculta mágoa
vela seu rosto de um solene véu.
— Ao luar, sobre os tanques chora a água…
— Cantando, os rouxinĂłis lembram o cĂ©u…Dizem as lendas que SatĂŁ vestido
de uma armadura feita de um brilhante,
ousou falar do seu amor florido
à Senhora Duquesa de Brabante.Dizem que o ouviram ao luar nas águas,
mais louro do que o sol, marmĂłreo, e lindo,
tirar de uma viola estranhas mágoas,
pelas noites que os cravos vĂŞm abrindo…Dizem mais que na seda das varetas
do seu leque ducal de mil matizes…
Versos A Um CĂŁo
Que força pode, adstricta a ambriões informes,
Tua garganta estĂşpida arrancar
Do segredo da célula ovular
Para latir nas solidões enormes?!Esta obnóxia inconsciência, em que tu dormes,
SuficientĂssima Ă©, para provar
A incĂłgnita alma, avoenga e elementar
Dos teus antepassados vermiformes.CĂŁo! – Alma de inferior rapsodo errante!
Resigna-a, ampara-a, arrima-a, afaga-a, acode-a
A escala dos latidos ancestrais. . .E irá assim, pelos séculos, adiante,
Latindo a esquisitĂssima prosĂłdia
Da angústia hereditária dos seus pais!
XVII
Por estas noites frias e brumosas
É que melhor se pode amar, querida!
Nem uma estrela pálida, perdida
Entre a névoa, abre as pálpebras medrosasMas um perfume cálido de rosas
Corre a face da terra adormecida …
E a névoa cresce, e, em grupos repartida,
Enche os ares de sombras vaporosas:Sombras errantes, corpos nus, ardentes
Carnes lascivas … um rumor vibrante
De atritos longos e de beijos quentes …E os cĂ©us se estendem, palpitando, cheios
Da tépida brancura fulgurante
De um turbilhão de braços e de seios.
Minha MĂŁe, Minha MĂŁe!
Minha mĂŁe, minha mĂŁe! ai que saudade imensa,
Do tempo em que ajoelhava, orando, ao pé de ti.
CaĂa mansa a noite; e andorinhas aos pares
Cruzavam-se voando em torno dos seus lares,
Suspensos do beiral da casa onde eu nasci.
Era a hora em que já sobre o feno das eiras
Dormia quieto e manso o impávido lebréu.
Vinham-nos da montanha as canções das ceifeiras,
E a Lua branca, além, por entre as oliveiras,
Como a alma dum justo, ia em triunfo ao CĂ©u!…
E, mãos postas, ao pé do altar do teu regaço,
Vendo a Lua subir, muda, alumiando o espaço,
Eu balbuciava a minha infantil oração,
Pedindo ao Deus que está no azul do firmamento
Que mandasse um alĂvio a cada sofrimento,
Que mandasse uma estrela a cada escuridĂŁo.
Por todos eu orava e por todos pedia.
Pelos mortos no horror da terra negra e fria,
Por todas as paixões e por todas as mágoas…
Pelos mĂseros que entre os uivos das procelas
VĂŁo em noite sem Lua e num barco sem velas
Errantes através do turbilhão das águas.
A Mulher dos Vinte Poemas
Perguntam-me sempre quem Ă© a mulher dos «Vinte Poemas». É difĂcil responder. As duas ou trĂŞs que se entrelaçam nesta melancĂłlica e ardente poesia correspondem, digamos, a Marisol e Marisombra. Marisol Ă© o idĂlio da provĂncia encantada, com imensas estrelas nocturnas e olhos escuros como o cĂ©u molhado de Temuco. É ela que figura, com a sua alegria e a sua vivaz beleza, em quase todas as páginas, rodeada pelas águas do porto e pela meia-lua sobre as montanhas. Marisombra Ă© a estudante da capital. Boina parda, olhos dulcĂssimos, o constante aroma a madressilva do errante amor estudantil, o sossego fĂsico dos apaixonados encontros nos esconderijos da urbe.
