A realização envelhece-nos. Tudo tem o seu preço; o preço da realização é a perda da juventude.
Passagens de Fernando Pessoa
1382 resultadosOs Deuses vendem quando dão.
Compra-se a glória com desgraça.
Ai dos felizes, porque são
Só o que passa!
Nasce o ideal da nossa consciência da imperfeição da vida. Tantos, portanto, serão os ideais possíveis, quantos forem os modos por que é possível ter a vida por imperfeita.
Claro em pensar, e claro no sentir,
e claro no querer
O homem é do tamanho do seu sonho.
A sorte de um povo depende do estado da sua gramática. Não há grande nação sem propriedade de linguagem.
Tudo é incerto e derradeiro. Tudo é disperso, nada é inteiro
Natal
Nasce um Deus. Outros morrem. A verdade
Nem veio nem se foi: o Erro mudou.
Temos agora uma outra Eternidade,
E era sempre melhor o que passou.Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.
Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.
Um novo Deus é só uma palavra.
Não procures nem creias: tudo é oculto.
O fim é baixo, como todos os fins quantitativos, pessoais ou não, e é atingível e verificável.
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…
A Vida deve Ser um Sonho que se Recusa a Confrontos
Tudo quanto de desagradável nos sucede na vida – figuras ridículas que fazemos, maus gestos que temos, lapsos em que caímos de qualquer das virtudes – deve ser considerado como meros acidentes externos, impotentes para atingir a substância da alma. Tenhamo-los como dores de dentes, ou calos, da vida, coisas que nos incomodam mas são externas ainda que nossas, ou que só tem que supor a nossa existência orgânica ou que preocupar-se o que há de vital em nós.
Quando atingimos esta atitude, que é, em outro modo, a dos místicos, estamos defendidos não só do mundo mas de nós mesmos, pois vencemos oq ue em nós é externo, é outrem, é o contrário de nós e por isso o nosso inimigo.
Disse Horácio, falando do varão justo, que ficaria impávido ainda que em torno dele ruísse o mundo. A imagem é absurda, justo o seu sentido. Ainda que em torno de nós rua o que fingimos que somos, porque coexistimos, devemos ficar impávidos – não porque sejamos justos, mas porque somos nós, e sermos nós é nada ter que ver com essas coisas externas que ruem, ainda que ruam sobre o que para elas somos.
A vida deve ser,
Cada um de nós, na sua vida realizada e humana, não é senão a caricatura da sua própria alma.
A inteligência parece-me uma masturbação racional. Uma coisa inútil, natural, nascida por degenerescência dos instintos.
O Mundo não se fez para pensarmos nele, mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…
Eu amo tudo o que foi Tudo o que já não é A dor que já não me dói A antiga e errônea fé O ontem que a dor deixou O que deixou alegria Só porque foi, e voou E hoje é já outro dia.
Do Livre Arbítrio
A ideia de livre arbítrio, na minha opinião, tem o seu princípio na aplicação ao mundo moral da ideia primitiva e natural de liberdade física. Esta aplicação, esta analogia é inconsciente; e é também falsa. É, repito, um daqueles erros inconscientes que nós cometemos; um daqueles falsos raciocínios nos quais tantas vezes e tão naturalmente caímos. Schopenhauer mostrou que a primitiva noção de liberdade é a “ausência de obstáculos”, uma noção puramente física. E na nossa concepção humana de liberdade a noção persiste. Ninguém toma um idiota, ou louco por responsável. Porquê? Porque ele concebe uma coisa no cérebro como um obstáculo a um verdadeiro juízo.
A ideia de liberdade é uma ideia puramente metafísica.
A ideia primária é a ideia de responsabilidade que é somente a aplicação da ideia de causa, pela referência de um efeito à sua Causa. “Uma pessoa bate-me; eu bato àquela em defesa.” A primeira atingiu a segunda e matou-a. Eu vi tudo. Essa pessoa é a Causa da morte da outra.” Tudo isto é inteiramente verdade.
Assim se vê que a ideia de livre arbítrio não é de modo algum primitiva; essa responsabilidade, fundada numa legítima mas ignorante aplicação do princípio de Causalidade é a ideia realmente primitiva.
Sonhos Prometedores
Tenho mais pena dos que sonham o provável, o legítimo e o próximo, do que dos que devaneiam sobre o longínquo e o estranho. Os que sonham grandemente, ou são doidos e acreditam no que sonham e são felizes, ou são devaneadores simples, para quem o devaneio é uma música da alma, que os embala sem lhes dizer nada. Mas o que sonha o possível tem a possibilidade real da verdadeira desilusão. Não me pode pesar muito o ter deixado de ser imperador romano, mas pode doer-me o nunca ter sequer falado à costureira que, cerca da nove horas, volta sempre a esquina da direita. O sonho que nos promete o impossível já nisso nos priva dele, mas o sonho que nos promete o possível intromete-se com a própria vida e delega nela a sua solução. Um vive exclusivo e independente; o outro submisso das contingências do que acontece.
Nunca senti saudades da infância; nunca senti, em verdade, saudades de nada. Sou, por índole, e no sentido directo da palavra, futurista.
Releio? Menti! Não ouso reler. Não posso reler. De que me serve reler?
Um novo deus é só uma palavra.