Passagens de Florbela Espanca

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Meu coração, inundado
Pela luz do teu olhar,
Dorme quieto como um lírio,
Banhado pelo luar.

O meu amigo sabe rir, eu não sei rir nem chorar; trago às costas o peso duma floresta inteira, sem saber porquê nem para quê, e caminho sem saber donde vim nem para onde vou. Tudo isto é tão feio e tão sujo e tão triste!

Desejos Vãos

Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!

Eu queria ser o Sol, a luz intensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão e até da morte!

Mas o Mar também chora de tristeza…
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!

E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras… essas… pisa-as toda a gente!…

Tenho dois livros: um de prosa, outro de versos, na gaveta, onde provavelmente ficarão todo o resto da minha vida, pois a minha incapacidade perante a vida prática é cada vez maior, e a minha triste qualidade de inadaptável é cada vez mais forte.

Para as traições, para as mentiras, para o que é vil e falso, tem a gente remédio: tem o orgulho; mas para a dor que te faz mal, para essa nenhum remédio há.

Viver sozinha no mundo
É a minha triste sorte.
Ai quem me dera trocá-la
Embora fosse pla morte!

Conto de Fadas

Eu trago-te nas mãos o esquecimento
Das horas más que tens vivido, Amor!
E para as tuas chagas o unguento
Com que sarei a minha própria dor.

Os meus gestos são ondas de Sorrento…
Trago no nome as letras de uma flor…
Foi dos meus olhos garços que um pintor
Tirou a luz para pintar o vento…

Dou-te o que tenho: o astro que dormita,
O manto dos crepúsculos da tarde,
O sol que é d’oiro, a onda que palpita.

Dou-te comigo o mundo que Deus fez!
– Eu sou Aquela de quem tens saudade,
A Princesa do conto: “Era uma vez…”

A memória prega-nos destas partidas: leva-nos coisas interessantes e deixa-nos as banalidades, os factos sem interesse.

A Minha Piedade

A Bourbon e Meneses

Tenho pena de tudo quanto lida
Neste mundo, de tudo quanto sente,
Daquele a quem mentiram, de quem mente,
Dos que andam pés descalços pela vida,

Da rocha altiva, sobre o monte erguida,
Olhando os céus ignotos frente a frente,
Dos que não são iguais à outra gente,
E dos que se ensangüentam na subida!

Tenho pena de mim… pena de ti…
De não beijar o riso duma estrela…
Pena dessa má hora em que nasci…

De não ter asas para ir ver o céu…
De não ser Esta… a Outra… e mais Aquela…
De ter vivido e não ter sido Eu…

O amor dum homem? – Terra tão pisada!
Gota de chuva ao vento baloiçada…
Um homem? – Quando eu sonho o amor dum deus!…

Os mortos não voltam, e é melhor que assim seja… Que vergonha se voltassem! Onde há por aí uma alma de vivo que se tivesse mantido digna de semelhante prodígio?… Eles vão, e a gente fica, e ri, e canta, e deseja, e continua a viver! Mutilados, amputados, às vezes do melhor de nós mesmos, a gente é como estes vermes repugnantes que, cortados aos pedaços, criam novas células, completam-se e continuam a rastejar e a viver! É uma miséria, é, mas é assim!

Por aquela tão doce e tão breve ilusão Embora nunca mais Depois de que a vi desfeita Eu volte a ser quem fui Sem ironia aceita A minha gratidão

Nas coisas luminosas deste mundo,
A minha alma é o túmulo profundo
Onde dormem, sorrindo, os deuses mortos!

Até hoje, todas as minhas cartas de amor não são mais que a realização da minha necessidade de fazer frases. Se o Prince Charmant vier, que lhe direi eu de novo, de sincero, de verdadeiramente sentido? Tão pobres somos que as mesmas palavras nos servem para exprimir a mentira e a verdade!