LXXV
Clara fonte, teu passo lisonjeiro
Pára, e ouve-me agora um breve instante;
Que em paga da piedade o peito amante
Te será no teu curso companheiro.Eu o primeiro fui, fui o primeiro,
Que nos braços da ninfa mais constante
Pude ver da fortuna a face errante
Jazer por glĂłria de um triunfo inteiro.Dura mĂŁo, inflexĂvel crueldade
Divide o laço, com que a glória, a dita
Atara o gosto ao carro da vaidade:E para sempre a dor ter n’alma escrita,
De um breve bem nasce imortal saudade,
De um caduco prazer mágoa infinita.
RuĂnas
Cobrem plantas sem flor crestados muros;
Range a porta anciĂŁ; o chĂŁo de pedra
Gemer parece aos pés do inquieto vate.
RuĂna Ă© tudo: a casa, a escada, o horto,
SĂtios caros da infância.
Austera moça
Junto ao velho portĂŁo o vate aguarda;
Pendem-lhe as tranças soltas
Por sobre as roxas vestes.
Risos nĂŁo tem, e em seu magoado gesto
Transluz nĂŁo sei que dor oculta aos olhos;
— Dor que à face não vem, — medrosa e casta,
ĂŤntima e funda; — e dos cerrados cĂlios
Se uma discreta muda
Lágrima cai, não murcha a flor do rosto;
Melancolia tácita e serena,
Que os ecos nĂŁo acorda em seus queixumes,
Respira aquele rosto. A mĂŁo lhe estende
O abatido poeta. Ei-los percorrem
Com tardo passo os relembrados sĂtios,
Ermos depois que a mĂŁo da fria morte
Tantas almas colhera. Desmaiavam,
Nos serros do poente,
As rosas do crepĂşsculo.
“Quem és? pergunta o vate; o sol que foge
No teu lânguido olhar um raio deixa;
— Raio quebrado e frio; — o vento agita
TĂmido e frouxo as tuas longas tranças.
Carta a Ă‚ngela
Para ti, meu amor, Ă© cada sonho
de todas as palavras que escrever,
cada imagem de luz e de futuro,
cada dia dos dias que viver.Os abismos das coisas, quem os nega,
se em nĂłs abertos inda em nĂłs persistem?
Quantas vezes os versos que te dou
na água dos teus olhos é que existem!Quantas vezes chorando te alcancei
e em lágrimas de sombra nos perdemos!
As mesmas que contigo regressei
ao ritmo da vida que escolhemos!Mais humana da terra dos caminhos
e mais certa, dos erros cometidos,
foste de novo, e sempre, a mão da esperança
nos meus versos errantes e perdidos.Transpondo os versos vieste Ă minha vida
e um rio abriu-se onde era areia e dor.
Porque chegaste Ă hora prometida
aqui te deixo tudo, meu amor!
XLIX
Os olhos tendo posto, e o pensamento
No rumo, que demanda, mais distante;
As ondas bate o Grego Navegante,
Entregue o leme ao mar, a vela ao ventoEm vão se esforça o harmonioso acento
Da sereia, que habita o golfo errante;
Que resistindo o espĂrito constante,
Vence as lisonjas do enganoso intento.Se pois, ninfas gentis, rompe a Cupido
O arco, a flecha, o dardo, a chama acesa
De um peito entre os heróis esclarecido;Que vem buscar comigo a néscia empresa,
Se inda mais, do que Ulisses atrevido,
Sei vencer os encantos da beleza!
Fala Também Tu
Fala também tu,
fala em Ăşltimo lugar,
diz a tua sentença.Fala —
Mas nĂŁo separes o NĂŁo do Sim.
Dá à tua sentença igualmente o sentido:
dá-lhe a sombra.Dá-lhe sombra bastante,
dá-lhe tanta
quanta exista Ă tua volta repartida entre
a meia-noite e o meio-dia e a meia-noite.Olha em redor:
como tudo revive à tua volta! —
Pela morte! Revive!
