Louvar as belas acções é uma forma, como outra qualquer, de se atribuir o seu mérito.
Passagens de François de La Rochefoucauld
553 resultadosAspectos da Virtude
O que tomamos por virtudes muitas vezes não passa de um conjunto de acções diversas e de diversos interesses que o acaso e a nossa indústria sabem ajustar; e nem sempre é por valentia e por castidade que os homens são valentes e as mulheres castas.
A virtude não iria longe se a vaidade não lhe fizesse companhia.
(…) Os vícios entram na composição das virtudes como os venenos na dos remédios. A prudência mistura-os, tempera-os, e serve-se deles eficazmente contra os males da vida.
A avareza produz muitas vezes efeitos contrários: há um número infinito de pessoas que sacrificam todo o seu bem-estar a esperanças duvidosas e remotas, outras que desprezam grandes benefícios futuros a pequenos interesses presentes.
Há mérito sem elevação, mas não há elevação sem algum mérito.
É mais por orgulho que por falta de luzes que nos opomos com tanta teimosia às opiniões mais correntes; como os primeiros lugares no bom partido já estão ocupados, também não queremos os últimos.
Estamos muito longe de conhecer tudo o que as nossas paixões nos levam a fazer.
A piedade é, muitas vezes, um sentimento dos nossos males nos males de outrem. É uma hábil previsão das infelicidades que nos podem acontecer; amparamos os outros para os comprometer em relação a nós em ocasiões semelhantes; e estes serviços que lhes prestamos são, a bem dizer, bens que oferecemos a nós mesmos adiantadamente.
Não é tão perigoso fazer mal à maior parte dos homens, como fazer-lhes demasiado bem.
Raramente conhecemos alguma pessoa de bom senso além daquelas que concordam conosco.
Perdoa-se na medida em que se ama.
Conserva-se por muito tempo o primeiro amante, quando não se toma um segundo.
Há negócios e doenças que os remédios azedam em determinada altura. A grande habilidade consiste em saber quando é perigoso utilizá-los.
A Preguiça
De todas as paixões a que nos é mais incógnita é a preguiça. É a mais ardente e a mais maligna de todas, ainda que a sua violência seja imperceptível e que os seus danos se escondam. Se observarmos com atenção o seu poder, notaremos que ela se torna sempre mestra dos nossos sentimentos, dos nossos interesses e dos nossos desejos. Ela é a demora que tem a força para fazer parar os maiores navios, é uma calmaria mais perigosa para as grandes empresas do eu do que os bancos de areia e do que as maiores tempestades. O repouso dado pela preguiça é uma sedução secreta da alma, que pára de repente as lutas mais inflamadas e as resoluções mais obstinadas. Enfim, para se dar uma verdadeira ideia desta paixão, é preciso dizer que a preguiça é como que um estado de beatitude da alma, consolando-a das suas perdas e ocupando o lugar de todos os bens.
Há por vezes tolos com graça, mas nunca com juízo.
As jovens que não querem parecer ‘coquettes’ e os homens de idade avançada que não querem ser ridículos nunca devem falar do amor como algo de que possam fazer parte.
Se julgarmos o amor pela maior parte dos seus efeitos, ele assemelha-se mais ao ódio do que à amizade.
Estamos mais perto de amar quem nos odeia, que aqueles que nos amam mais do que queremos.
Por vezes, basta ser grosseiro para não se ser enganado por um homem habilidoso.
Apenas quem é desprezível pode ter medo de ser desprezado.
Há pessoas repugnantes apesar do seu mérito, e outras agradáveis apesar dos seus defeitos.