Fala verdade quem diz sombra.Mas agora reduz o lugar onde te encontras:
Para onde agora, oh despido de sombra, para onde?Sobe. Tacteia no ar.
Tornas-te cada vez mais delgado, irreconhecĂvel, subtil!
Mais subtil: um fio,
por onde a estrela quer descer:
para em baixo nadar, em baixo,
onde pode ver-se a cintilar: na ondulação
das palavras errantes.Tradução de João Barrento e Y. K. Centeno
Floripes
Fazes lembrar as mouras dos castelos,
As errantes visões abandonadas
Que pelo alto das torres encantadas
Suspiravam de trĂŞmulos anelos.Traços ligeiros, tĂmidos, singelos
Acordam-te nas formas delicadas
Saudades mortas de regiões sagradas,
Carinhos, beijos, lágrimas, desvelos.Um requinte de graça e fantasia
Dá-te segredos de melancolia,
Da Lua todo o lânguido abandono…Desejos vagos, olvidadas queixas
VĂŁo morrer no calor dessas madeixas,
Nas virgens florescĂŞncias do teu sono.
A Lanterna
O sabio antigo andou pelas ruas d’Athenas,
Com a lanterna accesa, errante, Ă luz do dia,
Buscando o varĂŁo forte e justo da Utopia,
Privado de paixões e d’emoções terrenas.Eu tambem que aborreço as cousas vĂŁs, pequenas
E que mais alto puz a sĂŁ Philosophia,
Ha muito busco em vĂŁo–ha muito, quem diria!
O mais cruel ideal das concepções serenas.Tenho buscado em balde, e em vão por todo o mundo;
Esconde-se o ideal no sitio mais profundo,
No mar, no inferno, em tudo, aonde existe a dĂ´r!…De sorte que hoje emfim, descrente, resignado,
Concentrei-me em mim sĂł, n’um tedio indignado,
E apaguei a lanterna – É sĂł um sonho o Amor!
As Estrelas
Lá, nas celestes regiões distantes,
No fundo melancĂłlico da Esfera,
Nos caminhos da eterna Primavera
Do amor, eis as estrelas palpitantes.Quantos mistérios andarão errantes,
Quantas almas em busca da Quimera,
Lá, das estrelas nessa paz austera
Soluçarão, nos altos céus radiantes.Finas flores de pérolas e prata,
Das estrelas serenas se desata
Toda a caudal das ilusões insanas.Quem sabe, pelos tempos esquecidos,
Se as estrelas nĂŁo sĂŁo os ais perdidos
Das primitivas legiões humanas?!
Controlar a Timidez
Nunca consegui controlar a timidez. Quando tive que enfrentar em carne viva a incumbĂŞncia que nos deixou o pai errante, aprendi que a timidez Ă© um fantasma invencĂvel. De cada vez que tinha que solicitar um crĂ©dito, mesmo dos combinados de antemĂŁo em lojas de amigos, demorava horas em redor da casa, reprimindo a vontade de chorar e as contracções da barriga, atĂ© que me atrevia por fim, com as mandĂbulas tĂŁo apertadas que nĂŁo me saĂa a voz. Havia sempre algum comerciante sem coração para me atrapalhar ainda mais: «MiĂşdo parvo, nĂŁo se pode falar com a boca fechada.» Mais de uma vez regressei a casa com as mĂŁos vazias e uma desculpa inventada por mim. Mas nunca mais tornei a ser tĂŁo desgraçado como da primeira vez que quis falar pelo telefone na loja da esquina. O dono ajudou-me com a operadora, pois ainda nĂŁo existia o serviço automático. Senti o sopro da morte quando me deu o auscultador. Esperava uma voz serviçal e o que ouvi foi o latido de alguĂ©m que falava no escuro ao mesmo tempo que eu. Pensei que o meu interlocutor tambĂ©m nĂŁo me ouvia e levantei a voz tanto quanto pude. O outro,
Os Amigos
no regresso encontrei aqueles
que haviam estendido o sedento corpo
sobre infindáveis areiastinham os gestos lentos das feras amansadas
e o mar iluminava-lhes as máscaras
esculpidas pelo dedo errante da noiteprendiam sóis nos cabelos entrançados
lentamente
moldavam o rosto lĂvido como um osso
mas estavam vivos quando lhes toquei
depois
a solidĂŁo transformou-os de novo em dor
e nenhum quis pernoitar na respiração
do lumeofereci-lhes mel e ensinei-os a escutar
a flor que murcha no estremecer da luz
levei-os comigo
até onde o perfume insensato de um poema
os transmudou em remota e resignada ausĂŞncia
3A Sombra – Ester
Vem! no teu peito cálido e brilhante
O nardo oriental melhor transpira!
Enrola-te na longa cachemira,
Como as judias moles do Levante,Alva a clâmide aos ventos – roçagante…
TĂşmido o lábio, onde o saltĂ©rio gira…
Ă“ musa de Israel! pega da lira…
Canta os martĂrios de teu povo errante!Mas nĂŁo… brisa da pátria alĂ©m revoa,
E ao delamber-lhe o braço de alabastro,
Falou-lhe de partir… e parte… e voa. . .Qual nas algas marinhas desce um astro…
Linda Ester! teu perfil se esvai… s’escoa…
SĂł me resta um perfume… um canto… um rastro…
Hora que Passa
Vejo-me triste, abandonada e sĂł
Bem como um cĂŁo sem dono e que o procura
Mais pobre e desprezada do que Job
A caminhar na via da amargura!Judeu Errante que a ninguém faz dó!
Minh’alma triste, dolorida, escura,
Minh’alma sem amor Ă© cinza, Ă© pĂł,
Vaga roubada ao Mar da Desventura!Que tragĂ©dia tĂŁo funda no meu peito!…
Quanta ilusão morrendo que esvoaça!
Quanto sonho a nascer e já desfeito!Deus! Como Ă© triste a hora quando morre…
O instante que foge, voa, e passa…
Fiozinho d’água triste… a vida corre…
O Método é Necessário para a Procura da Verdade
Os mortais sĂŁo dominados por uma curiosidade tĂŁo cega que, muitas vezes, envenenam o espĂrito por caminhos desconhecidos, sem qualquer esperança razoável, mas unicamente para se arriscarem a encontrar o que procuram: Ă© como se alguĂ©m, incendiado pelo desejo tĂŁo estĂşpido de encontrar um tesouro, vagueasse sem cessar pelas praças pĂşblicas para ver se, casualmente, encontrava algum perdido por um transeunte. (…) nĂŁo nego que tenham por vezes muita sorte nos seus caminhos errantes e encontrem alguma verdade; contudo, nĂŁo estou de acordo que sejam mais competentes, mas apenas mais afortunados. Ora, vale mais nunca pensar em procurar a verdade de alguma coisa que fazĂŞ-lo sem mĂ©todo: Ă© certĂssimo, pois, que os estudos feitos desordenadamente e as meditações confusas obscurecem a luz natural e cegam os espĂritos. Quem se acostuma a andar assim nas trevas enfraquece de tal modo a acuidade do olhar que, depois, nĂŁo pode suportar a luz do pleno dia.
É a experiência que o diz: vemos muitissimas vezes os que nunca se dedicaram às letras julgar o que se lhes depara com muito maior solidez e clareza do que aqueles que sempre frequentaram as escolas. Entendo por método regras certas e fáceis, que permitem a quem exactamente as observar nunca tomar por verdadeiro algo de falso,
Andava à deriva, sem afetos, sem ambições, como uma estrela errante no sistema planetário de Úrsula. ( Cem Anos de Solidão)